sábado, 30 de maio de 2015

Coordenação Modular e Arquitetura

No ano de 2008, o NUTAU/USP - Núcleo de Pesquisa em Tecnologia da Arquitetura e Urbanismo, da Universidade de São Paulo (USP), realizou seu Sétimo Seminário Internacional, com o título "ESPAÇO SUSTENTÁVEL: INOVAÇÕES EM EDIFÍCIOS E CIDADES". Com mais de mil trabalhos científicos apresentados e discutidos nas edições anteriores, além das conferências internacionais e nacionais proferidas nessas ocasiões, o NUTAU 2008 buscou aprofundar alguns temas já levantados em duas edições anteriores voltadas ao assunto, as de 2002 e 2006. Na sequência, publico o artigo apresentado no evento.

COORDENAÇÃO MODULAR E ARQUITETURA:
Tecnologia, Inovação e Sustentabilidade


MODULAR COORDINATION AND ARCHITECTURE:
Techcology, Inovation and Sustainable Development

Paulo Ricardo Bregatto, Me.
Mario dos Santos Ferreira, Dr.
Márcio Rosa D’Ávilla, Dr.

O artigo aborda uma revisão dos conceitos correntes da arquitetura, ainda hoje adotados para execução do ambiente construído, na busca de uma condição de equilíbrio na extração, utilização e reutilização dos recursos renováveis e não-renováveis disponíveis no meio. Sabe-se hoje que a relação entre o princípio da sustentabilidade planetária e o conceito de eco-eficiência é o condicionante principal no projeto das edificações para este milênio. A arquitetura, vista neste particular como um agente de materialização de tecnologia, pode conferir ao ambiente construído um novo caráter, sob a ótica da preservação e recuperação ambiental. A ferramenta coordenação modular comparece como variável determinante na otimização dos insumos e componentes envolvidos neste cenário de sustentabilidade.

Palavras-Chaves: Teoria do Arquitetura; coordenação modular e sustentabilidade.

ABSTRACT

This paper presents a revision of the current architectural concepts, still in, looking for a balance in the extration, use and re-use of recycle and non-recycle natural resources. The relation between the principle of the sustainable development and the concept of eco-efficiency, is the main condition in design of buildings on Earth. The architecture function, seen like an agent of technology process, may assess specific characteristics to the industrial product, based upon the environment preservation point of view. The modular coordination tool may be considered as a break-even point in this sustainable canary.

Key-Words: Architecture theory, modular coordination, sustainable development

Sustentabilidade: Eco-eficiência de materiais e componentes da edificação

Sabe-se que a manutenção do equilíbrio dos ecossistemas passa obrigatoriamente por mudanças nos processos industriais, nos modelos de produção hoje utilizados, os quais permitam aproximações do modelo de sustentabilidade estabelecido como adequado ao planeta.

Desenvolvimento sustentável é definido como a busca pelo atendimento das necessidades da geração atual sem comprometer o direito das futuras gerações. Esta postura passa pelo equacionamento de dois fatores: atendimento das necessidades humanas (condições essenciais de vida) e as limitações que devem ser estabelecidas para as soluções tecnológicas e a utilização dos recursos naturais renováveis e não-renováveis (ou renováveis em longo prazo). A fixação de conceitos de sustentabilidade determina que o melhor produto e o melhor processo são aqueles que forem melhores para a preservação do ambiente. Este conceito incorpora, portanto, aspectos de rentabilidade econômico-financeira, eficiência produtiva, qualidade de processo e de produto.

Ecologia, segundo Munasinghe (1993), é um problema econômico na medida em que, os ecossistemas que dependem de condições de equilíbrio de relações de trocas, envolvidos, neste caso, aspectos referentes à produção e consumo. Em nível mundial estão estabelecidos conceitos de sustentabilidade dentre os quais o melhor produto e o melhor processo são aqueles que forem melhores para o ambiente, com a consideração de fatores como rentabilidade econômico-financeira, eficiência produtiva e qualidade de processo e produto.

Segundo Lerípio (1997), a corrente da sustentabilidade entende ainda que poluição é uma forma de desperdício e ineficiência dos processos produtivos pela perda de matérias-primas e insumos, nos processos de produção. Neste cenário descrito, pode-se afirmar que a busca da qualidade ambiental no projeto da edificação passa necessariamente pela escolha de materiais e componentes, a partir do efetivo conhecimento de seu processo produtivo, do balanço energético final, seu potencial de inserção num sistema construtivo racional e otimizado, no que tange à processo construtivo, além das usuais variáveis estético-formais que configuram o ente arquitetônico.

Hoje o requisito principal de projeto reside na eco-eficiência da edificação. Eco-eficiência de um produto ou componente consiste na característica ambiental incorporada via projeto. O produto eco-eficiente apresenta requisitos especiais, que o diferencia de outros, no que se refere ao processo de fabricação, estoque, distribuição, utilização e descarte, adequado aos seus usuários e ao meio natural, no qual estes se inserem. Configura-se como o mais importante em qualquer programa de necessidades a ser concebido, com características de sustentabilidade.

Sustentabilidade na edificação versus balanço energético dos componentes: pinus, eucalipto e cerâmica.

Nas décadas de oitenta e noventa, proliferaram políticas públicas orientadas para soluções de habitação de interesse social, orientadas para a utilização de materiais dito “ecológicos” como materiais cerâmicos e madeiras de reflorestamento. No entanto, pesquisas anteriores na década de setenta, já demonstravam perdas energéticas nos processos de produção e danos ambientais significativos. Atualmente, com a incorporação dos fundamentos da sustentabilidade, as conclusões são reafirmadas por autores atuais.

As repercussões ambientais da monocultura do eucalipto e do pinus concentram-se, dentre outras, no consumo de reservas hídricas. Segundo Oliveira (2007), considerando apenas as plantações comerciais das principais espécies introduzidas plantadas no país, o eucalipto responde por mais de 2/3 (135 milhões de m3), da capacidade de produção sustentada (184 milhões de m3 anuais) enquanto que o pinus contribui com 1/3 restante (49 milhões de m3).

Afirma ainda que um dos impactos ambientais causado pelo monocultivo do eucalipto é a redução e perda da biodiversidade da flora e da fauna. A monocultura do pínus e eucalipto representam perda (extinção) de espécies nativas e alterações ambientais como a biocontaminação dos ecossistemas adjacentes por espécies invasoras como o Pínus elliottii.

Estudos à época apontavam para o alto consumo de água das plantações de eucalipto causando a redução da quantidade de água presente naturalmente na região do plantio. Alguns estudos comprovam que o Eucalipto consome pelo menos 200 litros de água por dia. Informava, ainda, que para produzir um quilo de madeira de eucalipto são necessários 350 litros de água.

Segundo Elia (2006), o pinus também avança sobre as matas nativas por conta própria. Suas sementes se propagam facilmente e germinam em qualquer lugar. No Rio Grande do Sul, a invasão aconteceu na área de restinga do Parque Nacional Lagoa do Peixe. Completa o autor afirmando que cerca de 5% do território de Santa Catarina já está coberto por plantações de pinus com tendência de aumento. Corresponde hoje a 85% das espécies cultivadas em solo catarinense.

Com relação aos produtos cerâmicos, Soares (2003) afirma que “Cada etapa do ciclo de vida do produto tem conseqüências ambientais, desde a extração da matéria-prima até a eliminação do resíduo”. De acordo com o pesquisador, as etapas do ciclo de vida da cerâmica que mais exercem influência sobre o meio ambiente são três: a extração da matéria-prima, a escolha e forma de utilização da fonte energética e a emissão dos resíduos resultantes do processo de produção.

Na década de noventa, Langhanz (1991) já demonstrava preocupação com as perdas de 32% na produção de telhas cerâmicas e alertava para os custos de energia (em torno de 40%) em relação aos custos totais de produção. Sales et al (2007) afirmam que no Ceará as mais de 300 cerâmicas usam lenha como combustível acelerando o desmatamento, a níveis alarmantes, além da extração de argila, feita de maneira degradante.

Satler (2007), de sua parte, destaca o empirismo no processo de composição da mistura a ser conformada, considerado o consumo de água. O consumo energético e respectivas perdas no processo de fabricação de produtos de cerâmica vermelha, telhas e tijolos, são ainda incógnitas nas indústrias de pequeno e médio porte, segundo o autor.

O modo de produção industrial se propõe a obter, com economia de escala, a compatibilização e a otimização de qualidade, quantidade e custo. Esta meta resulta de uma racional aplicação de recursos, da eliminação dos desperdícios e do aumento de eficiência dos fatores de produção, mão-de-obra e equipamentos. A coordenação modular deve ser entendida como um instrumento físico e econômico, vinculada à composição arquitetônica, à tecnologia e à produção.

MÓDULO E COORDENAÇÃO MODULAR NA ARQUITETURA

O espaço definido para o atendimento de mais de uma atividade humana, devidamente configuradas através de estudos de arranjos físicos, com mínimo necessário e suficiente para a perfeita realização dessas atividades, pode ser quantificado e caracterizado como uma unidade de medida denominada módulo

O uso de módulos na arquitetura pode ser encontrado em várias épocas, desde a Antigüidade. O módulo dos clássicos era certamente um módulo-forma, enquanto o Modulor de Le Corbusier (1976), pode ser considerado como módulo-função. As séries de módulos, adotados pelos romanos, revelam características de módulo-objeto. Dentre as aplicações mais antigas o Ken, módulo japonês, derivado do tatami, representa também um raro exemplo de módulo-objeto. A partir disto, é oportuno ressaltar que a coordenação dimensional é habitualmente entendida como um instrumento de normalização das partes da edificação.

No caso da coordenação modular, a norma brasileira NBR-5706 (ABNT, 1977) assim a define:

“Técnica que permite relacionar as medidas de projeto com as medidas modulares por meio de um retículo espacial de referência.”

Ao serem utilizadas, simultaneamente, unidade de medida para um espaço organizado (módulo-função) e outra para o invólucro (módulo-forma), se está articulando as dimensões dos espaços parciais com as dos componentes e compatibilizando-as entre si. A compatibilização geral, entretanto, ocorrerá a partir da definição do módulo-objeto, responsável pela repetitividade exigida pela escala de produção.

A coordenação modular em arquitetura é definida como um método ou abordagem de projeto, com elementos construtivos dimensionados a partir de uma unidade de medida comum. A unidade, chamada de módulo, define as dimensões e proporções dos elementos, estabelecendo uma relações de dependência entre eles e o produto final, a edificação.

A ordenação e a organização destes elementos-módulos, dentro da construção, ocorreram de forma diferenciada, em cada período da história da arquitetura. A coordenação modular hoje, no entanto, apresenta uma série de problemas ainda não solucionados, quais sejam: adaptação dos materiais e componentes a um sistema modular único, padronização e unificação do módulo base no mercado mundial e a preparação dos profissionais para a utilização do sistema de coordenação modular.

Para que a aplicação da coordenação modular se dê de uma forma abrangente será necessária uma mudança radical das técnicas construtivas, modificação dos métodos de fabricação e um nível de projeto e detalhamento mais apurado.

O modo de produção industrial está fundamentado em princípios de continuidade física, temporal e conceitual. O princípio da continuidade física está vinculada à organização da produção, no que tange à arranjo físico e meios de produção (máquinas, ferramentas e dispositivos). O princípio da continuidade temporal depende do sincronismo de tempos de produção previstos e dimensionados de acordo com metas e capacidade instalada.

O princípio conceitual resulta da unidade e coerência entre previsão e ação dos recdursos humanos intervenientes no processo. A continuidade é fruto de organização e da previsão, decorrente da simplificação, através do estabelecimento de rotinas produtivas e da eliminação da casualidade nas decisões, eliminando erro e acidente, otimizando o trabalho.

A coordenação modular é o instrumento destinado a coordenar as dimensões dos elementos produzidos na fábrica com os projetos arquitetônicos. Sua aplicação implica numa disciplina de trabalho considerada indispensável para que a industrialização e racionalização do processo construtivo possam ser realizadas de forma orgânica, correta e segura. Cabe, porém, salientar que a coordenação modular, na construção civil, é impossível se não existir um projeto integral do edifício. Nada poderá ser omitido ou deixado para estudo posterior no decorrer da execução (montagem).

O arquiteto deve, portanto, modificar sua lógica de projeto: deverá compreender que o problema não é de modulação de espaços e sim, de dimensões que se relacionam com a utilização de elementos construtivos pré-fabricados. A coordenação modular, como muitos acreditam, jamais compromete a capacidade criativa de um arquiteto. Pelo contrário, a existência dos condicionantes da coordenação modular resulta em obras cujos valores estético-formais estarão em harmonia perfeita com os valores sócio-econômicos.

As teorias da sustentabilidade, enunciadas oficialmente pelo Banco Mundial na década de noventa, passam obrigatoriamente pela abordagem de uso racional dos recursos. Munasinghe (1993), economista ambiental do Banco Mundial, já abordava àquela época, o efeito de produção como o impacto ambiental decorrente de quantidade, qualidade e custo de produção de bens.

No caso da concepção e produção do ambiente construído, a exemplo de outros segmentos industriais, o princípio da sustentabilidade vincula-se a economia de recursos, renováveis ou não-renováveis, em todos os níveis do processo de transformação dos insumos e matéria-prima em componentes.

A coordenação modular exige dos materiais e componentes envolvidos no processo de construção do ambiente construído níveis de confiabilidade metrológica, estabilidade dimensional e normalização. Estas condições impõem, desde já o uso racional dos meios e do modo de produção, orientados para a minimização de perdas no sistema garantindo balanço energético característicos de produtos e materiais eco-eficientes.

No caso específico da arquitetura, a adoção da variável coordenação modular, estabelece laços fortes com a ótica da sustentabilidade, a partir da redução gradativa de desperdício na execução do ambiente edificado. Por certo, o caráter e a configuração física do ente arquitetônico tende a ser diametralmente opostos a maioria dos resultados arquitetônicos obtidos atualmente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ELIA, Carolina. O invasor e seus comparsas, in: O Eco. disponível em: http://arruda.rits.org.br/oeco 28.01.2006
LANGHANZ, C.L. A qualidade na indústria cerâmica vermelha do Rio Grande do Sul. In: Anais XXV Jornadas Sul-Americanas de Engenharia Estrutural. v.4, Porto Alegre, 1991.
LERIPIO, Alexandre A. Emissão Zero: um Novo Conceito de Qualidade Total. PPGEP/UFSC, Florianópolis, 1997.
MUNASINGHE, Mohan. Como os Economistas Vêem o Desenvolvimento Sustentável. In: Finanças e Desenvolvimento. pg. 16-19., v.13, n.4, FMI-Banco Mundial/FGV, dez. 1993.
OLIVEIRA, Adriano. Abaixo e à Esquerda. Disponível em: http://osverdestapes.googlepages.com 29 de Maio de 2007. Acesso em 28/03/2008.
SALES, J.C. FERREIRA, A. C.; FILHO, A F.G. Furtado; ALMEIDA, J. S. Identificação dos impactos ambientais causados pela indústria de cerâmica vermelha no Estado do Ceará. in: Anais do 51º Congresso Brasileiro de Cerâmica, 2007, Salvador - BA. 51o. Congresso Brasileiro de Cerâmica, 2007.
SATTLER, Miguel Aloysio. Habitações de baixo custo mais sustentáveis: a casa Alvorada e o Centro Experimental de tecnologias habitacionais sustentáveis/ Miguel Aloysio Sattler. — Porto Alegre: ANTAC, 2007. — (Coleção Habitare, 8.)
SOARES, Sebastião Roberto. Análise do Ciclo de Vida de Produtos Cerâmicos. Disponível em http://www.agecom.ufsc.br, 2003.
CORBUSIER, Le. El Modulor - Ensayo sobre una medida armonica a la escala humana aplicable universalmente a la arquitectura y a la mecanica. Barcelona, Editorial Poseidon, 1976.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 5706 Coordenação Modular da Construção– Procedimento. Rio de Janeiro, ABNT, 1977.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

21 de Agosto de 2015

Queridos alunos do TCCII da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da PucRS, foi com imensa alegria e surpresa que recebi ontem o honroso convite para ser o paraninfo da 29ª turma, na solenidade de formatura que ocorrerá dia 21 de agosto de 2015. Não existe maior distinção acadêmica que um professor possa receber que a honraria de participar deste importante ritual de passagem, conduzindo-os da vida acadêmica para a vida profissional. Isto é um elo que nos unirá profissionalmente para sempre.

Vocês muito bem observaram, no belo texto que foi lido ontem pela comissão de formatura (ver texto anexo), que não é a primeira vez que recebo esta homenagem. Mas devo dizer que a emoção é sempre única! Não apenas por se tratar de uma nova turma, ou pela oportunidade singular de me reciclar com a diversidade dos seus tantos projetos, ou ainda pelo prazer imensurável de me alimentar e renovar com a energia vibrante que habita o coração dos estudantes de arquitetura – com seus desejos revolucionários – mas, principalmente, pelo impacto positivo deste convite quando associado ao momento íntimo e pessoal diante da vida sempre dinâmica e em constante transformação.



Este convite vem em boa hora!

Num momento de muitas e contínuas reflexões profissionais e pessoais. A atividade docente é uma experiência apaixonante, mas repleta de altos e baixos. De um lado o prazer do convívio com todos vocês e a oportunidade de participar da revisão e da reconstrução ética da nossa sociedade - tão carente das nossas ações - pela visão transformadora dos seus projetos. De outro, pelo enfrentamento diário das dificuldades impostas por um mercado exageradamente capitalista que transformou de maneira acrítica e massificada a formação universitária em mercadoria, passando por cima de questões pertinentes às reais demandas da sociedade tão carente dos efeitos benéficos do ofício da arquitetura e urbanismo. Talvez, também por esta razão, vemos as nossas cidades crescendo desordenadamente sem o adequado e criterioso planejamento e com novas edificações e espaços privados e públicos desprovidos de qualidade. Muita construção e pouca arquitetura e urbanismo. Muito temos discutido isso nos diversos ateliês de nossa escola. Portanto, como vocês podem constatar, não são poucas as vezes que, diante de tantas barreiras e dificuldades, vamos nos perguntando se estamos agindo certo e, até mesmo, se estamos no caminho correto. Com o reconhecimento de vocês, com aquela emocionante homenagem de ontem, posso presumir que estamos juntos trilhando um bom caminho.


Foto: Daniel Pitta Fischmann

Por isso digo-lhes que esta homenagem vem em ótima hora!! Funcionando como um grande e fortalecedor estímulo para seguir em frente. Tenham a certeza que tomarei este convite como uma carga rápida de energia positiva para continuar participando ativamente na Universidade, no escritório e na política profissional, defendendo sempre os princípios fundamentais do nosso ofício.

De coração, muito obrigado por esta homenagem!
Um abraço carinhoso e fraterno!
Contem sempre comigo!

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Por que contratar um arquiteto?

Vilanova Artigas

Carta ao cliente

Confesso que não me assustei muito ao ler sua carta contando o resultado da conferência para autorização de um projeto para o São Lucas. Estas coisas acontecem sempre porque, por falta de costume, quem constrói, nem sempre avalia o plano de como deveria fazê-lo. Se eu insisto em aconselhá-lo mais uma vez para que consiga um arquiteto para dirigir os trabalhos de seu hospital, não é somente porque desejo muito trabalhar para um hospital modelo, mas porque, e principalmente porque, não posso crer que uma obra, da importância da sua, possa nascer sem estudo prévio. É prática brasileira fazer as coisas sem plano inicial perfeitamente elaborado; quando se pergunta sobre como ficarão estes e aqueles pormenores, a resposta é sempre a mesma: "Ah! Isso depois, na hora, veremos".



Assim fazem-se as casas, os prédios, as cidades; nesse empirismo vive a lavoura, a indústria e o próprio governo. O planejamento, mercadoria altamente valorizada em todo mundo para qualquer realização, não encontrará entre nós o ambiente propício enquanto nós moços não nos capacitarmos da sua necessidade imprescindível. Poderia continuar conversando com você sobre a grande vantagem de planejar com antecedência, até amanhã, sem esgotar todos os argumentos e provavelmente terminaria por dizer que é até demonstração de patriotismo e inteligência. Mas com isso não convenceríamos ninguém; talvez muito mais vantajoso seria confinar a discussão entre os limites das vantagens particulares, individuais de aplicar o método.

Então vejamos. A pergunta é sempre a mesma: ”Que vantagem poderíamos ter em gastar CR$ 65.000,00 em um projeto somente? O projeto não é o prédio; muito pelo contrário, somente uma despesa a mais! Contratando a construção o projeto viria de graça, feito pelo próprio construtor e nós economizaríamos 5% sobre o valor do prédio. Com esses 5%, no caso de querermos gastá-lo, até poderíamos melhorar algumas condições do edifício; enriquecer alguns materiais, etc.” Garanto que os argumentos acima lhe foram expostos mais de uma vez. São os que sempre vejo empregados em ocasiões dessas e nunca mudam. São também os mais fáceis de rebater e os menos inteligentes.

Senão, vejamos: "O projeto sempre custa alguma coisa". O construtor que o fizer terá, sem dúvida, que empregar engenheiros e desenhistas para isso. Terá de empregar gente para calcular concreto, para calcular aquecimento, eletricidade, etc. O construtor cobrará essa despesa do proprietário através da comissão para a construção. Tanto isso é verdade que, se você apresentar aos construtores um projeto completamente pronto, ele cobrará percentagem menor para a construção porque dirá, "não terei despesas no escritório". Suponhamos que a taxa de honorários para a construção seja de 10 a 12%, inclusive o projeto. Se você der o projeto, encontrará quem lhe faça por 6 ou 8%. Daí você conclui que o projeto que você pagou ao arquiteto 5%, já representa nessa ocasião somente 1% ou 2% a mais do que o preço geralmente previsto.

Mas eu desejo provar que o plano geral, feito com antecedência, é economia e não despesa. Então vamos continuar. Ninguém pode negar, nenhum construtor, nenhum cliente, que o projeto feito pelo técnico, contém em si uma previsão maior dos diversos detalhes do que o projeto rabiscado pelo construtor e verificado pelo proprietário. Faça uma experiência. Tome um plano que esteja em início de construção e pergunte a quem o dirige: "Por onde passam os canos de aquecimento? Por onde passam os canos de esgoto? O senhor vai fazer antes isso ou aquilo?" Garanto que não sabem.

Responderão: "Provavelmente passarão por aqui ou ali, farei isto ou aquilo antes". Se na ocasião de executar um serviço, verificar-se um contratempo qualquer, um cano que não pode passar porque tem uma porta, um esgoto vai ficar aparecendo no andar de baixo; o construtor resolve em função do problema, no momento. Ele dá voltas com o cano ou faz um forro falso para esconder o esgoto que iria aparecer em baixo. Entretanto se isso tivesse sido previsto, não precisaria de forro falso ou qualquer outra coisa. No papel, teria sido procurada e encontrada a solução mais econômica, para o caso, a mais bonita.

Consulte um construtor experimentado ou alguém que já tenha construído e todos serão unânimes em contar-lhe pequenas calamidades que apareceram. Eu já ouvi diversas vezes, por exemplo: "Quando colocamos as fundações no terreno nós vimos que o quarto ficaria enterrado. Então levantamos as fundações mais cinquenta centímetros para dar certo. Por isso deu uma escada na entrada e ficou com um porão, etc". Se você calcular quanto mais caro ficou a imprevisão, você verá a vantagem de ter um projeto estudado. O arquiteto teria dado uma disposição diferente nos cômodos de maneira que o tal quarto não ficasse enterrado, sem ter que aumentar as fundações e assim economizaria o dinheiro com o qual se faria pagar.

Se o proprietário não ganhasse nada, ainda teria para si uma solução melhor e um motivo para valorizar seu imóvel. O construtor, por exemplo, não projetaria as instalações elétricas. Ele chamaria um instalador "prático" e o homem disporia a coisa à sua vontade. Usaria os canos que ele quisesse e os fios que achasse melhores. Bem curioso, não é? Poucos entendem disso e ninguém iria fiscalizar o homem. Acontece, porém que os fios, quando são fios demais em relação à corrente que transportam, dão muitas perdas, e essas se traduzem em despesa mensal maior de energia para você durante os 50 ou 100 anos de funcionamento do hospital; assim você pagaria 100 vezes um bom projeto de distribuição de eletricidade. Estou apenas repetindo casos cotidianos.

Do funcionamento do hospital ainda mais, o construtor provavelmente não entende e nem terá tempo suficiente para estudar. Ele não é especializado em hospitais porque isto é Brasil e depois não estudam porque não é o seu "métier". Ora, assim sendo, ele vai confiar em você. Você conhece hospitais já feitos e em funcionamento, como hospitais, não como construções. Os seus preconceitos, a respeito, o construtor repetirá com o dinheiro de seu bolso. As soluções que, para alguns casos que você viu, são soluções econômicas poderão constituir soluções caríssimas, no seu caso. Rematando, sua casa de saúde não teria o melhor aspecto porque faltou um artista.

Arquitetura é construção e arte. Arte. Arte não tem livro de regulamento que ensine. Nasce dentro de cada um e desenvolve-se como conjunto de experiências. Procure um homem que possa dar à sua casa de saúde, além das características de um hospital eficiente pelo perfeito planejamento das diversas sessões, um valor artístico indiscutível. O valor artístico é um valor perene, enorme, inestimável. É um valor sem preço e sem desgaste. Pelo contrário, aumenta com os anos à proporção que os homens se educam para reconhecê-lo. O valor artístico subsiste até nas ruínas. Os anos correm e desgastam o material, enquanto valorizam o espiritual.

Com a consciência limpa termino minha proposta. Está em suas mãos a responsabilidade de decidir entre os caminhos. De um lado eu me coloco, não só, mas como representante dos arquitetos brasileiros, defendendo a economia, a ordem e acima de tudo, o futuro. De outro lado, me coloca contra o empirismo, a reação, a imprevisão. Qualquer solução que você venha a dar não mudará as relações entre nós, nem sua opinião futura sobre o que acabo de escrever. Se o prédio for bom, bem projetado, bem planejado, por um bom arquiteto, você gostará, todos gostarão; se ele não prestar, se custar muito, se não funcionar, ser for feio ou sem personalidade, sem valor artístico, sem plano nenhum, o resultado será o mesmo. Em todos os dois casos você adquirirá experiência e acabará por trabalhar sempre do meu lado e com os meus argumentos. Nós venceremos sempre como eu queria demonstrar.

Pague pois o que eu pedi. É pouco em relação às vantagens futuras. Ou não pague, e as vantagens serão as mesmas, para a sociedade evidentemente, não para você.
Com um abraço afetuoso do amigo certo,

Vilanova Artigas
São Paulo, julho de 1945