domingo, 30 de novembro de 2008

Por que ler os clássicos

Italo Calvino (1981)

1 - Os clássicos são aqueles livros dos quais, em geral, se ouve dizer: "Estou relendo..." e nunca "Estou lendo..."

Isso acontece pelo menos com aquelas pessoas que se consideram "grandes leitores"; não vale para a juventude, idade em que o encontro com o mundo e com os clássicos como parte do mudo vale exatamente enquanto primeiro encontro.

O prefixo reiterativo antes do verbo ler pode ser uma pequena hipocrisia por parte dos que se envergonham de admitir não ter lido um livro famoso. Para tranqüilizá-los, bastará observar que, por maiores que possam ser as leituras "de formação" de um indivíduo, resta sempre um número enorme de obras que ele não leu.

Quem leu tudo de Heródoto e de Tucídides levante a mão. E de Saint-Simon? E do cardeal de Retz? E também os grandes ciclos romanescos do Oitocentos são mais citados do que lidos. Na França, se começa a ler Balzac na escola, e pelo nümero de edições em circulação, se diria que continuam a lê-lo mesmo depois.

Mas na Itália, se fosse feita uma pesquisa, temo que Balzac apareceria nos últimos lugares. Os apaixonados por Dickens na Itália constituem uma restrita elite de pessoas que, quando se encontram, logo começam a falara de episódios e personagens como se fossem de amigos comuns.

Faz alguns anos, Michel Butor, lecionando nos Estados unidos, cansado de ouvir perguntas sobre Emile Zola, que jamais lera, decidiu ler todo o ciclo dos Rougon-Macquart. Descobriu que era totalmente diverso do que pensava: uma fabulosa genealogia mitológica e cosmogônica, que descreveu num belíssimo ensaio.

Isso confirma que ler pela primeira vez um grande livro na idade madura é um prazer extraordinário: diferente (mas não se pode dizer maior ou menor) se comparado a uma aleitura da juventude. A juventude comunica ao ato de ler como a qualquer outra experiência um sabor e uma importância particulares; ao passo que na maturidade apreciam-se (deveriam ser apreciados) muitos detalhes, níveis e significados a mais.

Podemos tentar então esta outra fórmula de definição:

2 - Dizem-se clássicos aqueles livros que constituem uma riqueza para quem os tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem se reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas melhores condições para apreciá-los.

De fato, as leituras da juventude podem ser pouco profícuas pela impaciência, distração, inexperiência das instruções para o uso, inexperiência da vida. Podem ser (talvez ao mesmo tempo) formativas no sentido de que dão uma forma às experiências futuras, fornecendo modelos, recipientes, termos de comparação, esquemas de classificação, escalas de valores, paradigmas de beleza: todas, coisas que continuam a valer mesmo que nos recordemos pouco ou nada do livro lido na juventude.

Relendo o livro na idade madura, acontece reencontrar aquelas constantes que já fazem parte de nossos mecanismos interiores e cuja origem havíamos esquecido. Existe uma força particular da obra que consegue fazer-se esquecer enquanto tal, mas que deixa sua semente.

A definição que dela podemos dar então será:

3 - Os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobvras da memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual.

Por isso, deveria existir um tempo na vida adulta dedicado a revisitar as leituras mais importantes da juventude. Se os livros permaneceram os mesmos (mas também eles mudam, à luz de uma perspectiva histórica diferente), nós com certeza mudamos, e o encontro é um acontecimento totalmente novo.

Portanto, usar o verbo ler ou o verbo reler não tem muita importância. De fato, poderíamos dizer:

4 - Toda releitura de um clássico é uma leitura de descoberta como a primeira.

5 - Toda primeria leitura de um clássico é na realidade uma releitura.

A definição 4 pode ser considerada corolário desta:

6 - Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer.

Ao passo que a definição 5 remete para uma formulação mais explicativa, como:

7 - Os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem ou nos costumes).

Isso vale tanto para os clásicos antigos quanto para os modernos. Se leio a Odisséia, leio o texto de Homero, mas não posso esquecer tudo aquilo que as aventuras de Ulisses passaram a significar durante os séculos e não posso deixar de perguntar-me se tais significados estavam implícitos no texto ou se são incrustações, deformações ou dilatações.

Lendo Kafka, não posso deixar de comprovar ou de rechaçar a legitimidade do adjetivo kafkiano, que costumamos ouvir a cada quinze minutos, aplicado dentro e fora de contexto. Se leio Pais e Filhos de Turgueniev ou Os Possuídos de Dostoievski não posso deixar de pensar em como essas personagens continuaram a reencarnar-se até nossos dias.

A leitura de um clássico deve oferecer-nos alguma surpresa em relação à imagem que dele tinhamos. Por isso, nunca será demais recomendar a leitura direta dos textos originais, evitando o mais possível a bibliografia crítica, comentários, intepretações. A escola e a universidade deveriam servir para fazer entender que nenhum livro que fala de outro livro diz mais sobre o livro em questão; mas fazem de tudo para que se acredite no contrário.

Existe uma inversão de valores muito difundida segundo a qual a introdução, o instrumental crítico, a bibliografia são usados como cortina de fumaça para esconder aquilo que o texto tem a dizer e que só pode dizer se o deixarmos falar sem intermediários que pretendam saber mais do que ele.
Podemos concluir que:

8 - Um clássico é uma obra que provoca incessantemente uma nuvem de discursos críticos sobre si, mas continuamente as repele para longe.

O clássico não necessariamente nos ensina algo que não sabíamos; às vezes descobrimos nele algo que sempre soubéramos (ou acreditávamos saber) mas desconhecíamos que ele o dissera primeiro (ou que de algum modo se liga a ele de maneira particular). E mesmo esta é uma surpresa que dá muita satisfação, como sempre dá a descoberta de um origem, de uma relação, de uma pertinência.

De tudo isso poderíamos derivar uma definição do tipo:

9 - Os clássicos são livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer, quando são lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inéditos.

Naturalmente isso ocorre quando um clássico "funciona" como tal, isto é, estabelece uma relação pesoal com quem o lê. Se a centelha não se dá, nada feito: s clássicos não são lidos por dever ou por respeito mas só por amor.

Exceto na escola: a escola deve fazer com que você conheça bem ou mal um certo número de clássicos dentre os quais (ou em relação aos quais) você poderá depois reconhecer os "seus" clássicos. A escola é obrigada a dar-lhe instrumentos para efetuar uma opção: mas as escolhas que contam são aquelas que ocorrem fora e depois de cada escola.

É só nas leituras desinteressadas que pode acontecer deparar-se com aquele que se torna o "seu" livro. Conheço um excelente historiador da arte, homem de inúmeras leituras e que, dentre todos os livros, concentrou sua preferência mais profunda no Documentos de Pick Wick e a propósito de tudo cita passagens provocantes do livro de Dickens e associa cada fato da vida com episódios pickwickianos. Pouco a pouco ele próprio, o universo, a verdadeira filosofia tomaram a forma do Documentos de Pickwick numa identificação absoluta.

Por esta via, chegamos a uma idéia de clássico muito elevada e exigente:

10 - Chama-se de clássico um livro que se configura como equivalente do universo, à semelhança dos antigos talismãs.

Com esta definição nos aproximamos da idéia de livro total, como sonhava Mallarmé. Mas um clássico pode estabelecer uma relação igualmente forte de oposição, de antítese. Tudo aquilo que Jean-Jacques Rousseau pensa e faz me agrada, mas tudo me instpira um irresistível desejo de contradizê-lo, de criticá-lo, de brigar com ele. Aí pesa a sua antipatia particular num plano temperamental, mas por isso seria melhor que o deixasse de lado; contudo não posso deixar de incluí-lo entre os meus autores.

Direi, portanto:

11 - O "seu" clássico é aquele que não pode ser-lhe indiferente e que serve para definir a você próprio em relação e talvez em contraste com ele.

Creio não ter necessidade de justificar-me se uso o termo clássico sem fazer distinções de antiguidade, de estilo, de autoridade. (Para a história de todas essas acepções do termo, consulte-se o exaustivo verbete "Clássico" de Franco Fortini na Enciclopédia Einaudi, vol. III).

Aquilo que distingue o clássico no discurso que estou fazendo talvez seja só um efeito de ressonância que vale tanto para um obra antiga quanto para uma moderna mas já com um lugar próprio numa continuidade cultural.

Poderíamos dizer:

12 - Um clássico é um livro que vem antes de outros clássicos; mas quem leu antes os outros e depois lê aquele, reconhece logo o seu lugar na genealogia.

A esta altura, não posso mais adiar o problema decisivo de como relacionar a leitura dos clássicos com todas as outras leituras que não sejam clássicas. Problema que se articula com perguntas como: "Por que ler os clássicos em vez de concentrar-nos em leituras que nos façam entender mais a fundo o nosso tempo?" e "Onde encontrar o tempo e a comodidade da mente para ler clássicos, esmagados que somos pela avalanche de papel impresso da atualidade?".

É claro aque se pode formular a hipótese de uma pessoa ffeliz que dedique o "tempo-leitura" de seus dias exclusivamente a ler Lucrécio, Luciano, Montaigne, Erasmo, Quevedo, Marlowe, o Discours de la méthode, Wilhem Meister, Coleridge, ruskin, Proust e Valéry, com algumas divagações para Murasaki ou para as sagas islandesas.

Tudo isso sem ter de fazer resenhas do último livro lançado nem publicações para o concurso de cátedra e nem trabalhos editoriasi sob contrato com prazos impossíveis. Essa pessoa bem-aventurada, para manter sua diata sem nenhuma contaminação, deveria abster-se de ler os jornais, não se deixar tentar nunca apelo último romance nem pela última pesquisa sociológica.

Seria preciso verificar quanto um rigor semelhante poderia ser justo e profícuo. O dia de hoje pode ser banal e mortificante, mas é sempre um ponto em que nos situamos para olhar para a frente ou para trás. Para poder ler os clássicos, temos de definir "de onde" eles estão sendo lidos, caso contrário tanto o livro quanto o leitor se perdem numa nuvem atemporal.

Assim, o rendimento máximo da leitura dos clássicos advém para aquele que sabe alaterná-la com a leitura de atualidades numa sábia dosagem. E isso não presume necessariamente uma equilibrada calma interior: pode ser também o fruto de um nervosismo impaciente, de uma insatisfação trepidante.

Talvez o ideal fosse captar a atualidade como o rumor do lado de fora da janela, que nos adverte dos engarrafamentos do trânsito e das mudanças do tempo, enquanto companhamos o discurso dos clássicos, que soa claro e articulado no interior da casa. Mas já é suficiente que a maioria perceba a presença dos clássicos como um reboar distante, fora do espaço invadido pelas atualidades como pela televisão a todo volume.

Acrescentemos então:

13 - É clássico aquilo que tende a relegar as atualidades à posição de barulho de fundo, mas ao mesmo tempo não pode prescindir desse barulho de fundo.

14 - É clássico aquilo que persiste como rumor mesmo onde predomina a atualidade mais incompatível.

Resta o fato de que ler os clássicos parece estar em contradição com nosso ritmo de vida, que não conhece os tempos longos, o respiro do otium humanista; e também em contradição com o ecletismo da nossa cultura, que jamais saberia redigir um catálogo do classissismo que nos interessa.

Eram as condições que se realizavam plenamente para Leopardi, dada a sua vida no solar paterno, o culto da antiguidade grega e latina e a formidável biblioteca doada pelo pai Monaldo, incluindo a literatura italiana completa, mas a francesa, com exclusão dos romances e em geral das novidades editoriais, relegadas no máximo a um papel secundário, para conforto da irmã ("o teu Stendhal", escrevia a Paolina).

Mesmo suas enormes curiosidades científicas e históricas, Giacomo as satisfazia com textos que não eram nunca demasiado up-to-date: os costumes dos pássaros de Buffon, as múmias de federico Ruysch em Fontenelle, a viagem de Colombo em Robertson.Hoje, uma educação clássica como a do jovem Leopardi é impensável, e sobretudo a biblioteca do conde Monaldo, explodiu.

Os velhos títulos foram dizimados, mas os novos se multiplicaram, proliferando em todas as literaturas e culturas modernas. Só nos resta inventar para cada um de nós uma biblioteca ideal de nossos clássicos; e diria que ela deveria incluir uma metade de livros que já lemos e que contaram para nós, e outra de livros que pretendemos ler e pressupomos possam vir a contar.

Separando uma seção a ser preenchida pelas surpresas, as descobertas ocasionais.Verifico que Leopardi é o único nome da literatura italiana que citei. Efeito da explosão da biblioteca. Agora deveria reescrever todo o artigo, deixando bem claro que os clássicos servem para entender quem somos e aonde chegamos e por isso os italianos são indispensáveis justamente para serem confrontados com os estrangeiros, e os estrangeiros são indispensáveis exatamente para serem confrontados com os italianos.

Depois deveria reescrevê-lo ainda uma vez para que não se pense que os clássicos devem ser lidos porque "servem" para qualquer coisa. A única razão que se pode apresentar é que ler os clássicos é melhor do que não ler os clássicos.

E se alguém objetar que não vale a pena tanto esforço, citarei Cioran (não um clássico, pelo menos por enquanto, mas um pensador contemporâneo que só agora começa a ser traduzido na Itália): "Enquanto era preparada a cicuta, Sócrates estava aprendendo uma ária com a flauta. 'Para que lhe servirá?', perguntaram-lhe. 'Para aprender esta ária antes de morrer'".

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Guia para aplicação do código de ética

GUIA DO PROFISSIONAL DA ARQUITETURA PARA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE ÉTICA

1º - Interessar-se pelo bem público e com tal finalidade contribuir com seus conhecimentos, capacidade e experiência para melhor servir à humanidade.

Em conexão com o cumprimento deste artigo, deve o profissional:

a - Cooperar para o progresso da coletividade, trazendo seu concurso intelectual e material para as obras de cultura, ilustração técnica, ciência aplicada e investigação científica.

b - Despender o máximo de seus esforços no sentido de auxiliar a coletividade na compreensão correta dos aspectos técnicos e assuntos relativos à profissão e seu exercício.


c - Não se expressar publicamente sobre os assuntos técnicos sem estar devidamente capacitado para tal e, quando solicitado a emitir sua opinião, somente fazê-lo com conhecimento da finalidade da solicitação e se em benefício da coletividade.

2º - Considerar a profissão como alto título de honra e não praticar nem permitir a prática de atos que comprometam a sua dignidade.

Em conexão com o cumprimento deste artigo, deve o profissional:

a - Cooperar para o progresso da profissão, mediante o intercâmbio de informações sobre os seus conhecimentos e tirocínio, e contribuição de trabalho às associações de classe, escolas e órgãos de divulgação técnica e científica.

b - Prestigiar as Entidades de Classe, contribuindo, sempre que solicitado, para o sucesso das suas iniciativas em proveito da profissão, dos profissionais e da coletividade.

c - Não nomear nem contribuir para que se nomeiem pessoas que não tenham a necessária habilitação profissional para cargos rigorosamente técnicos.

d - Não se associar a qualquer empreendimento de caráter duvidoso ou que não se coadune com os princípios da ética.

e - Não aceitar tarefas para as quais não esteja preparado ou que não se ajustem às disposições vigentes, ou ainda que possam prestar-se a malícia ou dolo.

f - Não subscrever, não expedir, nem contribuir para que se expeçam títulos, diplomas, licenças ou atestados de idoneidade profissional, senão a pessoas que preencham os requisitos indispensáveis para exercer a profissão.

g - Realizar de maneira digna a publicidade que efetue de sua empresa ou atividade profissional, impedindo toda e qualquer manifestação que possa comprometer o conceito da sua profissão ou de colegas.

h - Não utilizar sua posição para obter vantagens pessoais, quando ocupar um cargo ou função em organização profissional.

3º - Não cometer ou contribuir para que se cometam injustiças contra colegas.

Em conexão com o cumprimento deste artigo, deve o profissional:

a - Não prejudicar, de maneira falsa ou maliciosa, direta ou indiretamente, a reputação, a situação ou atividade de um colega.

b - Não criticar de maneira desleal os trabalhos de outro profissional ou as determinações do que tenha atribuições superiores.

c - Não se interpor entre outros profissionais e seus clientes sem ser solicitada sua intervenção e, neste caso, evitar, na medida do possível, que se cometa injustiça.

4º - Não praticar qualquer ato que, direta ou indiretamente, possa prejudicar legítimos interesses de outros profissionais.

Em conexão com o cumprimento deste artigo, deve o profissional:

a - Não se aproveitar nem concorrer para que se aproveitem de idéias, planos ou projetos de autoria de outros profissionais, sem a necessária citação ou autorização expressa.

b - Não injuriar outro profissional, nem criticar de maneira desprimorosa sua atuação ou a de entidade de classe.

c - Não substituir profissional em trabalho já iniciado, sem seu conhecimento prévio.

d - Não solicitar nem pleitear cargo desempenhado por outro profissional.

e - Não procurar suplantar outro profissional depois de ter este tomado providências para a obtenção de emprego ou serviço.

f - Não tentar obter emprego ou serviço à base de menores salários ou honorários, nem pelo desmerecimento da capacidade alheia.

g - Não rever ou corrigir o trabalho de outro profissional, salvo com o consentimento deste e sempre após o término de suas funções.

h - Não intervir num projeto em detrimento de outros profissionais que já tenham atuado ativamente em sua elaboração, tendo presentes os preceitos legais vigentes.

5º - Não solicitar nem submeter propostas contendo condições que constituam competição de preços por serviços profissionais.

Em conexão com o cumprimento deste artigo, deve o profissional:

a - Não competir por meio de reduções de remuneração ou qualquer outra forma de concessão.

b - Não propor serviços por redução de preços, após haver conhecido propostas de outros profissionais.

c - Manter-se atualizado quanto a tabelas de honorários, salários e dados de custo recomendados pelos Órgãos de Classe competentes e adotá-los como base para serviços profissionais.

6º - Atuar dentro da melhor técnica e do mais elevado espírito público, devendo quando Consultor, limitar seus pareceres às matérias específicas que tenham sido objeto da consulta.

Em conexão com o cumprimento deste artigo, deve o profissional:

a - Na qualidade de consultor, perito ou árbitro independente, agir com absoluta imparcialidade e não levar em conta nenhuma consideração de ordem pessoal.

b - Quando servir em julgamento, perícia ou comissão técnica, somente expressar a sua opinião se baseada em conhecimentos adequados e convicção honesta.

c - Não atuar como consultor sem o conhecimento dos profissionais encarregados diretamente dos serviços.

d - Se atuar como consultor em outro país, observar as normas nele vigentes sobre conduta profissional.

e - Por serviços prestados em outro país, não utilizar nenhum processo de promoção, publicidade ou divulgação diverso do que for admitido pelas normas do referido país.

7º - Exercer o trabalho profissional com lealdade, dedicação e honestidade para com seus clientes e empregadores ou chefes, e com o espírito de justiça e eqüidade para com os contratantes e empreiteiros.

Em conexão com o cumprimento deste artigo, deve o profissional:

a - Considerar como confidencial toda informação técnica, financeira ou de outra natureza, que obtenha sobre os interesses de seu cliente ou empregador.

b - Receber somente de uma única fonte honorários ou compensações pelo mesmo serviço prestado, salvo se, para proceder de modo diverso, tiver havido consentimento de todas as partes interessadas.

c - Não receber de empreiteiros, fornecedores ou de entidades relacionadas com a transação em causa, comissões, descontos, serviços ou outro favorecimento, nem apresentar qualquer proposta nesse sentido.

d - Prevenir seu empregador, colega interessado ou cliente das conseqüências que possam advir do não acolhimento de parecer ou projeto de sua autoria.

e - Não praticar quaisquer atos que possam comprometer a confiança que lhe é depositada pelo seu cliente ou empregador.

8º - Ter sempre em vista o bem-estar e o progresso funcional dos seus empregados ou subordinados e tratá-los com retidão, justiça e humanidade.

Em conexão com o cumprimento deste artigo, deve o profissional:

a - Facilitar e estimular a atividade funcional de seus empregados, não criando obstáculos aos seus anseios de promoção e melhoria.

b - Defender o princípio de fixar para seus subordinados ou empregados, sem distinção, salários adequados à responsabilidade, à eficiência e ao grau de perfeição do serviço que executam.

c - Reconhecer e respeitar os direitos de seus empregados ou subordinados no que concerne às liberdades civis, individuais, políticas, religiosas, de pensamento e de associação.

d - Não utilizar sua condição de empregador ou chefe para desrespeitar a dignidade de subordinado seu, nem para induzir um profissional a infringir qualquer dispositivo deste Código.

9º - Colocar-se a par da legislação que rege o exercício profissional da Engenharia, da Arquitetura e da Agronomia, visando a cumpri-la corretamente e colaborar para sua atualização e aperfeiçoamento.

Em conexão com o cumprimento deste artigo, deve o profissional:

a - Manter-se em dia com a legislação vigente e procurar difundi-la, afim de que seja prestigiado e defendido o legítimo exercício da profissão.

b - Procurar colaborar com os órgãos incumbidos da aplicação da lei de regulamentação do exercício profissional e promover, pelo seu voto nas entidades de classe, a melhor composição daqueles órgãos.

c - Ter sempre presente que as infrações deste Código de Ética serão julgadas pelas Câmaras Especializadas instituídas nos Conselhos Regionais de Engenharia, Arquitetura e Agronomia - CREAs - cabendo recurso para os referidos Conselhos Regionais e, em última instância, para o CONFEA - Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia - conforme dispõe a legislação vigente.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Código de Ética do Arquiteto

O assunto predominante do mês de novembro foi a Ética. E a razão disto é clara e evidente. Basta olhar como estamos terminando o ano e fazer uma retrospectiva de tudo o que aconteceu no cenário nacional e regional.

Quando os valores que regem as relações humanas são transgredidos descaradamente em prol de interesses nada transparentes, torna-se necessário visitar e revisitar este tema. Então, para fechar a série sobre ética trago agora o código de ética da profissão de arquiteto.

Quando outras bandeiras institucionais já não são suficientes para manter o equilíbrio entre as relações humanas e profissionais, temos que lembrar, sempre, que diante de um signo maior deveremos, mais cedo, ou mais tarde, prestar contas.

Então vamos lá:

CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO ARQUITETO
Instituído pela Resolução nº 205 de 30 de setembro de 1971, emanada do CONFEA, na forma prevista na letra "n" do artigo 27 da Lei nº 5.194, de 24 de dezembro de 1966.

SÃO DEVERES DOS PROFISSIONAIS DA ARQUITETURA:

1º - Interessar-se pelo bem público e com tal finalidade contribuir com seus conhecimentos, capacidade e experiência para melhor servir à humanidade.

2º - Considerar a profissão como alto título de honra e não praticar nem permitir a prática de atos que comprometam a sua dignidade.

3º - Não cometer ou contribuir para que se cometam injustiças contra colegas.

4º - Não praticar qualquer ato que, direta ou indiretamente, possa prejudicar legítimos interesses de outros profissionais.

5º - Não solicitar nem submeter propostas contendo condições que constituam competição de preços por serviços profissionais.

- Atuar dentro da melhor técnica e do mais elevado espírito público, devendo, quando Consultor, limitar seus pareceres às matérias específicas que tenham sido objeto da consulta.

7º - Exercer o trabalho profissional com lealdade, dedicação e honestidade para com seus clientes e empregadores e chefes, e com o espírito de justiça e eqüidade para com os contratantes e empreiteiros.

8º - Ter sempre em vista o bem-estar e o progresso funcional dos seus empregados ou subordinados e tratá-los com retidão, justiça e humanidade.


9º - Colocar-se a par da legislação que rege o exercício profissional da Engenharia, da Arquitetura e da Agronomia, visando a cumpri-la corretamente e colaborar para sua atualização e aperfeiçoamento.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Roda Viva

Chico Burque

Tem dias que a gente se sente
Como quem partiu ou morreu
A gente estancou de repente
Ou foi o mundo então que cresceu...

A gente quer ter voz ativa
No nosso destino mandar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega o destino prá lá...

Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...

A gente vai contra a corrente
Até não poder resistir
Na volta do barco é que sente
O quanto deixou de cumprir
Faz tempo que a gente cultiva
A mais linda roseira que há
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a roseira prá lá...

Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...

A roda da saia mulata
Não quer mais rodar não senhor
Não posso fazer serenata
A roda de samba acabou...

A gente toma a iniciativa
Viola na rua a cantar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a viola prá lá...

Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...

O samba, a viola, a roseira
Que um dia a fogueira queimou
Foi tudo ilusão passageira
Que a brisa primeira levou...

No peito a saudade cativa
Faz força pro tempo parar
Mas eis que chega a roda viva
E carrega a saudade prá lá...

Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração...(4x)

domingo, 16 de novembro de 2008

Canção da despedida

Geraldo Vandré

Já vou embora, mas sei que vou voltar
Amor não chora, se eu volto é pra ficar
Amor não chora, que a hora é de deixar
O amor de agora, pra sempre ele ficar
Eu quis ficar aqui, mas não podia
O meu caminho a ti, não conduzia
Um rei mal coroado,
Não queria
O amor em seu reinado
Pois sabia
Não ia ser amado
Amor não chora, eu volto um dia
O rei velho e cansado já morria
Perdido em seu reinado
Sem Maria
Quando eu me despedia
No meu canto lhe dizia
Já vou embora, mas sei que vou voltar
Amor não chora, se eu volto é pra ficar
Amor não chora, que a hora é de deixar
O amor de agora, pra sempre ele ficar

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

As cidades invisíveis

Italo Calvino

O viajante veneziano Marco Polo descreve para o imperador Kublai Khan as cidades que visitara. O desejo de Khan é montar o império perfeito a partir dos relatos que ouve. São lugares imaginários, sempre com nome de mulher Pentesiléia, Cecília, Leônia. Os relatos curtos são agrupados por blocos: as cidades e a memória, as cidades delgadas, as cidades e as trocas, as cidades e os mortos, as cidades e o céu.

Síntese

No século 13, após uma viagem que teria durado 30 meses, o mercador veneziano Marco Polo chegou às portas do Extremo Oriente e conheceu a capital do imenso império de Kublai Khan: Cambaluc, atual Pequim. Lá o jovem Marco permaneceu por 17 anos, desempenhando importantes funções diplomáticas na corte do Grande Khan. Isso é o que está registrado nos compêndios de história.

Em As Cidades Invisíveis (1972), Italo Calvino extrapola os fatos possíveis e imagina um diálogo fantástico entre "o maior viajante de todos os tempos" e o famoso imperador dos tártaros. Melancólico por não poder ver com os próprios olhos toda a extensão dos seus domínios, Kublai Khan faz de Marco Polo o seu telescópio, o instrumento que irá franquear-lhe as maravilhas de seu império.

Polo então começa a descrever minuciosamente 55 cidades por onde teria passado, agrupadas numa série de 11 temas: "as cidades e a memória", "as cidades e o céu", "as cidades e o mortos" etc. As visões, projetadas numa rigorosa arte combinatória, bebem de muitas fontes, desde as Mil e Uma Noites até as megalópoles que vemos no cinema. O resultado é um livro extraordinário e indefinível.

Em nenhuma outra obra Italo Calvino levou tão longe os valores que considerava fundamentais à sobrevivência da "espécie literária": leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência. O leitor verá que é impossível não se perder nessas cidades, como é impossível não se enredar nessas teias de palavras.

Trechos do livro
Capítulo 1

Não se sabe se Kublai Khan acredita em tudo o que diz Marco Polo quando este lhe descreve as cidades visitadas em suas missões diplomáticas, mas o imperador dos tártaros certamente continua a ouvir o jovem veneziano com maior curiosidade e atenção do que a qualquer outro de seus enviados ou exploradores.

Existe um momento na vida dos imperadores que se segue ao orgulho pela imensa amplitude dos territórios que conquistamos, à melancolia e ao alívio de saber que em breve desistiremos de conhecê-los e compreendê-los, uma sensação de vazio que surge ao calar da noite com o odor dos elefantes após a chuva e das cinzas de sândalo que se resfriam nos braseiros, uma vertigem que faz estremecer os rios e as montanhas historiadas nos fulvos dorsos dos planisférios, enrolando um depois do outro os despachos que anunciam o aniquilamento dos últimos exércitos inimigos de derrota em derrota, e abrindo o lacre dos sinetes de reis dos quais nunca se ouviu falar e que imploram a proteção das nossas armadas avançadas em troca de impostos anuais de metais preciosos, peles curtidas e cascos de tartarugas: é o desesperado momento em que se descobre que este império, que nos parecia a soma de todas as maravilhas, é um esfacelo sem fim e sem forma, que a sua corrupção é gangrenosa demais para ser remediada pelo nosso cetro, que o triunfo sobre os soberanos adversários nos fez herdeiros de suas prolongadas ruínas. Somente nos relatórios de Marco Polo, Kublai Khan conseguia discernir, através das muralhas e das torres destinadas a desmoronar, a filigrana de um desenho tão fino ao ponto de evitar as mordidas dos cupins.

As cidades e a memória - 1

Partindo dali e caminhando por três dias em direção ao levante, encontra-se Diomira, cidade com sessenta cúpulas de prata, estátuas de bronze de todos os deuses, ruas lajeadas de estanho, um teatro de cristal, um galo de ouro que canta todas as manhãs no alto de uma torre. Todas essas belezas o viajante já conhece por tê-las visto em outras cidades. Mas a peculiaridade desta é que quem chega numa noite de setembro, quando os dias se tornam mais curtos e as lâmpadas multicoloridas se acendem juntas nas portas das tabernas, e de um terraço ouve-se a voz de uma mulher que grita: uh!, é levado a invejar aqueles que imaginam ter vivido uma noite igual a esta e que na ocasião se sentiram felizes.

As cidades e a memória - 2

O homem que cavalga longamente por terrenos selváticos sente o desejo de uma cidade. Finalmente, chega a Isidora, cidade onde os palácios têm escadas em caracol incrustadas de caracóis marinhos, onde se fabricam à perfeição binóculos e violinos, onde quando um estrangeiro está incerto entre duas mulheres sempre encontra uma terceira, onde as brigas de galo se degeneram em lutas sanguinosas entre os apostadores. Ele pensava em todas essas coisas quando desejava uma cidade. Isidora, portanto, é a cidade de seus sonhos: com uma diferença. A cidade sonhada o possuía jovem; em Isidora, chega em idade avançada. Na praça, há o murinho dos velhos que vêem a juventude passar; ele está sentado ao lado deles. Os desejos agora são recordações.

As cidades e o desejo - 1

Da cidade de Dorotéia, pode-se falar de duas maneiras: dizer que quatro torres de alumínio erguem-se de suas muralhas flanqueando sete portas com pontes levadiças que transpõem o fosso cuja água verde alimenta quatro canais que atravessam a cidade e a dividem em nove bairros, cada qual com trezentas casas e setecentas chaminés; e, levando-se em conta que as moças núbeis de um bairro se casam com jovens dos outros bairros e que as suas famílias trocam as mercadorias exclusivas que possuem: bergamotas, ovas de esturjão, astrolábios, ametistas, fazer cálculos a partir desses dados até obter todas as informações a respeito da cidade no passado no presente no futuro; ou então dizer, como fez o cameleiro que me conduziu até ali: "Cheguei aqui na minha juventude, uma manhã; muita gente caminhava rapidamente pelas ruas em direção ao mercado, as mulheres tinham lindos dentes e olhavam nos olhos, três soldados tocavam clarim num palco, em todos os lugares ali em torno rodas giravam e desfraldavam-se escritas coloridas. Antes disso, não conhecia nada além do deserto e das trilhas das caravanas. Aquela manhã em Dorotéia senti que não havia bem que não pudesse esperar da vida. Nos anos seguintes meus olhos voltaram a contemplar as extensões do deserto e as trilhas das caravanas; mas agora sei que esta é apenas uma das muitas estradas que naquela manhã se abriam para mim em Dorotéia".

As cidades e a memória - 3

Inutilmente, magnânimo Kublai, tentarei descrever a cidade de Zaíra dos altos bastiões. Poderia falar de quantos degraus são feitas as ruas em forma de escada, da circunferência dos arcos dos pórticos, de quais lâminas de zinco são recobertos os tetos; mas sei que seria o mesmo que não dizer nada. A cidade não é feita disso, mas das relações entre as medidas de seu espaço e os acontecimentos do passado: a distância do solo até um lampião e os pés pendentes de um usurpador enforcado; o fio esticado do lampião à balaustrada em frente e os festões que empavesavam o percurso do cortejo nupcial da rainha; a altura daquela balaustrada e o salto do adúltero que foge de madrugada; a inclinação de um canal que escoa a água das chuvas e o passo majestoso de um gato que se introduz numa janela; a linha de tiro da canhoneira que surge inesperadamente atrás do cabo e a bomba que destrói o canal; os rasgos nas redes de pesca e os três velhos remendando as redes que, sentados no molhe, contam pela milésima vez a história da canhoneira do usurpador, que dizem ser o filho ilegítimo da rainha, abandonado de cueiro ali sobre o molhe.

A cidade se embebe como uma esponja dessa onda que reflui das recordações e se dilata. Uma descrição de Zaíra como é atualmente deveria conter todo o passado de Zaíra. Mas a cidade não conta o seu passado, ela o contém como as linhas da mão, escrito nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimãos das escadas, nas antenas dos pára-raios, nos mastros das bandeiras, cada segmento riscado por arranhões, serradelas, entalhes, esfoladuras.

As cidades e o desejo - 2

A três dias de distância, caminhando em direção ao sul, encontra-se Anastácia, cidade banhada por canais concêntricos e sobrevoada por pipas. Eu deveria enumerar as mercadorias que aqui se compram a preços vantajosos: ágata ônix crisópraso e outras variedades de calcedônia; deveria louvar a carne do faisão dourado que aqui se cozinha na lenha seca da cerejeira e se salpica com muito orégano; falar das mulheres que vi tomar banho no tanque de um jardim e que às vezes convidam - diz-se - o viajante a despir-se com elas e persegui-las dentro da água. Mas com essas notícias não falaria da verdadeira essência da cidade: porque, enquanto a descrição de Anastácia desperta uma série de desejos que deverão ser reprimidos, quem se encontra uma manhã no centro de Anastácia será circundado por desejos que se despertam simultaneamente.

A cidade aparece como um todo no qual nenhum desejo é desperdiçado e do qual você faz parte, e, uma vez que aqui se goza tudo o que não se goza em outros lugares, não resta nada além de residir nesse desejo e se satisfazer. Anastácia, cidade enganosa, tem um poder, que às vezes se diz maligno e outras vezes benigno: se você trabalha oito horas por dia como minerador de ágatas ônix crisóprasos, a fadiga que dá forma aos seus desejos toma dos desejos a sua forma, e você acha que está se divertindo em Anastácia quando não passa de seu escravo.

As cidades e os símbolos - 1

Caminha-se por vários dias entre árvores e pedras. Raramente o olhar se fixa numa coisa, e, quando isso acontece, ela é reconhecida pelo símbolo de alguma outra coisa: a pegada na areia indica a passagem de um tigre; o pântano anuncia uma veia de água; a flor do hibisco, o fim do inverno. O resto é mudo e intercambiável - árvores e pedras são apenas aquilo que são.

Finalmente, a viagem conduz à cidade de Tamara. Penetra-se por ruas cheias de placas que pendem das paredes. Os olhos não vêem coisas mas figuras de coisas que significam outras coisas: o torquês indica a casa do tira-dentes; o jarro, a taberna; as alabardas, o corpo de guarda; a balança, a quitanda. Estátuas e escudos reproduzem imagens de leões delfins torres estrelas: símbolo de que alguma coisa - sabe-se lá o quê - tem como símbolo um leão ou delfim ou torre ou estrela. Outros símbolos advertem aquilo que é proibido em algum lugar - entrar na viela com carroças, urinar atrás do quiosque, pescar com vara na ponte --e aquilo que é permitido-- dar de beber às zebras, jogar bocha, incinerar o cadáver dos parentes. Na porta dos templos, vêem-se as estátuas dos deuses, cada qual representado com seus atributos: a cornucópia, a ampulheta, a medusa, pelos quais os fiéis podem reconhecê-los e dirigir-lhes a oração adequada.

Se um edifício não contém nenhuma insígnia ou figura, a sua forma e o lugar que ocupa na organização da cidade bastam para indicar a sua função: o palácio real, a prisão, a casa da moeda, a escola pitagórica, o bordel. Mesmo as mercadorias que os vendedores expõem em suas bancas valem não por si próprias mas como símbolos de outras coisas: a tira bordada para a testa significa elegância; a liteira dourada, poder; os volumes de Averróis, sabedoria; a pulseira para o tornozelo, voluptuosidade. O olhar percorre as ruas como se fossem páginas escritas: a cidade diz tudo o que você deve pensar, faz você repetir o discurso, e, enquanto você acredita estar visitando Tamara, não faz nada além de registrar os nomes com os quais ela define a si própria e todas as suas partes.

Como é realmente a cidade sob esse carregado invólucro de símbolos, o que contém e o que esconde, ao se sair de Tamara é impossível saber. Do lado de fora, a terra estende-se vazia até o horizonte, abre-se o céu onde correm as nuvens. Nas formas que o acaso e o vento dão às nuvens, o homem se propõe a reconhecer figuras: veleiro, mão, elefante...

As cidades e a memória - 4

Ao se transporem seis rios e três cadeias de montanhas, surge Zora, cidade que quem viu uma vez nunca mais consegue esquecer. Mas não porque deixe, como outras cidades memoráveis, uma imagem extraordinária nas recordações. Zora tem a propriedade de permanecer na memória ponto por ponto, na sucessão das ruas e das casas ao longo das ruas e das portas e janelas das casas, apesar de não demonstrar particular beleza ou raridade. O seu segredo é o modo pelo qual o olhar percorre as figuras que se sucedem como uma partitura musical da qual não se pode modificar ou deslocar nenhuma nota.

Quem sabe de cor como é feita Zora, à noite, quando não consegue dormir, imagina caminhar por suas ruas e recorda a seqüência em que se sucedem o relógio de ramos, a tenda listrada do barbeiro, o esguicho de nove borrifos, a torre de vidro do astrônomo, o quiosque do vendedor de melancias, a estátua do eremita e do leão, o banho turco, o café da esquina, a travessa que leva ao porto.

Essa cidade que não se elimina da cabeça é como uma armadura ou um retículo em cujos espaços cada um pode colocar as coisas que deseja recordar: nomes de homens ilustres, virtudes, números, classificações vegetais e minerais, datas de batalhas, constelações, partes do discurso. Entre cada noção e cada ponto do itinerário pode-se estabelecer uma relação de afinidades ou de contrastes que sirva de evocação à memória. De modo que os homens mais sábios do mundo são os que conhecem Zora de cor.

Mas foi inútil a minha viagem para visitar a cidade: obrigada a permanecer imóvel e imutável para facilitar a memorização, Zora definhou, desfez-se e sumiu. Foi esquecida pelo mundo.

As cidades e o desejo - 3

Há duas maneiras de se alcançar Despina: de navio ou de camelo. A cidade se apresenta de forma diferente para quem chega por terra ou por mar.

O cameleiro que vê despontar no horizonte do planalto os pináculos dos arranha-céus, as antenas de radar, os sobressaltos das birutas brancas e vermelhas, a fumaça das chaminés, imagina um navio; sabe que é uma cidade, mas a imagina como uma embarcação que pode afastá-lo do deserto, um veleiro que esteja para zarpar, com o vento que enche as suas velas ainda não completamente soltas, ou um navio a vapor com a caldeira que vibra na carena de ferro, e imagina todos os portos, as mercadorias ultramarinas que os guindastes descarregam nos cais, as tabernas em que tripulações de diferentes bandeiras quebram garrafas na cabeça umas das outras, as janelas térreas iluminadas, cada uma com uma mulher que se penteia.

Na neblina costeira, o marinheiro distingue a forma da corcunda de um camelo, de uma sela bordada de franjas refulgentes entre duas corcundas malhadas que avançam balançando; sabe que é uma cidade, mas a imagina como um camelo de cuja albarda pendem odres e alforjes de fruta cristalizada, vinho de tâmaras, folhas de tabaco, e vê-se ao comando de uma longa caravana que o afasta do deserto do mar rumo a um oásis de água doce à sombra cerrada das palmeiras, rumo a palácios de espessas paredes caiadas, de pátios azulejados onde as bailarinas dançam descalças e movem os braços para dentro e para fora do véu.

Cada cidade recebe a forma do deserto a que se opõe; é assim que o cameleiro e o marinheiro vêem Despina, cidade de confim entre dois desertos.

As cidades e os símbolos - 2

Da cidade de Zirma, os viajantes retornam com memórias bastante diferentes: um negro cego que grita na multidão, um louco debruçado na cornija de um arranha-céu, uma moça que passeia com um puma na coleira. Na realidade, muitos dos cegos que batem as bengalas nas calçadas de Zirma são negros, em cada arranha-céu há alguém que enlouquece, todos os loucos passam horas nas cornijas, não há puma que não seja criado pelo capricho de uma moça. A cidade é redundante: repete-se para fixar alguma imagem na mente.

Também retorno de Zirma: minha memória contém dirigíveis que voam em todas as direções à altura das janelas, ruas de lojas em que se desenham tatuagens na pele dos marinheiros, trens subterrâneos apinhados de mulheres obesas entregues ao mormaço. Meus companheiros de viagem, por sua vez, juram ter visto somente um dirigível flutuar entre os pináculos da cidade, somente um tatuador dispor agulhas e tintas e desenhos perfurados sobre a sua mesa, somente uma mulher-canhão ventilar-se sobre a plataforma de um vagão. A memória é redundante: repete os símbolos para que a cidade comece a existir.

As cidades delgadas - 1

Presume-se que Isaura, cidade dos mil poços, esteja situada em cima de um profundo lago subterrâneo. A cidade se estendeu exclusivamente até os lugares em que os habitantes conseguiram extrair água escavando na terra longos buracos verticais: o seu perímetro verdejante reproduz o das margens escuras do lago submerso, uma paisagem invisível condiciona a paisagem visível, tudo o que se move à luz do sol é impelido pelas ondas enclausuradas que quebram sob o céu calcário das rochas.

Em conseqüência disso, Isaura apresenta duas religiões diferentes. Os deuses da cidade, segundo alguns, vivem nas profundidades, no lago negro que nutre as veias subterrâneas. Segundo outros, os deuses vivem nos baldes que, erguidos pelas cordas, surgem nos parapeitos dos poços, nas roldanas que giram, nos alcatruzes das noras, nas alavancas das bombas, nas pás dos moinhos de vento que puxam a água das escavações, nas torres de andaimes que sustentam a perfuração das sondas, nos reservatórios suspensos por andas no alto dos edifícios, nos estreitos arcos dos aquedutos, em todas as colunas de água, tubos verticais, tranquetas, registros, até alcançar os cataventos acima dos andaimes de Isaura, cidade que se move para o alto.

Enviados para inspecionar as províncias mais remotas, os mensageiros e os arrecadadores de impostos do Grande Khan retornavam pontualmente ao palácio real de Kemenfu e aos jardins de magnólias em cuja sombra Kublai passeava enquanto ouvia os seus longos relatos. Os embaixadores eram persas armênios sírios coptas turcomanos; o imperador é aquele que é estrangeiro para cada um de seus súditos e somente por meio de olhos e ouvidos estrangeiros o império podia manifestar a sua existência para Kublai. Em línguas incompreensíveis para o Khan, os mensageiros referiam notícias ouvidas em línguas que lhes eram incompreensíveis: desse opaco espessor sonoro emergiam as cifras arrecadadas pelo fisco imperial, os nomes e os patronímicos dos funcionários depostos e decapitados, as dimensões dos canais de irrigação que os rios magros nutriam em tempos de seca. Mas, quando o relatório era feito pelo jovem veneziano, entre o imperador e ele estabelecia-se uma comunicação diferente.

Recém-chegado e ignorando completamente as línguas do Levante, Marco Polo não podia se exprimir de outra maneira senão com gestos, saltos, gritos de maravilha e de horror, latidos e vozes de animais, ou com objetos que ia extraindo dos alforjes: plumas de avestruz, zarabatanas e quartzos, que dispunha diante de si como peças de xadrez. Ao retornar das missões designadas por Kublai, o engenhoso estrangeiro improvisava pantomimas que o soberano precisava interpretar: uma cidade era assinalada pelo salto de um peixe que escapava do bico de um cormorão para cair numa rede, outra cidade por um homem nu que atravessava o fogo sem se queimar, uma terceira por um crânio que mordia entre os dentes verdes de mofo uma pérola alva e redonda. O Grande Khan decifrava os símbolos, porém a relação entre estes e os lugares visitados restava incerta: nunca sabia se Marco queria representar uma aventura ocorrida durante a viagem, uma façanha do fundador da cidade, a profecia de um astrólogo, um rébus ou uma charada para indicar um nome. Mas, fosse evidente ou obscuro, tudo o que Marco mostrava tinha o poder dos emblemas, que uma vez vistos não podem ser esquecidos ou confundidos. Na mente do Khan, o império correspondia a um deserto de dados lábeis e intercambiáveis, como grãos de areia que formavam, para cada cidade e província, as figuras evocadas pelos logogrifos do veneziano.

Com o passar das estações e das missões diplomáticas, Marco adestrou-se na língua tártara e em muitos idiomas de nações e dialetos de tribos. As suas eram as narrativas mais precisas e minuciosas que o Grande Khan podia desejar, e não havia questão ou curiosidade à qual não respondessem. Contudo, cada notícia a respeito de um lugar trazia à mente do imperador o primeiro gesto ou objeto com o qual o lugar fora apresentado por Marco. O novo dado ganhava um sentido daquele emblema e ao mesmo tempo acrescentava um novo sentido ao emblema. O império, pensou Kublai, talvez não passe de um zodíaco de fantasmas da mente.

- Quando conhecer todos os emblemas - perguntou a Marco -, conseguirei possuir o meu império, finalmente?

E o veneziano:

- Não creio: nesse dia, Vossa Alteza será um emblema entre os emblemas.

ITALO CALVINO

O escritor Italo Calvino nasceu em 1923, em Cuba, por onde seus pais, cientistas italianos, estavam de passagem. Sua infância foi em San Remo, na Itália. Em 1941, matricula-se na Faculdade de Agronomia de Turim; mas abandona os estudos ao engajar-se na Resistência Italiana contra o exército nazista. Ao final da guerra, Calvino vai morar em Turim, onde se doutora em letras com uma tese sobre Joseph Conrad.
Em 1947, lança seu primeiro livro, inspirado em sua participação na Resistência. Passa a trabalhar para o jornal comunista L'Unità e, depois, na editora Einaudi. Só a partir dos anos 1950 Calvino começaria a escrever as obras que o tornaram famoso internacionalmente. Seus primeiros grandes sucessos são O Visconde Partido ao Meio (1952), O Barão nas Árvores (1957) e O Cavaleiro Inexistente (1959).

Em 1956, Calvino se desliga do Partido Comunista. Em 1972, publica Cidades Invisíveis. Se um Viajante numa Noite de Inverno, de 1979, explora com ironia a relação do leitor com a obra literária. Palomar é de 1983. Traduzidos para inúmeras línguas, os três têm lugar de destaque no repertório da literatura pós-moderna da Europa.

Calvino morreu em 1985, consagrado como um dos mais importantes escritores italianos do século 20. Entre seus muitos outros livros incluem-se Seis Propostas para o Próximo Milênio, Amores Difíceis e O Castelo dos Destinos Cruzados.

Folha de São Paulo

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Ainda sobre Ética Profissional...

Muitos autores definem a ética profissional como sendo um conjunto de normas de conduta que deverão ser postas em prática no exercício de qualquer profissão. Seria a ação "reguladora" da ética agindo no desempenho das profissões, fazendo com que o profissional respeite seu semelhante quando no exercício da sua profissão.

A ética profissional estudaria e regularia o relacionamento do profissional com sua clientela, visando a dignidade humana e a construção do bem-estar no contexto sócio-cultural onde exerce sua profissão. Ela atinge todas as profissões e quando falamos de ética profissional estamos nos referindo ao caráter normativo e até jurídico que regulamenta determinada profissão a partir de estatutos e códigos específicos.

Assim temos a ética médica, do arquiteto, do urbanista, do advogado, do biólogo, etc.

Acontece que, em geral, as profissões apresentam a ética firmada em questões muito relevantes que ultrapassam o campo profissional em si. Questões como o aborto, pena de morte, seqüestros, eutanásia, AIDS, por exemplo, são questões morais que se apresentam como problemas éticos - porque pedem uma reflexão profunda - e, um profissional, ao se debruçar sobre elas, não o faz apenas como tal, mas como um pensador, um "filósofo da ciência", ou seja, da profissão que exerce. Desta forma, a reflexão ética entra na moralidade de qualquer atividade profissional humana.

Sendo a ética inerente à vida humana, sua importância é bastante evidenciada na vida profissional, porque cada profissional tem responsabilidades individuais e responsabilidades sociais, pois envolvem pessoas que dela se beneficiam.

A ética é ainda indispensável ao profissional, porque na ação humana "o fazer" e "o agir" estão interligados. O fazer diz respeito à competência, à eficiência que todo profissional deve possuir para exercer bem a sua profissão. O agir se refere à conduta do profissional, ao conjunto de atitudes que deve assumir no desempenho de sua profissão.

A Ética baseia-se em uma filosofia de valores compatíveis com a natureza e o fim de todo ser humano, por isso, "o agir" da pessoa humana está condicionado a duas premissas consideradas básicas pela Ética: "o que é" o homem e "para que vive", logo toda capacitação científica ou técnica precisa estar em conexão com os princípios essenciais da Ética. (MOTTA, 1984, p. 69)

Constata-se então o forte conteúdo ético presente no exercício profissional e sua importância na formação de recursos humanos.

INDIVIDUALISMO E ÉTICA PROFISSIONAL

Parece ser uma tendência do ser humano, como tem sido objeto de referências de muitos estudiosos, a de defender, em primeiro lugar, seus interesses próprios e, quando esses interesses são de natureza pouco recomendável, ocorrem seríssimos problemas.

O valor ético do esforço humano é variável em função de seu alcance em face da comunidade. Se o trabalho executado é só para auferir renda, em geral, tem seu valor restrito. Por outro lado, nos serviços realizados com amor, visando ao benefício de terceiros, dentro de vasto raio de ação, com consciência do bem comum, passa a existir a expressão social do mesmo.

Aquele que só se preocupa com os lucros, geralmente, tende a ter menor consciência de grupo. Fascinado pela preocupação monetária, a ele pouco importa o que ocorre com a sua comunidade e muito menos com a sociedade.

Para ilustrar essa questão, citarei um caso, muito conhecido, porém de autor anônimo.

Dizem que um sábio procurava encontrar um ser integral, em relação a seu trabalho. Entrou, então, em uma obra e começou a indagar. Ao primeiro operário perguntou o que fazia e este respondeu que procurava ganhar seu salário; ao segundo repetiu a pergunta e obteve a resposta de que ele preenchia seu tempo; finalmente, sempre repetindo a pergunta, encontrou um que lhe disse: "Estou construindo uma catedral para a minha cidade".

A este último, o sábio teria atribuído a qualidade de ser integral em face do trabalho, como instrumento do bem comum.

Como o número dos que trabalham, todavia, visando primordialmente ao rendimento, é grande, as classes procuram defender-se contra a dilapidação de seus conceitos, tutelando o trabalho e zelando para que uma luta encarniçada não ocorra na disputa dos serviços. Isto porque ficam vulneráveis ao individualismo.

A consciência de grupo tem surgido, então, quase sempre, mais por interesse de defesa do que por altruísmo. Isto porque, garantida a liberdade de trabalho, se não se regular e tutelar a conduta, o individualismo pode transformar a vida dos profissionais em reciprocidade de agressão.

Tal luta quase sempre se processa através de aviltamento de preços, propaganda enganosa, calúnias, difamações, tramas, tudo na ânsia de ganhar mercado e subtrair clientela e oportunidades do colega, reduzindo a concorrência. Igualmente, para maiores lucros, pode estar o indivíduo tentado a práticas viciosas, mas rentáveis.

Em nome dessas ambições, podem ser praticadas quebras de sigilo, ameaças de revelação de segredos dos negócios, simulação de pagamentos de impostos não recolhidos, etc. Para dar espaço a ambições de poder, podem ser armadas tramas contra instituições de classe, com denúncias falsas pela imprensa para ganhar eleições, ataque a nomes de líderes impolutos para ganhar prestígio, etc.

Os traidores e ambiciosos, quando deixados livres completamente livres, podem cometer muitos desatinos, pois muitas são as variáveis que existem no caminho do prejuízo a terceiros.
A tutela do trabalho, pois, processa-se pelo caminho da exigência de uma ética, imposta através dos conselhos profissionais e de agremiações classistas. As normas devem ser condizentes com as diversas formas de prestar o serviço de organizar o profissional para esse fim.

Dentro de uma mesma classe, os indivíduos podem exercer suas atividades como empresários, autônomos e associados. Podem também dedicar-se a partes menos ou mais refinadas do conhecimento.

A conduta profissional, muitas vezes, pode tornar-se agressiva e inconveniente e esta é uma das fortes razões pelas quais os códigos de ética quase sempre buscam maior abrangência. Tão poderosos podem ser os escritório, hospitais, firmas de engenharia, etc, que a ganância dos mesmos pode chegar ao domínio das entidades de classe e até ao Congresso e ao Executivo das nações.

A força do favoritismo, acionada nos instrumentos do poder através de agentes intermediários, de corrupção, de artimanhas políticas, pode assumir proporções asfixiantes para os profissionais menores, que são a maioria.

Tais grupos podem, como vimos, inclusive, ser profissionais, pois, nestes encontramos também o poder econômico acumulado, tão como conluios com outras poderosas organizações empresariais. Portanto, quando nos referimos à classe, ao social, não nos reportamos apenas a situações isoladas, a modelos particulares, mas a situações gerais.

O egoísmo desenfreado de poucos pode atingir um número expressivo de pessoas e até, através delas, influenciar o destino de nações, partindo da ausência de conduta virtuosa de minorias poderosas, preocupadas apenas com seus lucros.

Sabemos que a conduta do ser humano pode tender ao egoísmo, mas, para os interesses de uma classe, de toda uma sociedade, é preciso que se acomode às normas, porque estas devem estar apoiadas em princípios de virtude. Como as atitudes virtuosas podem garantir o bem comum, a Ética tem sido o caminho justo, adequado, para o benefício geral.

VOCAÇÃO PARA O COLETIVO

Egresso de uma vida inculta, desorganizada, baseada apenas em instintos, o homem, sobre a Terra, foi-se organizando, na busca de maior estabilidade vital. Foi cedendo parcelas do referido individualismo para se beneficiar da união, da divisão do trabalho, da proteção da vida em comum.

A organização social foi um progresso, como continua a ser a evolução da mesma, na definição, cada vez maior, das funções dos cidadãos e tal definição acentua, gradativamente, o limite de ação das classes.

Sabemos que entre a sociedade de hoje e aquela primitiva não existem mais níveis de comparação, quanto à complexidade; devemos reconhecer, porém, que, nos núcleos menores, o sentido de solidariedade era bem mais acentuado, assim como os rigores éticos e poucas cidades de maior dimensão possuem, na atualidade, o espírito comunitário; também, com dificuldades, enfrentam as questões classistas.A vocação para o coletivo já não se encontra, nos dias atuais, com a mesma pujança nos grandes centros.

Parece-me pouco entendido, por um número expressivo de pessoas, que existe um bem comum a defender e do qual elas dependem para o bem-estar próprio e o de seus semelhantes, havendo uma inequívoca interação que nem sempre é compreendida pelos que possuem espírito egoísta.
Quem lidera entidades de classe bem sabe a dificuldade para reunir colegas, para delegar tarefas de utilidade geral.

Tal posicionamento termina, quase sempre, em uma oligarquia dos que se sacrificam, e o poder das entidades tende sempre a permanecer em mãos desses grupos, por longo tempo. O egoísmo parece ainda vigorar e sua reversão não nos parece fácil, diante da massificação que se tem promovido, propositadamente, para a conservação dos grupos dominantes no poder.
Como o progresso do individualismo gera sempre o risco da transgressão ética, imperativa se faz a necessidade de uma tutela sobre o trabalho, através de normas éticas.

É sabido que uma disciplina de conduta protege todos, evitando o caos que pode imperar quando se outorga ao indivíduo o direito de tudo fazer, ainda que prejudicando terceiros. É preciso que cada um ceda alguma coisa para receber muitas outras e esse é um princípio que sustenta e justifica a prática virtuosa perante a comunidade.

O homem não deve construir seu bem a custa de destruir o de outros, nem admitir que só existe a sua vida em todo o universo. Em geral, o egoísta é um ser de curta visão, pragmático quase sempre, isoladao em sua perseguição de um bem que imagina ser só seu.

CLASSES PROFISSIONAIS

Uma classe profissional caracteriza-se pela homogeneidade do trabalho executado, pela natureza do conhecimento exigido preferencialmente para tal execução e pela identidade de habilitação para o exercício da mesma. A classe profissional é, pois, um grupo dentro da sociedade, específico, definido por sua especialidade de desempenho de tarefa.

A questão, pois, dos grupamentos específicos, sem dúvida, decorre de uma especialização, motivada por seleção natural ou habilidade própria, e hoje constitui-se em inequívoca força dentro das sociedades. A formação das classes profissionais decorreu de forma natural, há milênios, e se dividiram cada vez mais.

Historicamente, atribui-se à Idade Média a organização das classes trabalhadoras, notadamente as de artesãos, que se reuniram em corporações.

A divisão do trabalho é antiga, ligada que está à vocação e cada um para determinadas tarefas e às circunstâncias que obrigam, às vezes, a assumir esse ou aquele trabalho; ficou prático para o homem, em comunidade, transferir tarefas e executar a sua. A união dos que realizam o mesmo trabalho foi uma evolução natural e hoje se acha não só regulada por lei, mas consolidada em instituições fortíssimas de classe.

VIRTUDES PROFISSIONAIS

Não obstante os deveres de um profissional, os quais são obrigatórios, devem ser levadas em conta as qualidades pessoais que também concorrem para o enriquecimento de sua atuação profissional, algumas delas facilitando o exercício da profissão.

Muitas destas qualidades poderão ser adquiridas com esforço e boa vontade, aumentando neste caso o mérito do profissional que, no decorrer de sua atividade profissional, consegue incorporá-las à sua personalidade, procurando vivenciá-las ao lado dos deveres profissionais.

Em recente artigo publicado na revista EXAME o consultor dinamarquês Clauss MOLLER (1996, p.103-104) faz uma associação entre as virtudes lealdade, responsabilidade e iniciativa como fundamentais para a formação de recursos humanos. Segundo Clauss Moller o futuro de uma carreira depende dessas virtudes.

Vejamos:

O senso de responsabilidade é o elemento fundamental da empregabilidade. Sem responsabilidade a pessoa não pode demonstrar lealdade, nem espírito de iniciativa [...]. Uma pessoa que se sinta responsável pelos resultados da equipe terá maior probabilidade de agir de maneira mais favorável aos interesses da equipe e de seus clientes, dentro e fora da organização [...]. A consciência de que se possui uma influência real constitui uma experiência pessoal muito importante.

É algo que fortalece a auto-estima de cada pessoa. Só pessoas que tenham auto-estima e um sentimento de poder próprio são capazes de assumir responsabilidade. Elas sentem um sentido na vida, alcançando metas sobre as quais concordam previamente e pelas quais assumiram responsabilidade real, de maneira consciente.

As pessoas que optam por não assumir responsabilidades podem ter dificuldades em encontrar significado em suas vidas. Seu comportamento é regido pelas recompensas e sanções de outras pessoas - chefes e pares [...]. Pessoas desse tipo jamais serão boas integrantes de equipes.

Prossegue citando a virtude da lealdade:

A lealdade é o segundo dos três principais elementos que compõe a empregabilidade. Um funcionário leal se alegra quando a organização ou seu departamento é bem sucedido, defende a organização, tomando medidas concretas quando ela é ameaçada, tem orgulho de fazer parte da organização, fala positivamente sobre ela e a defende contra críticas.

Lealdade não quer dizer necessáriamente fazer o que a pessoa ou organização à qual você quer ser fiel quer que você faça. Lealdade não é sinônimo de obediência cega. Lealdade significa fazer críticas construtivas, mas as manter dentro do âmbito da organização. Significa agir com a convicção de que seu comportamento vai promover os legítimos interesses da organização. Assim, ser leal às vezes pode significar a recusa em fazer algo que você acha que poderá prejudicar a organização, a equipe de funcionários.

No Reino Unido, por exemplo, essa idéia é expressa pelo termo "Oposição Leal a Sua Majestade". Em outras palavras, é perfeitamente possível ser leal a Sua Majestade - e, mesmo assim, fazer parte da oposição. Do mesmo modo, é possível ser leal a uma organização ou a uma equipe mesmo que você discorde dos métodos usados para se alcançar determinados objetivos. Na verdade, seria desleal deixar de expressar o sentimento de que algo está errado, se é isso que você sente.

As virtudes da responsabilidade e da lealdade são completadas por uma terceira, a iniciativa, capaz de colocá-las em movimento.

Tomar a iniciativa de fazer algo no interesse da organização significa ao mesmo tempo, demonstrar lealdade pela organização. Em um contexto de empregabilidade, tomar iniciativas não quer dizer apenas iniciar um projeto no interesse da organização ou da equipe, mas também assumir responsabilidade por sua complementação e implementação.

Gostaríamos ainda, de acrescentar outras qualidades que consideramos importantes no exercício de uma profissão.

São elas:

Honestidade

A honestidade está relacionada com a confiança que nos é depositada, com a responsabilidade perante o bem de terceiros e a manutenção de seus direitos. É muito fácil encontrar a falta de honestidade quanto existe a fascinação pelos lucros, privilégios e benefícios fáceis, pelo enriquecimento ilícito em cargos que outorgam autoridade e que têm a confiança coletiva de uma coletividade. Já ARISTÓTELES (1992, p.75) em sua "Ética a Nicômanos" analisava a questão da honestidade.

Outras pessoas se excedem no sentido de obter qualquer coisa e de qualquer fonte - por exemplo os que fazem negócios sórdidos, os proxenetas e demais pessoas desse tipo, bem como os usurários, que emprestam pequenas importâncias a juros altos. Todas as pessoas deste tipo obtêm mais do que merecem e de fontes erradas. O que há de comum entre elas é obviamente uma ganância sórdida, e todas carregam um aviltante por causa do ganho - de um pequeno ganho, aliás. Com efeito, aquelas pessoas que ganham muito em fontes erradas, e cujos ganhos não são justos - por exemplo, os tiranos quando saqueiam cidades e roubam templos, não são chamados de avarentos, mas de maus, ímpios e injustos.

São inúmeros os exemplos de falta de honestidade no exercício de uma profissão. Um psicanalista, abusando de sua profissão ao induzir um paciente a cometer adultério, está sendo desonesto. Um contabilista que, para conseguir aumentos de honorários, retém os livros de um comerciante, está sendo desonesto. A honestidade é a primeira virtude no campo profissional. É um princípio que não admite relatividade, tolerância ou interpretações circunstanciais.

Sigilo

O respeito aos segredos das pessoas, dos negócios, das empresas, deve ser desenvolvido na formação de futuros profissionais, pois trata-se de algo muito importante. Uma informação sigilosa é algo que nos é confiado e cuja preservação de silêncio é obrigatória.

Revelar detalhes ou mesmo frívolas ocorrências dos locais de trabalho, em geral, nada interessa a terceiros e ainda existe o agravante de que planos e projetos de uma empresa ainda não colocados em prática possam ser copiados e colocados no mercado pela concorrência antes que a empresa que os concebeu tenha tido oportunidade de lançá-los.

Documentos, registros contábeis, planos de marketing, pesquisas científicas, hábitos pessoais, dentre outros, devem ser mantidos em sigilo e sua revelação pode representar sérios problemas para a empresa ou para os clientes do profissional.

Competência

Competência, sob o ponto de vista funcional, é o exercício do conhecimento de forma adequada e persistente a um trabalho ou profissão. Devemos buscá-la sempre. "A função de um citarista é tocar cítara, e a de um bom citarista é tocá-la bem." (ARISTÓTELES, p.24).

É de extrema importância a busca da competência profissional em qualquer área de atuação. Recursos humanos devem ser incentivados a buscar sua competência e maestria através do aprimoramento contínuo de suas habilidades e conhecimentos. O conhecimento da ciência, da tecnologia, das técnicas e práticas profissionais é pré-requisito para a prestação de serviços de boa qualidade.

Nem sempre é possível acumular todo conhecimento exigido por determinada tarefa, mas é necessário que se tenha a postura ética de recusar serviços quando não se tem a devida capacitação para executá-lo. Pacientes que morrem ou ficam aleijados por incompetência médica, causas que são perdidas pela incompetência de advogados, prédios que desabam por erros de cálculo em engenharia, são apenas alguns exemplos de quanto se deve investir na busca da competência.

Prudência

Todo trabalho, para ser executado, exige muita segurança. A prudência, fazendo com que o profissional analise situações complexas e difíceis com mais facilidade e de forma mais profunda e minuciosa, contribui para a maior segurança, principalmente das decisões a serem tomadas. a prudência é indispensável nos casos de decisões sérias e graves, pois evita os julgamentos apressados e as lutas ou discussões inúteis.

Coragem

Todo profissional precisa ter coragem, pois "o homem que evita e teme a tudo, não enfrenta coisa alguma, torna-se um covarde" (ARISTÓTELES, p.37). A coragem nos ajuda a reagir às críticas, quando injustas, e a nos defender dignamente quando estamos cônscios de nosso dever. Nos ajuda a não ter medo de defender a verdade e a justiça, principalmente quando estas forem de real interesse para outrem ou para o bem comum. Temos que ter coragem para tomar decisões, indispensáveis e importantes, para a eficiência do trabalho, sem levar em conta possíveis atitudes ou atos de desagrado dos chefes ou colegas.

Perseverança

Qualidade difícil de ser encontrada, mas necessária, pois todo trabalho está sujeito a incompreensões, insucessos e fracassos que precisam ser superados, prosseguindo o profissional em seu trabalho, sem entregar-se a decepções ou mágoas. É louvável a perseverança dos profissionais que precisam enfrentar os problemas do subdesenvolvimento.

Compreensão

Qualidade que ajuda muito um profissional, porque é bem aceito pelos que dele dependem, em termos de trabalho, facilitando a aproximação e o diálogo, tão importante no relacionamento profissional. É bom, porém, não confundir compreensão com fraqueza, para que o profissional não se deixe levar por opiniões ou atitudes, nem sempre, válidas para eficiência do seu trabalho, para que não se percam os verdadeiros objetivos a serem alcançados pela profissão.

Vê-se que a compreensão precisa ser condicionada, muitas vezes, pela prudência. A compreensão que se traduz, principalmente em calor humano pode realizar muito em benefício de uma atividade profissional, dependendo de ser convenientemente dosada.

Humildade

O profissional precisa ter humildade suficiente para admitir que não é o dono da verdade e que o bom senso e a inteligência são propriedade de um grande número de pessoas. Representa a auto-análise que todo profissional deve praticar em função de sua atividade profissional, a fim de reconhecer melhor suas limitações, buscando a colaboração de outros profissionais mais capazes, se tiver esta necessidade, dispor-se a aprender coisas novas, numa busca constante de aperfeiçoamento.

Humildade é qualidade que carece de melhor interpretação, dada a sua importância, pois muitos a confundem com subserviência, dependência ? quase sempre lhe é atribuído um sentido depreciativo. Como exemplo, ouve-se freqüentemente, a respeito determinadas pessoas, frases com estas: Fulano é muito humilde, coitado!

Muito simples! Humildade está significando nestas frases pessoa carente que aceita qualquer coisa, dependente e até infeliz. Conceito errôneo que precisa ser superado, para que a Humildade adquira definitivamente a sua autenticidade.

Imparcialidade

É uma qualidade tão importante que assume as características do dever, pois se destina a se contrapor aos preconceitos, a reagir contra os mitos (em nossa época dinheiro, técnica, sexo...), a defender os verdadeiros valores sociais e éticos, assumindo principalmente uma posição justa nas situações que terá que enfrentar. Para ser justo é preciso ser imparcial, logo a justiça depende muito da imparcialidade.

Otimismo

Em face das perspectivas das sociedades modernas, o profissional precisa e deve ser otimista, para acreditar na capacidade de realização da pessoa humana, no poder do desenvolvimento, enfrentando o futuro com energia e bom-humor.

CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL

Cabe sempre, quando se fala em virtudes profissionais, mencionarmos a existência dos códigos de ética profissional. As relações de valor que existem entre o ideal moral traçado e os diversos campos da conduta humana podem ser reunidos em um instrumento regulador. É uma espécie de contrato de classe e os órgãos de fiscalização do exercício da profissão passam a controlar a execução de tal peça magna. Tudo deriva, pois, de critérios de condutas de um indivíduo perante seu grupo e o todo social. Tem como base as virtudes que devem ser exigíveis e respeitadas no exercício da profissão, abrangendo o relacionamento com usuários, colegas de profissão, classe e sociedade.

O interesse no cumprimento do aludido código passa, entretanto a ser de todos. O exercício de uma virtude obrigatória torna-se exigível de cada profissional, como se uma lei fosse, mas com proveito geral. Cria-se a necessidade de uma mentalidade ética e de uma educação pertinente que conduza à vontade de agir, de acordo com o estabelecido. Essa disciplina da atividade é antiga, já encontrada nas provas históricas mais remotas, e é uma tendência natural na vida das comunidades.

É inequívoco que o ser tenha sua individualidade, sua forma de realizar seu trabalho, mas também o é que uma norma comportamental deva reger a prática profissional no que concerne a sua conduta, em relação a seus semelhantes. Toda comunidade possui elementos qualificados e alguns que transgridem a prática das virtudes; seria utópico admitir uniformidade de conduta.

A disciplina, entretanto, através de um contrato de atitudes, de deveres, de estados de consciência, e que deve formar um código de ética, tem sido a solução, notadamente nas classes profissionais que são egressas de cursos universitários (contadores, médicos, advogados, etc.). Uma ordem deve existir para que se consiga eliminar conflitos e especialmente evitar que se macule o bom nome e o conceito social de uma categoria.Se muitos exercem a mesma profissão, é preciso que uma disciplina de conduta ocorra.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Ética profissional

O que é Ética Profissional?

É extremamente importante saber diferenciar a Ética da Moral e do Direito. Estas três áreas de conhecimento se distinguem, porém têm grandes vínculos e até mesmo sobreposições. Tanto a Moral como o Direito baseiam-se em regras que visam estabelecer uma certa previsibilidade para as ações humanas. Ambas, porém, se diferenciam.


A Moral estabelece regras que são assumidas pela pessoa, como uma forma de garantir o seu bem-viver. A Moral independe das fronteiras geográficas e garante uma identidade entre pessoas que sequer se conhecem, mas utilizam este mesmo referencial moral comum.

O Direito busca estabelecer o regramento de uma sociedade delimitada pelas fronteiras do Estado. As leis têm uma base territorial, elas valem apenas para aquela área geográfica onde uma determinada população ou seus delegados vivem. Alguns autores afirmam que o Direito é um sub-conjunto da Moral.

Esta perspectiva pode gerar a conclusão de que toda a lei é moralmente aceitável. Inúmeras situações demonstram a existência de conflitos entre a Moral e o Direito. A desobediência civil ocorre quando argumentos morais impedem que uma pessoa acate uma determinada lei. Este é um exemplo de que a Moral e o Direito, apesar de referirem-se a uma mesma sociedade, podem ter perspectivas discordantes.

A Ética é o estudo geral do que é bom ou mau, correto ou incorreto, justo ou injusto, adequado ou inadequado. Um dos objetivos da Ética é a busca de justificativas para as regras propostas pela Moral e pelo Direito. Ela é diferente de ambos - Moral e Direito - pois não estabelece regras. Esta reflexão sobre a ação humana é que caracteriza a Ética.

Ética Profissional: Quando se inicia esta reflexão?

Esta reflexão sobre as ações realizadas no exercício de uma profissão deve iniciar bem antes da prática profissional. A fase da escolha profissional, ainda durante a adolescência muitas vezes, já deve ser permeada por esta reflexão. A escolha por uma profissão é optativa, mas ao escolhê-la, o conjunto de deveres profissionais passa a ser obrigatório. Geralmente, quando você é jovem, escolhe sua carreira sem conhecer o conjunto de deveres que está prestes ao assumir tornando-se parte daquela categoria que escolheu.

Toda a fase de formação profissional, o aprendizado das competências e habilidades referentes à prática específica numa determinada área, deve incluir a reflexão, desde antes do início dos estágios práticos. Ao completar a formação em nível superior, a pessoa faz um juramento, que significa sua adesão e comprometimento com a categoria profissional onde formalmente ingressa. Isto caracteriza o aspecto moral da chamada Ética Profissional, esta adesão voluntária a um conjunto de regras estabelecidas como sendo as mais adequadas para o seu exercício.

Mas pode ser que você precise começar a trabalhar antes de estudar ou paralelamente aos estudos, e inicia uma atividade profissional sem completar os estudos ou em área que nunca estudou, aprendendo na prática. Isto não exime você da responsabilidade assumida ao iniciar esta atividade! O fato de uma pessoa trabalhar numa área que não escolheu livremente, o fato de “pegar o que apareceu” como emprego por precisar trabalhar, o fato de exercer atividade remunerada onde não pretende seguir carreira, não isenta da responsabilidade de pertencer, mesmo que temporariamente, a uma classe, e há deveres a cumprir.

Um jovem que, por exemplo, exerce a atividade de auxiliar de almoxarifado durante o dia e, à noite, faz curso de programador de computadores, certamente estará pensando sobre seu futuro em outra profissão, mas deve sempre refletir sobre sua prática atual.

Ética Profissional: Como é esta reflexão?

Algumas perguntas podem guiar a reflexão, até ela tornar-se um hábito incorporado ao dia-a-dia.
Tomando-se o exemplo anterior, esta pessoa pode se perguntar sobre os deveres assumidos ao aceitar o trabalho como auxiliar de almoxarifado, como está cumprindo suas responsabilidades, o que esperam dela na atividade, o que ela deve fazer, e como deve fazer, mesmo quando não há outra pessoa olhando ou conferindo.

Pode perguntar a si mesmo: Estou sendo bom profissional? Estou agindo adequadamente? Realizo corretamente minha atividade?

É fundamental ter sempre em mente que há uma série de atitudes que não estão descritas nos códigos de todas as profissões, mas que são comuns a todas as atividades que uma pessoa pode exercer. Atitudes de generosidade e cooperação no trabalho em equipe, mesmo quando a atividade é exercida solitariamente em uma sala, ela faz parte de um conjunto maior de atividades que dependem do bom desempenho desta.

Uma postura pró-ativa, ou seja, não ficar restrito apenas às tarefas que foram dadas a você, mas contribuir para o engrandecimento do trabalho, mesmo que ele seja temporário. Se sua tarefa é varrer ruas, você pode se contentar em varrer ruas e juntar o lixo, mas você pode também tirar o lixo que você vê que está prestes a cair na rua, podendo futuramente entupir uma saída de escoamento e causando uma acumulação de água quando chover.

Você pode atender num balcão de informações respondendo estritamente o que lhe foi perguntado, de forma fria, e estará cumprindo seu dever, mas se você mostrar-se mais disponível, talvez sorrir, ser agradável, a maioria das pessoas que você atende também serão assim com você, e seu dia será muito melhor.

Muitas oportunidades de trabalho surgem onde menos se espera, desde que você esteja aberto e receptivo, e que você se preocupe em ser um pouco melhor a cada dia, seja qual for sua atividade profissional. E, se não surgir, outro trabalho, certamente sua vida será mais feliz, gostando do que você faz e sem perder, nunca, a dimensão de que é preciso sempre continuar melhorando, aprendendo, experimentando novas soluções, criando novas formas de exercer as atividades, aberto a mudanças, nem que seja mudar, às vezes, pequenos detalhes, mas que podem fazer uma grande diferença na sua realização profissional e pessoal. Isto tudo pode acontecer com a reflexão incorporada a seu viver.

E isto é parte do que se chama empregabilidade: a capacidade que você pode ter de ser um profissional que qualquer patrão desejaria ter entre seus empregados, um colaborador. Isto é ser um profissional eticamente bom.

Ética Profissional e relações sociais:

O varredor de rua que se preocupa em limpar o canal de escoamento de água da chuva, o auxiliar de almoxarifado que verifica se não há umidade no local destinado para colocar caixas de alimentos, o médico cirurgião que confere as suturas nos tecidos internos antes de completar a cirurgia, a atendente do asilo que se preocupa com a limpeza de uma senhora idosa após ir ao banheiro, o contador que impede uma fraude ou desfalque, ou que não maquia o balanço de uma empresa, o engenheiro que utiliza o material mais indicado para a construção de uma ponte, todos estão agindo de forma eticamente correta em suas profissões, ao fazerem o que não é visto, ao fazerem aquilo que, alguém descobrindo, não saberá quem fez, mas que estão preocupados, mais do que com os deveres profissionais, com as PESSOAS.

As leis de cada profissão são elaboradas com o objetivo de proteger os profissionais, a categoria como um todo e as pessoas que dependem daquele profissional, mas há muitos aspectos não previstos especificamente e que fazem parte do comprometimento do profissional em ser eticamente correto, aquele que, independente de receber elogios, faz A COISA CERTA.

Ética Profissional e atividade voluntária:

Outro conceito interessante de examinar é o de Profissional, como aquele que é regularmente remunerado pelo trabalho que executa ou atividade que exerce, em oposição a Amador. Nesta conceituação, se diria que aquele que exerce atividade voluntária não seria profissional, e esta é uma conceituação polêmica.

Em realidade, Voluntário é aquele que se dispõe, por opção, a exercer a prática Profissional não-remunerada, seja com fins assistenciais, ou prestação de serviços em beneficência, por um período determinado ou não. Aqui, é fundamental observar que só é eticamente adequado, o profissional que age, na atividade voluntária, com todo o comprometimento que teria no mesmo exercício profissional se este fosse remunerado.

Seja esta atividade voluntária na mesma profissão da atividade remunerada ou em outra área. Por exemplo: Um engenheiro que faz a atividade voluntária de dar aulas de matemática. Ele deve agir, ao dar estas aulas, como se esta fosse sua atividade mais importante. É isto que aquelas crianças cheias de dúvidas em matemática esperam dele!

Se a atividade é voluntária, foi sua opção realizá-la. Então, é eticamente adequado que você a realize da mesma forma como faz tudo que é importante em sua vida.

Ética Profissional: Pontos para sua reflexão:

É imprescindível estar sempre bem informado, acompanhando não apenas as mudanças nos conhecimentos técnicos da sua área profissional, mas também nos aspectos legais e normativos. Vá e busque o conhecimento. Muitos processos ético-disciplinares nos conselhos profissionais acontecem por desconhecimento, negligência.

Competência técnica, aprimoramento constante, respeito às pessoas, confidencialidade, privacidade, tolerância, flexibilidade, fidelidade, envolvimento, afetividade, correção de conduta, boas maneiras, relações genuínas com as pessoas, responsabilidade, corresponder à confiança que é depositada em você.

Comportamento eticamente adequado e sucesso continuado são indissociáveis!

Glock, RS, Goldim JR.

Ética profissional é compromisso social.
Mundo Jovem (PUCRS, Porto Alegre)
2003;XLI(335):2-3

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Festa na feira

Na sexta-feira passada, dia 01 de novembro, lançamos na 54 Feira do Livro de Porto Alegre o Volume 2 da série Arquitetura & Urbanismo – Posturas, Tendências & Reflexões.

O evento ocorreu no pavilhão de autógrafos, às 20:30h, e contou com a presença dos organizadores do livro, dos autores dos vários artigos e do nosso editor o Sr. Ignácio Moreno Benitez da Livraria do Arquiteto.

O clima foi do mais alto astral. Várias pessoas compareceram ao evento. Amigos, colegas de sala de aula e de profissão, convidados, familiares, entre outros que lá estiveram para prestigiar mais esta iniciativa da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da PucRS.

Além da alegria de ver concretizado mais este volume, o evento foi marcado, também, pela grande oportunidade que todos tivemos de compartilhar esta alegria com a comunidade acadêmica, bem como, de rever velhos amigos.

Tamanha era a nossa alegria e satisfação que só nos demos conta de que a festa estava terminando com as tradicionais badaladas do sino.

Valeu muito a pena!!

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Ainda sobre a Ética...

DOUTRINAS ÉTICAS

Para facilitar o estudo das doutrinas éticas, ou teorias acerca da moral, preferimos dividi-las nos seguintes segmentos, correlacionados historicamente: ética grega, ética cristã medieval, ética moderna e ética contemporânea.

Sendo assim, vamos partir do princípio que a história da ética teve sua origem, pelo menos sob o ponto de vista formal, na antigüidade grega, através de Aristóteles (384 - 322 a.C.) e suas idéias sobre a ética e as virtudes éticas. Na Grécia, porém, mesmo antes de Aristóteles, já é possível identificar traços de uma abordagem com base filosófica para os problemas morais e até entre os filósofos conhecidos como pré-socráticos encontramos reflexões de caráter ético, quando buscavam entender as razões do comportamento humano.

Sócrates (470-399 a.C.) considerou o problema ético individual como o problema filosófico central e a ética como sendo a disciplina em torno da qual deveriam girar todas as reflexões filosóficas. Para ele ninguém pratica voluntariamente o mal. Somente o ignorante não é virtuoso, ou seja, só age mal, quem desconhece o bem, pois todo homem quando fica sabendo o que é bem, reconhece-o racionalmente como tal e necessariamente passa a praticá-lo. Ao praticar o bem, o homem sente-se dono de si e conseqüentemente é feliz. A virtude seria o conhecimento das causas e dos fins das ações fundadas em valores morais identificados pela inteligência e que impelem o homem a agir virtuosamente em direção ao bem.

Platão (427-347 a.C.) ao examinar a idéia do Bem a luz da sua teoria das idéias, subordinou sua ética à metafísica. Sua metafísica era a do dualismo entre o mundo sensível e o mundo das idéias permanentes, eternas, perfeitas e imutáveis, que constituíam a verdadeira realidade e tendo como cume a idéia do Bem, divindade, artífice ou demiurgo do mundo.

Para Platão a alma - princípio que anima ou move o homem - se divide em três partes: razão, vontade (ou ânimo) e apetite (ou desejos). As virtudes são função desta alma, as quais são determinadas pela natureza da alma e pela divisão de suas partes. Na verdade ele estava propondo uma ética das virtudes, que seriam função da alma. Pela razão, faculdade superior e característica do homem, a alma se elevaria mediante a contemplação ao mundo das idéias. Seu fim último é purificar ou libertar-se da matéria para contemplar o que realmente é e, acima de tudo, a idéia do Bem. Para alcançar a purificação é necessário praticar as várias virtudes que cada parte da alma possui.

Para Platão cada parte da alma possui um ideal ou uma virtude que devem ser desenvolvidos para seu funcionamento perfeito. A razão deve aspirar à sabedoria, a vontade deve aspirar à coragem e os desejos devem ser controlados para atingir a temperança. Cada uma das partes da alma, com suas respectivas virtudes, estava relacionada com uma parte do corpo. A razão se manifesta na cabeça, a vontade no peito e o desejo no baixo-ventre. Somente quando as três partes do homem puderem agir como um todo é que temos o indivíduo harmônico. A harmonia entre essas virtudes constituía uma quarta virtude: a justiça. Platão de certa forma criou uma "pedagogia" para o desenvolvimento das virtudes.

Na escola as crianças primeiramente têm de aprender a controlar seus desejos desenvolvendo a temperança, depois incrementar a coragem para, por fim, atingir a sabedoria. A ética de Platão está relacionada intimamente com sua filosofia política, porque para ele, a polis (cidade estado) é o terreno próprio para a vida moral. Assim ele buscou um estado ideal, um estado-modelo, utópico, que era constituído exatamente como o ser humano. Assim, como o corpo possui cabeça, peito e baixo-ventre, também o estado deveria possuir, respectivamente, governantes, sentinelas e trabalhadores. O bom estado é sempre dirigido pela razão. É curioso notar que, no Estado de Platão, os trabalhadores ocupam o lugar mais baixo em sua hierarquia. Talvez isto tenha ligação com a visão depreciativa que os gregos antigos tinham sobre esta atividade. A ética platônica exerceu grande influência no pensamento religioso e moral do ocidente, como teremos oportunidade de ver mais adiante.

Aristóteles (384-322 a.C.), não só organizou a ética como disciplina filosófica, mas, além disso, formulou a maior parte dos problemas que mais tarde iriam se ocupar os filósofos morais: relação entre as normas e os bens, entre a ética individual e a social, relações entre a vida teórica e prática, classificação das virtudes, etc.

Sua concepção ética privilegia as virtudes (justiça, caridade e generosidade), tidas como propensas tanto a provocar um sentimento de realização pessoal àquele que age quanto simultaneamente beneficiar a sociedade em que vive. A ética aristotélica busca valorizar a harmonia entre a moralidade e a natureza humana, concebendo a humanidade como parte da ordem natural do mundo, sendo, portanto, uma ética conhecida como naturalista.

Segundo Aristóteles, toda a atividade humana, em qualquer campo, tende a um fim que é, por sua vez, um bem: o Bem Supremo ou Sumo Bem, que seria resultado do exercício perfeito da razão, função própria do homem. Assim sendo, o homem virtuoso é aquele capaz de deliberar e escolher o que é mais adequado para si e para os outros, movido por uma sabedoria prática em busca do equilíbrio entre o excesso e a deficiência:

“A excelência moral, então, é uma disposição da alma relacionada com a escolha de ações e emoções, disposição esta consistente num meio termo (o meio termo relativo a nós) determinado pela razão (a razão graças à qual um homem dotado de discernimento o determinaria). Trata-se de um estado intermediário, porque nas várias formas de deficiência moral há falta ou excesso do que é conveniente tanto nas emoções quanto nas ações, enquanto a excelência moral encontra e prefere o meio termo. Logo, a respeito do que ela é, ou seja, a definição que expressa a sua essência, a excelência moral é um meio termo, mas com referência ao que é melhor e conforme ao bem ela é um extremo.” (ARISTÓTELES, 1992, p.42)

E procede exemplificado:

“Em relação ao meio termo, em alguns casos é a falta e em outros é o excesso que está mais afastado; por exemplo, não é temeridade, que é o excesso, mas a covardia, que é a falta, que é mais oposta à coragem, e não é a insensibilidade, que é uma falta, mas a concupiscência, que é um excesso, que é mais oposta à moderação. Isto ocorre por duas razões; uma delas tem origem na própria coisa, pois por estar um extremo mais próximo ao meio termo e ser mais parecido com ele opomos ao intermediário não o extremo, mas seu contrário. Por exemplo, como se considera a temeridade mais parecida com a coragem, e a covardia mais diferente, opomos esta última à coragem, pois as coisas mais afastadas do meio termo são tidas como mais contrárias a ele; a outra razão tem origem em nós mesmos, pois as coisas para as quais nos inclinamos mais naturalmente parecem mais contrárias ao meio termo. Por exemplo, tendemos mais naturalmente para os prazeres, e por isso somos levados mais facilmente para a concupiscência do que para a moderação. Chamamos portanto contrárias ao meio termo as coisas para as quais nos sentimos mais inclinados; logo, a concupiscência, que é um excesso é mais contrária à moderação.” (ibid, p.46)

Daí ser difícil, segundo Aristóteles, ser bom na medida em que o meio termo não é facilmente encontrado: "Por isso a bondade tanto é rara quanto nobre e louvável".

A Ética de Aristóteles - assim como a de Platão - está unida à sua filosofia política, já que para ele a comunidade social e política é o meio necessário para o exercício da moral. Somente nela pode realizar-se o ideal da vida teórica na qual se baseia a felicidade. O homem moral só pode viver na cidade e é, portanto, um animal político, ou seja social. Apenas deuses e animais selvagens não tem necessidade da comunidade política para viver. O homem deve necessariamente viver em sociedade e não pode levar uma vida moral como indivíduo isolado e sim no seio de uma comunidade. O estoicismo e o epicurismo surgem no processo de decadência e de ruína do antigo mundo greco-romano.

Para Epicuro (341-270 a.C) o prazer é um bem e como tal o objetivo de uma vida feliz. Estava lançada então a idéia de hedonismo que é uma concepção ética que assume o prazer como princípio e fundamento da vida moral. Mas, existem muitos prazeres, e nem todos são igualmente bons. É preciso escolher entre eles os mais duradouros e estáveis, para isso é necessário a posse de uma virtude sem a qual é impossível a escolha.

Essa virtude é a prudência, através da qual podemos selecionar aqueles prazeres que não nos trazem a dor ou perturbações. Os melhores prazeres não são os corporais - fugazes e imediatos - mas os espirituais, porque contribuem para a paz da alma. Para os estóicos (por exemplo, Zenão, Sêneca e Marco Aurélio) o homem é feliz quando aceita seu destino com imperturbabilidade e resignação. O universo é um todo ordenado e harmonioso onde os sucessos resultam do cumprimento da lei natural racional e perfeita.

O bem supremo é viver de acordo com a natureza, aceitar a ordem universal compreendida pela razão, sem se deixar levar por paixões, afetos interiores ou pelas coisas exteriores. O homem virtuoso é aquele que enfrenta seus desejos com moderação aceitando seu destino. O estóico é um cidadão do cosmo não mais da pólis.

O Cristianismo se eleva sobre o que restou do mundo greco-romano e no século IV torna-se a religião oficial de Roma. Com o fim do "mundo antigo" o regime de servidão substitui o da escravidão e sobre estas bases se constrói a sociedade feudal, extremamente estratificada e hierarquizada. Nessa sociedade fragmentada econômica e politicamente, verdadeiro mosaico de feudos, a religião garantia uma certa unidade social.

Por este motivo a política fica dependente dela e a Igreja Católica passa a exercer, além de poder espiritual, o poder temporal e a monopolizar também a vida intelectual. Evidentemente a ética fica sujeita a este conteúdo religioso. Os filósofos cristãos tiveram uma dupla atitude diante da ética. Absorveram o ético no religioso, edificando um tipo de ética que hoje chamamos de teônoma, que fundamenta em Deus os princípios da moral. Deus, criador do mundo e do homem, é concebido como um ser pessoal, bom, onisciente e todo poderoso. O homem, como criatura de Deus, tem seu fim último Nele, que é o seu bem mais alto e valor supremo. Deus exige a sua obediência e a sujeição a seus mandamentos, que neste mundo têm o caráter de imperativos supremos.

Num outro sentido também aproveitaram muitas das idéias da ética grega - principalmente platônicas e estóicas - de tal modo que partes dessa ética, como a doutrina das virtudes e sua classificação inseriram-se quase na sua totalidade na ética cristã. Evidentemente, enquanto certas normas éticas eram assimiladas, outras, por sua incompatibilidade com os ensinamentos cristãos eram rejeitados.

A justificativa do suicídio, por exemplo, foi amplamente rejeitada pelos filósofos cristãos. A ética cristã é uma ética subordinada à religião num contexto em que a filosofia é "serva" da teologia. Temos então uma ética limitada por parâmetros religiosos e dogmáticos. É uma ética que tende a regular o comportamento dos homens com vistas a um outro mundo (o reino de Deus), colocando o seu fim ou valor supremo fora do homem, na divindade.

É curioso notar que ao pretender elevar o homem de uma ordem natural para outra transcendental e sobrenatural, onde possa viver um vida plena e feliz, livre das desigualdades e injustiças do mundo terreno, ela introduz uma idéia verdadeiramente inovadora, ou seja, todos seriam iguais diante de Deus e são chamados a alcançar a perfeição e a justiça num mundo sobrenatural, o reino dos Céus. Em sua gênese essa ética também absorve muito do que Platão e Aristóteles desenvolveram.

Pode-se até dizer que seus dois maiores filósofos, Santo Agostinho (354-430) e São Tomás de Aquino (1226-1274) refletem, respectivamente, idéias de Platão e Aristóteles. A purificação da alma, em Platão, e sua ascensão libertadora até elevar-se ao mundo das idéias tem correspondência na elevação ascética até Deus exposta por Santo Agostinho. A ética de Tomás de Aquino tem muitos pontos de coincidência com Aristóteles e como aquela busca através de contemplação e de conhecimento alcançar o fim último, que para ele era Deus.

A história da ética complica-se a partir do Renascimento Europeu e podemos chamar de ética moderna às diversas tendências que prevaleceram desde o século XVI até o início do século XIX. Não é fácil sistematizar as diversas doutrinas éticas que surgiram neste período, tamanha sua diversidade, mas podemos encontrar, talvez como reação à ética cristã descêntrica e teológica uma tendência antropocêntrica.

Evidentemente essa mudança de ponto de vista não aconteceu ao acaso. Fez-se necessário um entendimento sobre as mudanças que o mundo sofreu, nas esferas econômica, política e científica para entendermos todo o processo. A forma de organização social que sucedeu à feudal traz, em sua estrutura, mudanças em todas as ordens.

A economia, por exemplo, viu crescer de forma muito intensa o relacionamento de suas forças produtivas com o desenvolvimento científico que começara a fundamentar a ciência moderna - são dessa época os trabalhos de Galileu e Newton - e desse relacionamento se desenvolvem as relações capitalistas de produção.

Essa nova forma de produção fortalece uma nova classe social - a burguesia - que luta para se impor política e economicamente. É uma época de grandes revoluções políticas (Holanda, França e Inglaterra) e no plano estatal assistimos o desaparecimento da fragmentada sociedade feudal e o fortalecimento dos grandes Estados Modernos, únicos e centralizados. Nessa nova ordem vemos a razão se separando da fé (a filosofia separa-se da religião), as ciências naturais dos pressupostos teológicos, o Estado da Igreja e o homem de Deus.

Essa ruptura fica muito evidente quando, entre a Idade Média e a Modernidade, o italiano Nicolau Maquiavel (1469-1527) provoca uma revolução na ética ao romper com a moral cristã, que impõe os valores espirituais como superiores aos políticos, quando defendeu a adoção de uma moral própria em relação ao Estado.

O que importa são os resultados e não a ação política em si, sendo legítimos os usos da violência contra os que se opõe aos interesses estatais. Examinando as outras qualidades atrás enumeradas, direi que todo o príncipe deve desejar ser tido como piedoso, e não como cruel; não obstante, deve cuidar de não usar mal a piedade.

Cesar Borgia era tido como cruel; entretanto, essa sua crueldade havia posto ordem na Romanha, promovido a sua união e a sua pacificação e inspirando confiança, o que, bem considerado, mostra ter sido ele muito mais piedoso do que os florentinos, os quais, para esquivarem da reputação de cruéis deixaram que Pistóia fosse destruída.

Deve um príncipe, portanto, não se importar com a reputação de cruel, a fim de poder manter os seus súditos em paz e confiantes, pois que, com pouquíssimas repressões, será mais piedoso do que aqueles que, por muito clementes, permitem as desordens das quais resultem assassínios e rapinagens. Estas atingem a comunidade inteira, enquanto que os castigos impostos pelo príncipe atingem poucos. (MAQUIAVEL, sd, p.107)

Na verdade o que estamos presenciando é uma extraordinária sugestão para a aplicação de novos valores. A obra de Maquiavel influenciará, como veremos mais tarde, outros pensadores modernos como o inglês Thomas Hobbes e Baruch de Epinosa, extremamente realistas no que se refere à ética. O homem recupera então seu valor pessoal e passa a ser visto como dotado de razão e afirma-se em todos os campos, da ciência às artes.

Descartes (1596-1650) esboça com muita clareza esta tendência de basear a filosofia no homem, que passa a ser o centro de tudo, da política, da arte, e também da moral. Vemos então o aparecimento de uma ética antropocêntrica. Como se vê, a Ética dos séculos XVII e XVIII manifesta um alto grau de uniformidade: não só ela é uma doutrina do móvel mas também a sua oscilação entre a "tendência a conservação" e a "tendência ao prazer" como base da moral não implica uma diferença radical, já que o próprio prazer não é senão o índice e motivo de uma situação favorável à conservação. (ABBAGNANO, sd, p.364)

Thomas Hobbes (1588-1679) consegue sistematizar esta ética do desejo, que existe em cada ser, de própria conservação como sendo o fundamento da moral e do direito. Para Hobbes, a vida do homem no estado de natureza - sem leis nem governo - era "solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta", uma vez que os homens são por índole agressivos, autocentrados, insociáveis e obcecados por um "desejo de ganho imediato".

O principal dos bens é a conservação de si mesmo. A natureza, com efeito, proveu para que todos desejem o próprio bem, mas afim de que possam ser capazes disso, é necessário que desejem a vida, a saúde e a maior segurança dessas coisas para o futuro. De todos os males, porém, o primeiro é a morte, especialmente se acompanhada de sofrimento. Já que os males da vida podem ser tantos que senão se prever como próximo o seu fim, fazem contar a morte entre os bens. (De hom., XI , 6)

Para Hobbes, indivíduos que decidem viver em sociedade não são melhores ou menos egoístas do que os selvagens: são apenas mais clarividentes, percebendo que, se cooperarem, podem ser mais ricos e mais felizes. Seu bom comportamento deriva do seu egoísmo. Em outras palavras, o que leva dois homens pré-históricos a se unirem numa caçada a um tigre dente-de-sabre, é o fato de que, juntos, têm mais chances de matá-lo sem se ferirem.

Baruch de Espinosa (1632-1677) afirmava que os homens tendem naturalmente a pensar apenas em si mesmos, que em seus desejos e opiniões as pessoas são sempre conduzidas por suas paixões, as quais nunca levam em conta o futuro ou as outras pessoas. Essa tendência a conservação, à consecução de tudo que é útil é muitas vezes colocada na obra de Espinosa como sendo a própria ação necessitante da Substância Divina.

Uma vez que a Razão não pede nada que seja contra a Natureza, ela pede, por conseguinte, que cada um se ame a si mesmo, procure o que lhe é útil, mas o que lhe é útil de verdade; deseje tudo o que conduz, de fato, o homem a uma maior perfeição; e, de uma maneira geral, que cada um se esforce por conservar o seu ser, tanto quanto lhe é possível. Isto é tão necessariamente verdadeiro como o todo ser maior que a sua parte. (ESPINOSA, 1973, p.244).

Jonh Locke (1632-1704) atrela a tendência à conservação e satisfação à uma concepção de "felicidade pública". Dizia Locke: “Como Deus estabeleceu um liame indissolúvel entre a virtude e a felicidade pública, e tornou a prática da virtude necessária à conservação da sociedade humana e visivelmente vantajosa para todos os que precisam tratar com as pessoas de bem, ninguém se deve maravilhar se cada um não só aprovar essas regras, mas igualmente recomendá-las aos outros, estando persuadido de que, se as observarem, lhe advirão vantagens a ele próprio.” (Ensaio, I, 2, 6)

David Hume (1711-1776) seguindo essa linha nos coloca que o fundamento da moral é a utilidade, ou seja, é boa ação aquela que proporciona "felicidade e satisfação" à sociedade. A utilidade agrada porque responde a uma necessidade ou tendência natural que inclina o homem a promover a felicidade dos seus semelhantes. Ao invés de limitar os desejos humanos àqueles determinados apenas pelo interesse pessoal (comida, dinheiro, glória, etc), Hume percebeu que muitas das nossas paixões estão baseadas no que ele chamava de simpatia - a capacidade de sentir em si mesmo os sofrimentos e até mesmo as alegrias de outrem.

Essa visão do ser humano como criatura simpática tornava impossível traçar, à maneira de Hobbes, uma nítida linha divisória entre o interesse pessoal e o interesse alheio, uma vez que agora é possível encarar o interesse alheio como se ele fosse um interesse pessoal. Hume estava propondo uma espécie de razão emocional para o comportamento altruísta.

Para Jean Jaques Rousseau (1712-1778) o homem é bom por natureza e seu espírito pode sofrer um aprimoramento quase ilimitado. Talvez a expressão maior da ética moderna tenha sido o filósofo alemão Immannuel Kant (1724-1804). A preocupação maior da ética de Kant era estabelecer a regra da conduta na substância racional do homem. Ele fez do conceito de dever ponto central da moralidade.

Hoje em dia chamamos a ética centrada no dever de deontologia. Kant dizia que a única coisa que se pode afirmar que seja boa em si mesma é a "boa vontade" ou boa intenção, aquilo que se põe livremente de acordo com o dever. O conhecimento do dever seria conseqüência da percepção, pelo homem, de que é um ser racional e como tal está obrigado a obedecer o que Kant chamava de "imperativo categórico", que é a necessidade de respeitar todos os seres racionais na qualidade de "fins em si mesmo". É o reconhecimento da existência de outros homens (seres racionais) e a exigência de comportar-se diante deles a partir desse reconhecimento. Deve-se então tratar a humanidade na própria pessoa como na do próximo sempre como um fim e nunca só como um meio.

A ética kantiana busca, sempre na razão, formas de procedimentos práticos que possam ser universalizáveis, isto é, um ato moralmente bom é aquele que pode ser universalizável, de tal modo que os princípios que eu sigo possam valer para todos: "Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal." (KANT, 1984, p.129)

Analisando a questão da tortura, por exemplo, se questiona se tal procedimento deveria ser universalizado ou não. Se não posso querer a universalização da tortura, também não podemos aceitá-la no aqui e agora.

Friedrich Hegel (1770-1831) pode ser considerado como sendo o mais importante filósofo do idealismo alemão pós-kantiano. Para ele, a vida ética ou moral dos indivíduos, enquanto seres históricos e culturais, é determinada pelas relações sociais que mediatizam as relações pessoais intersubjetivas. Hegel dessa forma transforma a ética em uma filosofia do direito.

Ele a divide em ética subjetiva (ou pessoal) e em ética objetiva (ou social). A primeira é uma consciência de dever e a segunda é formada pelos costumes, pelas leis e normas de uma sociedade. O Estado, para Hegel, reúne esses dois aspectos numa "totalidade ética". Assim, a vontade individual subjetiva é também determinada por uma vontade objetiva, impessoal, coletiva, social e pública que cria as diversas instituições sociais.

Além disso, essa vontade regula e normatiza as condutas individuais através de um conjunto de valores e costumes vigentes em uma determinada sociedade em uma determinada época. O ideal ético estava numa vida livre dentro de um Estado livre, um Estado de Direito que preservasse os direitos dos homens e lhes cobrasse seus deveres, onde a consciência moral e as leis do direito não estivessem nem separadas e nem em contradição.

Dessa maneira, a vida ética consiste na interiorização dos valores, normas e leis de uma sociedade, condensadas na vontade objetiva cultural, por um sujeito moral que as aceita livre e espontaneamente através de sua vontade subjetiva individual. A vontade pessoal resulta da aceitação harmoniosa da vontade coletiva de uma cultura.

O alemão Karl Marx (1818-1883) também via a moral como uma espécie de "superestrutura ideológica", cumprindo uma função social que, via de regra, servia para sacramentar as relações e condições de existência de acordo com os interesses da classe dominante. Numa sociedade dividida por classes antagônicas a moral sempre terá um caráter de classe.

Até hoje existem diferentes morais de classe e inclusive numa mesma sociedade podem coexistir várias morais, já que cada classe assume uma moral particular. Assim, enquanto não se verificarem as condições reais para uma moral universal, válida para toda a sociedade, não pode existir um sistema moral válido para todos os tempos e todas as sociedades.

Para Marx, sempre que se tentou construir semelhante sistema no passado estava-se tentando imprimir um caráter universal a interesses particulares. Se entendermos a moral proletária como sendo a moral de uma classe que está destinada historicamente a abolir a si mesma como classe para ceder lugar a uma sociedade verdadeiramente humana, serve como passagem a uma moral universalmente humana.

Os homens necessitam da moral como necessitam da produção e cada moral cumpre sua função social de acordo com a estrutura social vigente. Torna-se necessária então uma nova moral que não seja o reflexo de relações sociais alienadas, para regular as relações entre os indivíduos, tanto em vista das transformações da velha sociedade como para garantir a harmonia da emergente sociedade socialista. Tudo isso, a transformação da antiga moral e a construção da nova, exigem a participação consciente dos homens. A nova moral, com suas novas virtudes transforma-se numa necessidade. O homem portanto, deve interferir sempre na transformação da sociedade.

Uma outra visão nos é apresentada no pensamento de Nietzsche (1844-1900), que é um crítico veemente e mordaz a toda moral existente, seja ela a moral socrática, a judaico-cristão ou a moral burguesa. Necessitamos uma crítica dos valores morais, e antes de tudo deve discutir-se o valor desses valores, e por isso é de toda a necessidade conhecer as condições e os meios ambientes em que nasceram, em que se desenvolveram e deformaram (a moral como conseqüência, máscara, hipocrisia, enfermidade ou equívoco, e também a moral como causa, remédio, estimulante, freio ou veneno) conhecimento tal que nunca teve outro semelhante nem é possível que o tenha.

Era um verdadeiro postulado o valor desses valores: atribui-se ao bem um valor superior ao valor do mal, ao valor do progresso, da utilidade, do desenvolvimento humano. E por que? Não poderia haver no homem "bom" um sintoma de retrocesso, um perigo, uma sedução, um veneno, um sacrifício do presente a expensas do futuro? Uma vida mais agradável, mais inofensiva, mas também mais mesquinha, mais baixa? De tal modo que fosse culpa da moral o não ter chegado o tipo homem ao mais alto grau do poder e do esplendor? E de modo que entre todos os perigos fosse a moral o perigo por excelência? (NIETZSCHE, 1983, p.13-14)

Para este filósofo, a vida é vontade de poder, princípio último de todos os valores; o bem é tudo que favorece a força vital do homem, é tudo o que intensifica e exalta no homem o sentimento de poder, a vontade de poder e o próprio poder. O mal é tudo que vem da fraqueza. Nietzsche anunciou o super-homem, capaz de quebrar a tábua dos valores transmutando-os a todos. Uma outra corrente dentro da ética é o utilitarismo, segundo o qual o objetivo da moral é o de proporcionar o máximo de felicidade ao maior número de pessoas.

Para John Stuart Mill (1806-1873), representante da ética utilitarista, a felicidade reside na busca do máximo prazer e do mínimo de dor. O Bem consiste na maior felicidade e a virtude é um meio de se atingir essa felicidade, fundamento de toda filosofia moral. O credo que aceita a Utilidade ou Princípio da Maior Felicidade como fundamento da moral, sustenta que as ações são boas na proporção com que tendem a produzir a felicidade; e más, na medida em que tendem a produzir o contrário da felicidade.

Entende-se por felicidade o prazer e a ausência de dor; por infelicidade, a dor e a ausência de prazer . [...] O prazer e a isenção de dor são as únicas coisas desejáveis [...] como fins; e [...] todas as coisas desejáveis [...] o são pelo prazer inerente a elas mesmas ou como meios para a promoção do prazer e a preservação da dor. (MILL, 1960, p. 29-30)

Da idéia de bem como sendo o que traz vantagens para muitos se deduziu até mesmo uma matemática ou cálculo moral. Estas tendências aparecem em muitas formulações éticas, principalmente numa corrente conhecida como pragmatismo. O pragmatismo, como doutrina ética, parece estar muito ligado ao pensamento anglo-saxão, tendo se desenvolvido muito nos países de fala inglesa, particularmente nos Estados Unidos, no último quarto do século passado.

Seus principais expoentes são o filósofo e psicólogo William James (1842-1910) e o filósofo educador John Dewey. O pragmatismo deixa de lado as questões teóricas de fundo, afastando-se dos problemas abstratos da velha metafísica e dedicando-se às questões práticas vistas sob uma ótica utilitária.

Procura identificar a verdade com o útil, como aquilo que melhor ajuda a viver e conviver. O Bom é algo que conduz a obtenção eficaz de uma finalidade, fim esse que nos conduz a um êxito. Dessa forma os valores, princípios e normas perdem seu conteúdo objetivo e o bem passa a ser aquilo que ajuda o homem em suas atividades práticas, variando conforme cada situação.

O pragmatismo pode bem ser o reflexo do progresso científico e tecnológico alcançado pelos Estados Unidos no apogeu de sua fase capitalista onde o "espírito de empresa", o "american way of life", criaram solo fértil para a mercantilização das várias atividades humanas. Existe um grande perigo embutido no pragmatismo, que é a redução do comportamento moral a atos que conduzam apenas ao êxito pessoal transformando-o numa variante utilitarista marcada apenas pelo egoísmo, rejeitando a existência de valores ou normas objetivas. Uma distorção muito comum em nossa sociedade capitalista é a busca da vantagem particular, onde o bom é o que ajuda meu progresso e o meu sucesso particular.

Para seguir adiante nesta investida temos que comentar a obra do filósofo francês Henri Bergson (1859-1941). Bergson distinguiu uma moral fechada e uma moral aberta. A fechada é o conjunto do que é permitido e do que é proibido para os indivíduos de uma sociedade, tendo em vista a autoconservação da mesma. Ela é imposta aos indivíduos e tem como finalidade tornar a vida em comum possível e útil a todos. "Ela corresponde no mundo humano ao que é instinto em certas sociedades animais, isto é, tende ao fim de conservar as próprias sociedades."

Do outro lado encontramos a moral aberta, nascida de um impulso criador supra-racional. É a moral do amor, da liberdade e da humanidade universal, que resulta de uma emoção criadora. Enquanto tal torna possível a criação de novos valores e de novas condutas em substituição àquelas vigentes segundo a moral fechada. É a moral dos profetas, dos inovadores, dos místicos, dos sábios e dos santos.

Graças sempre a eles, foi, e é possível, a instauração de uma nova ética em face da moral vigente. Na filosofia contemporânea, os princípios do liberalismo influenciaram bastante o conceito de ética, que ganha fortes traços de moral utilitarista. Os indivíduos devem buscar a felicidade e, para isso, fazer as melhores escolhas entre as alternativas existentes.

Para o filósofo inglês Bertrand Russel (1872-1970) a ética é subjetiva. Não contém afirmações verdadeiras ou falsas. É a expressão dos desejos de um grupo. Mas Russel diz que o homem deve reprimir certos desejos e reforçar outros, se pretende atingir a felicidade ou o equilíbrio.

Para finalizar consideramos ser de grande importância uma análise dos trabalhos de Habermas e John Rawls. Jurgem Habermas, filósofo alemão nascido em 1924, é professor da Universidade de Frankfurt.

Sua obra pretende ser uma revisão e uma atualização do marxismo, capaz de dar conta das características do capitalismo avançado da sociedade industrial contemporânea. Faz uma critica à racionalidade dessa sociedade, caracterizando-a em termos de uma "razão instrumental", que visa apenas estabelecer os meios para se alcançar um fim determinado.

Segundo sua análise, o desenvolvimento técnico e a ciência voltada apenas para a aplicação técnica acarretam na perda do próprio bem, que estaria submetido às regras de dominação técnica do mundo natural. É necessário, então, a recuperação da dimensão humana, de uma racionalidade não-instrumental, baseada no "agir comunicativo" entre sujeitos livres, de caráter emancipador em relação à dominação técnica.

Habermas percebeu a distorção dessa possibilidade de ação comunicativa, que produziu relações assimétricas e impediu uma interação plena entre as pessoas. A proposta de Habermas formula-se em termos de uma "teoria da ação comunicativa", recorrendo inclusive à filosofia analítica da linguagem para tematizar essas condições do uso da linguagem livre de distorção como fundando uma nova racionalidade.

Habermas busca uma teoria geral da verdade, segundo a qual o critério da verdade é o consenso dos que argumentam e defende a idéia de que argumentar é uma tarefa eminentemente comunicativa. Por isso, o "discurso intersubjetivo" é o lugar próprio para a argumentação. Somente se poderia aceitar como critério de verdade aquele consenso que se estabelece sob condições ideais, que Habermas chama de "situação ideal de fala".

Ou seja, a razão é definida pragmaticamente de tal modo que um consenso é racional quando é estabelecido numa condição ideal de fala. Para que isso seja possível, definiu uma série de regras básicas, cuja observação é condição para que se possa falar de um discurso verdadeiro. Essas regras são, em primeiro lugar, que todos os participantes tenham as mesmas chances de participar do diálogo, em segundo, que devem ter chances iguais para a crítica.

São formas de, quando uma argumentação tem lugar entre várias pessoas, a eliminação dos fatores de poder que poderiam perturbar a argumentação. Uma terceira condição seria que todos os falantes deveriam ter chances iguais para expressar suas atitudes, sentimentos e intenções. A quarta e decisiva condição afirma que serão apenas admitidos ao discurso falantes que tenham as mesmas chances enquanto agentes para dar ordens e se opor, permitir e proibir, etc.

Um diálogo sobre questões morais entre senhores e escravos, patrões e empregados, pai e filho, violaria, portanto as condições da situação ideal da fala. Lembramos que o "discurso autêntico" é aquele que ocorre com pessoas em situação igual, sob condições igualitárias do ponto de vista de participação no discurso. Habermas ainda defende o projeto iniciado pelo Iluminismo como algo ainda a ser desenvolvido e significativo para nossa época, desde que a razão seja entendida criticamente, no sentido do agir comunicativo.

John Rawls, em sua "Teoria da Justiça" (1971) afirma que a justiça não é um resultado de interesses, por públicos que sejam. Ele fala de uma justiça distributiva partindo de um "estado inicial" por meio do qual se pode assegurar que os acordos básicos a que se chega num contrato social sejam justos e eqüitativos.

A justiça é entendida como eqüidade por ser eqüitativa em relação a uma posição original que está baseada em dois princípios: a) cumpre assegurar para cada pessoa numa sociedade, direitos iguais numa liberdade compatível com a liberdade dos outros; b) deve haver uma distribuição de bens econômicos e sociais de modo que toda desigualdade resulte vantajosa para cada um, podendo, além disso, ter, cada um, acesso, sem obstáculos, a qualquer posição ou cargo.

A concepção geral de sua teoria afirma que, todos os bens sociais primários - liberdade e oportunidade, rendimentos e riquezas, e as bases de respeito a si mesmo devem ser igualmente distribuídas, a menos que uma distribuição desigual desses bens seja vantajosa para os menos favorecidos.

Acho, então, que era isto!!
Feitas as considerações, digressões e resgates dos temas e autores, nos resta seguir em frente, praticando os princípios da ética em nome de uma vida mais tranqüila e justa para todos.

Os textos acima podem ser encontrados na íntegra no link abaixo: http://tpd2000.vilabol.uol.com.br/etica1.htm