quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Seis propostas para o próximo milênio

Italo Calvino

Em 1984 Italo Calvino foi convidado a proferir um ciclo de conferência (as prestigiosas Charles Eliot Norton Poetry Lectures) para o ano letivo acadêmico de 1985-86, na Universidade de Harvard, Cambridge. O termo ‘poetry’ significa, neste caso, qualquer espécie de comunicação poética – literária, musical, figurativa -, sendo a escolha do tema inteiramente livre. Terminava de prepará-las quando faleceu prematuramente sem, no entanto, proferi-las. Assim, as "Seis propostas para o próximo milênio" contêm apenas cinco, como a presentear o autor com um epitáfio não escrito: ficou faltando a conferência que se intitularia "Consistência", jamais escrita.


Seis propostas para o próximo milênio
Companhia das Letras
ISBN: 8571641250
São Paulo – 1991
144 páginas

Declaração de ética, mas que de estética, as conferências que Ítalo Calvino preparou para a Universidade de Harvard representam o testamento artístico de um dos protagonistas literários do final do século XX. Em meio à cada vez mais aguda crise contemporânea da linguagem, o grande escritor italiano identifica as seis qualidades que apenas a literatura pode salvar - Consistência, Leveza, Rapidez, Exatidão, Visibilidade e Multiplicidade -, virtudes a nortear não apenas a atividade dos escritores mas cada um dos gestos de nossa existência. Feitas de divagações, memórias, trechos autobiográficos, as Seis Propostas de Ítalo Calvino constituem, sem dúvidas, um precioso legado para a literatura.Consistência, Leveza, Rapidez, Exatidão, Visibilidade e Multiplicidade são, para Ítalo Calvino, valores literários que devem ser preservados pela literatura, por ele considerada perene e que ele teria desejado transmitir à humanidade:

“Estamos em 1985: quinze anos apenas nos separam do início de um novo milênio. Por ora não me parece que a aproximação dessa data suscite alguma emoção particular. Em todo caso, não estou aqui para falar de futurologia, mas de literatura. O milênio que está para findar-se viu o surgimento e a expansão das línguas ocidentais modernas e as literaturas que exploraram suas possibilidades expressivas, cognoscitivas e imaginativas. Foi, também, o milênio do livro, na medida em que viu o objeto-livro tomar a forma que nos é familiar. O sinal talvez de que o milênio esteja para findar-se é a freqüência com que nos interrogamos sobre o destino da literatura e do livro na era tecnológica dita pós-industrial. Não me sinto tentado a aventurar-me neste tipo de previsões. Minha confiança no futuro da literatura consiste em saber que há coisas que só a literatura com seus meios específicos nos pode dar. Quero, pois, dedicar estas conferências a alguns valores ou qualidades ou especificidades da literatura que me são particularmente caros, buscando situá-los nas perspectiva do novo milênio." (p. 11)


A literatura pode criar os anticorpos que coíbam a expansão da peste da linguagem. Este último milênio assistiu ao surgimento do livro, enquanto objeto e, também, presenciou a sua crise. As cinco conferências são, cada uma, um mergulho profundo nos temas a que se propõem, revelando não só as preferências de Ítalo Calvino por assuntos, abordagens e autores, mas também, por somatório, o seu projeto literário em movimento interminável e não terminado.Seis propostas para o próximo milênio é um livro fundamental para se entender, o que, afinal de contas, é a literatura, porque é imprescindível e como pode atingir elevada qualidade.

É um livro importante, também, para ajudar a descobrir quem somos nós:

"...quem somos nós, quem é cada um de nós senão uma combinatória de experiências, de informações, de leituras, de imaginações? Cada vida é uma enciclopédia, uma biblioteca, um inventário de objetos, uma amostragem de estilos, onde tudo pode ser continuamente remexido e reordenado de todas as maneiras possíveis." (p. 138)

As Seis Propostas vão de Virgílio a Queneau, de Dante a Joyce, em busca de uma concepção da literatura como transparência e lucidez, e como respeito aos próprios instrumentos e aos próprios objetos. A camada de folhas sobre a qual Perseu descansa a cabeçada Medusa, nas Metamorfoses de Ovídio, a neve que desce levíssima num soneto de Cavalcanti, as partículas de poeira num raio de luz observadas por Leopardi, esses são apenas alguns dos objetos literários que Ítalo Calvino procura salvar.

De modo oblíquo, essas ‘lições americanas’ acabam se tornando o retrato de seu autor, de seu anseio em conjugar a clareza da linguagem com a densidade e a complexidade das estruturas narrativas. Em determinado momento, Ítalo Calvino fala do estilo conciso e extraordinariamente funcional dos contos de fadas. Neles encontra um dos valores sobre os quais organizar seu projeto de resistência ao empobrecimento da língua, sua defesa do ofício de escrever – mas neles se reconhece, também, aquela união de rigor, de exatidão e fábula que constituíram a marca de sua obra literária.

Italo Calvino

O escritor Italo Calvino nasceu em 1923, em Cuba, por onde seus pais, cientistas italianos, estavam de passagem. Sua infância foi em San Remo, na Itália. Em 1941, matricula-se na Faculdade de Agronomia de Turim; mas abandona os estudos ao engajar-se na Resistência Italiana contra o exército nazista. Ao final da guerra, Calvino vai morar em Turim, onde se doutora em letras com uma tese sobre Joseph Conrad.

Em 1947, lança seu primeiro livro, inspirado em sua participação na Resistência. Passa a trabalhar para o jornal comunista L'Unità e, depois, na editora Einaudi. Só a partir dos anos 1950 Calvino começaria a escrever as obras que o tornaram famoso internacionalmente. Seus primeiros grandes sucessos são O Visconde Partido ao Meio (1952), O Barão nas Árvores (1957) e O Cavaleiro Inexistente (1959).

Em 1956, Calvino se desliga do Partido Comunista. Em 1972, publica Cidades Invisíveis. Se um Viajante numa Noite de Inverno, de 1979, explora com ironia a relação do leitor com a obra literária. Palomar é de 1983. Traduzidos para inúmeras línguas, os três têm lugar de destaque no repertório da literatura pós-moderna da Europa.

Calvino morreu em 1985, consagrado como um dos mais importantes escritores italianos do século 20. Entre seus muitos outros livros incluem-se Seis Propostas para o Próximo Milênio, Amores Difíceis e O Castelo dos Destinos Cruzados.

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