sexta-feira, 8 de março de 2024

As mulheres da minha geração

As Mulheres da minha geração abriram suas pétalas rebeldes, não de rosas, camélias, orquídeas ou outras ervas, de salõezinhos tristes, de casinhas burguesas, de velhos costumes.

Mas de ervas peregrinas entre ventos, porque as Mulheres da minha geração floriram nas ruas, nas fábricas, viraram fiadeiras de sonhos, no sindicato, organizaram o amor segundo seus sábios critérios.

Quer dizer, disseram as Mulheres da minha geração, a cada qual segundo sua necessidade e capacidade de resposta, como na luta golpe a golpe, no amor beijo a beijo.

Porque as Mulheres da minha geração beberam com vontade o vinho dos vivos, acudiram a todas as chamadas e foram dignidade na derrota. Porque as Mulheres da minha geração nos marcaram com o fogo indelével de suas unhas a verdade universal dos seus direitos.

Conheceram o cárcere e os golpes, habitaram em mil pátrias e em nenhuma, choraram os seus mortos e os meus como se fossem seus, deram calor ao frio e ao cansaço desejo, à água sabor e ao fogo orientaram pelo rumo certo, dançaram o melhor do vinho e beberam as melhores melodias.

Porque As Mulheres da minha geração, nos ensinaram que a vida não se oferece aos sorvos, companheiros, mas de golpe, até o fundo das consequências.

Foram estudantes, mineiras, sindicalistas, operárias, artesãs, atrizes, guerrilheiras, até mães e parceiras nos momentos livres da Resistência, porque as Mulheres da minha geração só respeitaram os limites que superavam todas as fronteiras.

Internacionalistas do carinho, brigadistas do amor, comissárias do dizer te amo, milicianas das carícias, entre batalha e batalha as Mulheres da minha geração deram tudo e disseram que isso era apenas o suficiente.

Seus cabelos grisalhos não são grisalhos, mas uma forma de ser para a tarefa que as espera, as rugas que aparecem em seus rostos dizem: tenho rido, tenho chorado e voltaria a fazê-lo.

As Mulheres da minha geração ganharam alguns quilos de razões que se grudam nos seus corpos, movimentam-se um pouco mais lentas, cansadas de esperar-nos nas metas. Escrevem cartas que incendeiam as memórias, lembram aromas proscritos e cantam, inventam a cada dia as palavras e com elas nos empurram, nomeiam as coisas e mobíliam o mundo.

Escrevem verdades na areia para oferecê-las ao mar, nos convocam e nos parem sobre a mesa posta. Elas dizem pão, trabalho, justiça e liberdade, e a prudência se transforma em vergonha.

As Mulheres da minha geração são como as barricadas, protegem e animam, dão confiança e suavizam o gume da ira.

As Mulheres da minha geração são como um punho fechado que resguardam com violência a ternura do mundo.

As Mulheres de minha geração não gritam porque elas derrotaram o silêncio.

Se alguma coisa nos marca são elas. Elas: a fé de volta, o valor oculto num panfleto, o beijo clandestino, o retorno a todos os direitos, um tango na serena solidão do aeroporto, um poema de Gelman escrito num guardanapo, Benedetti compartilhado no universo de um guarda-chuva, os nomes dos amigos guardados com ramos de alfazema, as cartas que fazem beijar ao carteiro, as mãos que sustentam os retratos dos meus mortos, os elementos simples dos dias que apavoram ao tirano, a complexa arquitetura dos sonhos dos teus netos.

São tudo e tudo sustentam porque tudo vem com seus passos e chega até nós e nos surpreende. Não há solidão onde elas mirem, nem esquecimento enquanto elas cantem. Intelectuais do instinto, instinto da razão, prova de força para o forte e amorosa vitamina do fraco.

Assim são elas, as únicas irrepetíveis, imprescindíveis, sofridas, golpeadas, renegadas, mas invictas Mulheres da minha geração.

Autor: Luís Sepúlveda