segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Educar é ensinar a criar um mundo, não a adaptar-se a ele

Em meio ao avanço do pragmatismo liberal, educar alunos para focar apenas na técnica visando o lucro acima de qualquer coisa e deixando a formação humana de lado é a verdadeira miséria do ensino. A posição foi defendida durante live promovida no Fórum Saergs no Mundo do Trabalho na noite desta terça-feira (3/11). Conduzido pelo diretor do Saergs Rodrigo Barbieri, o debate contou com os arquitetos e urbanistas e professores Bruno Mello (Ufrgs) e Paulo Ricardo Bregatto (PucRS/CauRS).
Segundo Bruno Mello, o papel essencial das universidades é ensinar ideias substantivas ao lado de conhecimentos técnicos de forma a evitar um adestramento dos estudantes. “Para que a gente forma pessoas? Para que se adaptem ao mercado e sejam eficientes à produção? Isso pode incapacitar as pessoas a encontrar uma razão para sua própria atuação profissional”, alertou o professor. E foi além: segundo ele é preciso “formar pessoas para criar um mundo não para se adaptar ao mundo”. O professor da maior instituição pública de ensino gaúcho alertou que, infelizmente, hoje existem as universidades e “as fábricas produtoras de diploma”. De acordo com ele, a mercantilização do ensino colocou o futuro das instituições na mão de gestores, onde quem dita as normas pedagógicas é o RH. “Quanto vale o conhecimento de um professor com 30 anos de experiência e vários livros publicados? O Rh vai dizer que esse cara é caro. Quanto vale o conhecimento?”, questionou, lembrando que o Brasil vive uma realidade de ataque ao conhecimento. A própria expansão do limite de EAD nos cursos de Arquitetura e Urbanismo, que no governo Jair Bolsonaro foi ampliado de 20% para 40%, vem gerando um novo dilema. Apesar de venderem a ideia de popularização do ensino e do encurtamento de distâncias, para Mello, um EAD que não seja emergencial – como o vivido agora em tempos de pandemia – é danoso para as relações humanas e tira dos estudantes e professores a possibilidade de uma interação e troca de ideias essenciais na formação de arquitetos e urbanistas preparados para construir cidades mais democráticas e uma sociedade mais humana. Além disso, o EAD está relacionado unicamente, disse ele, à política de redução de custos e aumento de lucro. “O capitalista agora não precisa mais nem ser dono dos meios de produção. Ele já transferiu esse ônus ao trabalhador. Ele só precisa ter os meios de comunicação. O ensino vai virar um APP”, ponderou. Essa realidade, alerta ele, não diz respeito só ao ensino, mas a um movimento de transformar o “trabalho vivo em trabalho morto”. Mello ainda alertou para a falta de amparo à propriedade intelectual das aulas de EAD. Pagos para produzir disciplinas a distância, os professores não recebem pela reprodução, como ocorre com os artistas com o Ecad. “Em um semestre o professor produz a disciplina, que vai ser reproduzida milhares de vezes”.

Consciente de que é para os ateliês de projeto nas universidades que convergem os saberes essenciais para a formação dos arquitetos e urbanistas, Paulo Ricardo Bregatto defendeu o ensino como vetor de desenvolvimento humano e social em contraponto à política de cortes de investimentos na educação que insiste em propagar a miséria em todos os níveis da educação. Segundo ele, a precarização do ensino está atrelada diretamente ao modelo de negócio atual da educação baseado no ensino de massa, padronização das informações e saberes, mensalidades baixas e redução dos custos com infraestrutura e professores.

O professor destaca ainda que o ensino não pode ser tratado como mercadoria, tampouco o estudante ser tratado como cliente. Bregatto mencionou que universidades são empresas, independentemente de serem públicas ou privadas. O problema, alertou ele, é elas serem empresas mau gerenciadas. “Uma Universidade que for uma boa empresa, deve desenvolver um produto de qualidade, que tenha na sua linha de frente os melhores professores para ter a melhor capacidade de manutenção dos seus estudantes e competência para prospecção de novos.

Os professores também debateram os impactos da pandemia no ensino de Arquitetura e Urbanismo principalmente frente às desigualdades tecnológicas, sociais e financeiras e às novas tarefas delegadas aos profissionais de ensino. Atualmente o detentor do capital (gestores das IES) não precisa mais dispor da infraestrutura e dos meios de produção que foram transferidos totalmente ao professor, ponderou Bregatto.

O professor chamou atenção para o fato de que, em algumas instituições de ensino, a transposição do presencial para o online na pandemia foi natural e sem dificuldades para sua implantação, algo que deve ser analisado e questionado. “Será que a própria essência do ensino e da formação dos novos profissionais já não vinha se precarizando e encontrou solo fértil para que a mudança acontecesse?”. E ponderou que isso mostra a necessidade de ir além das questões relacionadas ao EAD/ERE, reforçando o debate sobre os currículos das escolas, a formação da nova geração de profissionais, o mundo do trabalho e principalmente a função social da profissão. “Agora, estamos afastados de nosso espaço de produção, da cidade, das bibliotecas, do canteiro de obras experimental, das saídas de campo e das visitas aos espaços reais onde sempre trabalhamos. Quem são os novos profissionais que vamos formar?”, questionou, alertando para um debate emergente sobre a formação profissional.

Bregatto destaca ainda que o ERE está impondo um reducionismo na forma de comunicação (visual, verbal, corporal, gráfica) entre o professor e os estudantes e que a massificação das aulas online e videoaulas está nos levando para uma perda da identidade das formações universitárias (formação ou Deformação?).

Para fomentar esse debate, Bregatto sugere que os sindicatos trabalhem para aglutinar o público fragmentado por força do distanciamento social. “Alunos, professores, gestores, entidades de classe, CAU e MEC, todos temos que buscar a união para furar as barreiras das dificuldades de comunicação para alinhar o discurso e aproximar os interlocutores em prol dos interesses reais da profissão. Precisamos aglutinar forças para ter tranquilidade de avaliar e planejar os rumos da formação. As IES ficam 5 anos com os estudantes e a sociedade, o mercado de trabalho, as entidades de classe e o conselho ficam 50 anos. Somente isso já seria um indicativo da necessidade de buscarmos um compartilhamento das decisões sobre os rumos da nossa formação.”

O Fórum Saergs no Mundo do Trabalho é um seminário virtual promovido pelo Sindicato dos Arquitetos no Estado do RS. A agenda tem o patrocínio do CAU/RS e apoio da FNA, IAB, Fenea e CUT.

Live promovida pelo SAERGS 03 de novembro de 2020
http://saergs.org.br/blog/2020/11/04/educar-e-ensinar-a-criar-um-mundo-nao-a-adaptar-se-a-ele/