sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

O Homem Lúcido

"O homem lúcido sabe que a vida é uma carga tamanha de acontecimentos e emoções, que ele nunca se entusiasma com ela, assim como não tema a morte.

O homem lúcido sabe que o viver e o morrer são o mesmo em matéria de valor, posto que a vida contém tantos sofrimentos que a sua cessação não pode ser considerada um mal.

O homem lúcido sabe que ele é o equilibrista na corda bamba da existência. Ele sabe que, por opção ou acidente, é possível cair no abismo a qualquer momento, interrompendo a sessão do circo.

Pode, também, o homem lúcido optar pela vida. Aí, então, ele esgotará todas as suas possibilidades.

Ele passeará por seu campo aberto e por suas vielas floridas. Ele saberá ver a beleza em tudo.

Ele terá amantes, amigos, ideais. Urdirá planos e os realizará. Resistirá aos infortúnios e até às doenças. E, se atingido por algum desses emissários, saberá suportá-los com coragem e com mansidão.

E morrerá, o homem lúcido, de causas naturais e em idade avançada, cercado por seus filhos e pelos seus netos que seguirão a sua magnífica aventura. pairará, então, sobre a memória do homem lúcido uma aura de bondade. Dir-se-á: aquele amou muito. Aquele fez bem às pessoas.

A justa lei máxima da natureza obriga que a quantidade de acontecimentos maus na vida de um homem se iguale sempre à quantidade de acontecimentos favoráveis.

O homem lúcido, que optou pela vida, com o consentimento dos Deuses, tem o poder magno de alterar esta lei. Na sua vida, os acontecimentos favoráveis serão sempre a maioria.

Porque essa é uma cortesia que a natureza faz com os homens lúcidos."

Recebi este texto da minha querida amiga e colega Cassandra Coradin, como resultado das nossas ótimas conversas e reflexões sobre a vida e sobre a profissão. O texto é uma livre tradução, parte do Tratado Sobre a Lucidez, escrito no século VI a.C, na Caldeia – parte sul e mais fértil da Mesopotâmia, entre os rios Eufrates e Tigre.

terça-feira, 30 de novembro de 2021

Carta de Brasília

26 de novembro de 2021

Diante das profundas transformações ambientais pelas quais passa o planeta e, sobretudo, em face à pandemia da Covid-19, nós, arquitetas(os), urbanistas, paisagistas, profissionais atuantes em diferentes áreas da vida social, reiteramos nosso compromisso com a qualidade da produção dos espaços das cidades e, notadamente, com os direitos urbanísticos, individuais e coletivos. Nossa responsabilidade profissional demanda ampliar a ressonância dos resultados de pesquisas e estudos visando, principalmente, atender a sociedade civil e os atores alijados dos processos participativos e decisórios.

É crucial, contudo, fortalecer a relação entre arquitetura, sociedade e natureza em suas múltiplas dimensões: seja como ambiente físico e espaço de preservação dos bens naturais, seja como sedimentação das histórias de modos de vida essenciais para a sobrevivência de diferentes culturas. Como alertam comunidades e movimentos sociais nos espaços de discussão política, ambiental e jurídica, o rural e o urbano se interpenetram em paisagens naturais e construídas e estabelecem dinâmicas de complementaridade que rompem a lógica capitalista de segmentação entre campo e cidade, lembrando que rios, lagos e florestas são elementos essenciais para as relações e vivências dos povos.

Nesse momento de revisão de paradigmas, é urgente que se criem alternativas filosóficas e construtivas em prol de uma arquitetura humanizada, integrada ao seu meio físico, cultural e ambiental. Diante de tantas situações de destruição, trata-se não apenas de identificar, criticar e denunciar processos que impactam as condições locais que afetam vidas humanas em nível mundial, mas também instaurar novas práticas de concepção e de ação pública e política. 

No Brasil, neste novembro de 2021, vivenciamos um quadro de desmonte progressivo e acelerado de toda a estrutura de ensino e pesquisa construída ao longo das últimas décadas. O investimento em pesquisa está no menor patamar em anos, bolsas de pós-graduação foram cortadas, o orçamento das universidades federais foi drasticamente reduzido, colocando em risco seu funcionamento. Nossa grande área de conhecimento – as Ciências Sociais Aplicadas – tem sido atacada frontalmente pelo governo, soma-se a isso a fragilização das estruturas de estado voltadas para a esfera social e da cultura, exemplificada no cancelamento da realização do Censo Demográfico 2020. 

Vivemos novos e constantes desafios seja em nossos Programas de Pós-Graduação e atividades de ensino, pesquisa e extensão, seja no âmbito do Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG) e de ameaça à democracia e à liberdade de cátedra. Faz-se, portanto, imperioso, conservarmo-nos firmes e propositivos em nossas ações e missão social.

Vimos, assim, afirmar que a reflexão comum dos diferentes movimentos sociais associativos mostra que os conceitos de cidade, cidadania, educação, ciência e cultura não são abstratos. Acreditamos que esta é a hora de demonstrar a ação coletiva das associações e entidades no sentido de esboçar, formular e construir projetos e políticas para as diversas configurações das vidas urbanas em comum. 

Reiteramos, portanto, que no momento em que vivemos, dá-se a urgência da organização de segmentos da sociedade brasileira em grupos de reflexão e ação em termos de resistência e proposição.

Enfim, registre-se nosso compromisso e empenho comum em mantermo-nos em diálogo e interação, contribuindo no cotidiano dos indivíduos com os mundos que têm e com os quais sonham. 

ABAP – Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas

ABEA – Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

ANPARQ – Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura e

Urbanismo

ANPUR – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento

Urbano e Regional

ANTAC – Associação Nacional de Tecnologia no Ambiente Construído

AsBEA – Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura

BrCidades – Rede Brasil Cidades

CAU/BR – Conselho Nacional de Arquitetura e Urbanismo

DOCOMOMO BRASIL – Documentação e preservação de edifícios, sítios e unidades

de vizinhanças do Movimento Moderno

FASE Amazônia – Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional -

Amazônia

FCHSSALLA – Fórum de Ciências Humanas, Sociais, Sociais Aplicadas, Linguística,

Letras e Artes

FeNEA – Federação Nacional de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo do Brasil

FNA – Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas

FoPósGAU – Fórum de Coordenadores de Programas de Pós-Graduação em AU

Fórum Nacional de Entidades em Defesa do Patrimônio Cultural Brasileiro

GHabitar – Associação Portuguesa para a Promoção da Qualidade Habitacional

IAB-BR – Instituto de Arquitetos do Brasil

LePar – Laboratório de Estudos Sócio Antropológicos em Política, Arte e Religião

SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência

UNMP – União Nacional por Moradia Popular

7 Seminário Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo.

24, 25 e 26 de novembro de 2021

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Sol de Primavera

Compositores: Ronaldo Bastos e Beto Guedes

Quando entrar setembro
E a boa nova entrar nos campos
Quero ver brotar o perdão
Onde a gente plantou juntos outra vez

Já sonhamos juntos
Semeando as canções no vento
Quero ver crescer nossa voz
No que falta sonhar

Já choramos muito
Muitos se perderam no caminho
Mesmo assim, não custa inventar
Uma nova canção que venha nos trazer

Sol de primavera
Abre as janelas do meu peito
A lição sabemos de cor
Só nos resta aprender

Já choramos muito
Muitos se perderam no caminho
Mesmo assim, não custa inventar
Uma nova canção que venha nos trazer

Sol de primavera
Abre as janelas do meu peito
A lição sabemos de cor
Só nos resta aprender

sexta-feira, 14 de maio de 2021

Planejar, para descansar sem culpa

Texto publicado na Revista RFP n°2 - Revista Felipe Petrillo.
Uma revista de corrida feita por corredores.
ISBN: 978-65-00-22307-1


Planejar, para descansar sem culpa

Com muita frequência ouvimos dos gestores e dos governantes, como um vetor de motivação nos tempos de crise, a seguinte frase: “temos que fazer deste limão, uma limonada!”. Sempre senti um desconforto diante dela, principalmente, quando dita como um convite à superação. Não vejo precisão nesta frase por identificar nela uma dose exagerada de resignação e impotência e, diante disto, uma explícita provocação para se fazer muito com pouco. Meu sentimento inicial é de reconhecer uma falta de envolvimento mútuo com a causa, principalmente, por eximir quem a profere do compromisso e da responsabilidade com os investimentos necessários para se fazer aquilo que precisa ser feito, com planejamento e qualidade. Quando cito os investimentos, não me refiro unicamente ao dinheiro, enquanto moeda de intermediação e troca. Me refiro ao planejamento, ou neste caso, na falta dele.

Planejamento tem sua origem no latim Planus, cujo significado pode ser entendido como planificar, colocar no plano, e, com isto, permitir ao planejador uma visão ampla e completa dos vários elementos que constituem um problema. Quando falta o planejamento, vem o desespero do improviso e, infelizmente, surgem as frases prontas como ilusório vetor de falsa motivação.

Claro que entendo que fazer mais com menos é a base para uma atitude sustentável, quando feita com zelo e responsabilidade, e expressa uma boa dose de preocupação com a necessária economia de recursos financeiros e meios de produção, com o propósito de minimizar os impactos na economia e no meio ambiente.

Mas na maioria das vezes em que a frase é utilizada não se trata disto. Trata-se do eterno conflito entre Capital e Meios de Produção, onde quem tem mais, para obter mais ainda, faz uso da capacidade produtiva de quem tem menos. Esquecem, os que usam a frase como mantra de produtividade, que, com um limão podemos fazer apenas uma limonada para consumo próprio, enquanto que a crise nos exige justamente o contrário: usar, com inteligência coletiva e proativa, a nossa capacidade de planejar para inovar e empreender, experimentando e construindo estratégias de correção de rota e reversão da crise para todos. Isto se dá tanto na escala das grandes corporações, quanto na escala doméstica do dia a dia. Aceitar passivamente a crise, tendo que aumentar a produtividade apenas tendo como arma a metáfora do limão mágico e motivador, é um caminho exploratório que só faz aumentar a desigualdade.

Portanto, planejar é preciso! Se vamos levar a vida, sempre e somente, ao sabor do vento quando vemos estamos em território desconhecido, o que nem sempre é uma coisa ruim, mas viver apenas de horizontes incertos, também, tem sido um componente do atual sentimento de tensão e medo que acompanha a população diante da situação econômica atual e dos avanços da pandemia do Covid-19, ainda sem uma perspectiva de cura.

Planejar nos ajuda a entender a diferença entre o desejo, o sonho e a realidade. Enquanto que o desejo e o sonho são sentimentos de querer passivamente alguma coisa, a realidade é o conjunto de ações necessárias para se chegar lá. Quando conseguimos identificar esta sutil diferença, saímos da zona de conforto de apenas querer e esperar, para nos tornarmos protagonistas dos movimentos que efetivamente nos farão atingir o objetivo. Planejar é definir e desenhar estes movimentos reais e estas ações estratégicas na linha do tempo e do espaço.

Não há perda de romantismo no planejamento, como se transformássemos o viver num processo frio, mecanicista e previsível, pois a vida, sempre dinâmica, irá constantemente nos oferecer surpresas e novas perspectivas e, em consequência disto, nos exigir revisões no planejamento capazes de promover as devidas correções de rota ao longo do caminho. De certa forma, planejar é pegar aquele grande desafio que, por ser grande, assusta e se mostra inatingível e fragmentá-lo em pequenas partes, capazes de serem encaradas e resolvidas, também, com pequenos movimentos e atitudes.

O mágico deste processo de entender a vida como, parte aventura espontânea e parte planejamento estratégico é justamente a busca do equilíbrio que nos permite sermos leves como a pluma, mas sempre com o olhar preciso na direção e no movimento dos ventos, pois ajustar as velas sempre será uma tarefa necessária. Quando nos acostumamos a planejar, até mesmo as pequenas coisas, aprendemos a prever os imprevistos, deixando na linha do tempo das ações um espaço para algum problema ou evento inesperado, não visualizado previamente, que possa acontecer ainda em tempo hábil para ser analisado e resolvido.

Para acertar em cheio é preciso aceitar o imprevisto como parte do processo de planejamento. Me refiro, neste sentido, ao imprevisto – que podemos chamar de erro planejado – como componente das necessárias experimentações e que darão aos acertos o balizamento correto e os limites entre um resultado e outro. Acertar no planejamento, às vezes, é muito mais andar neste intervalo entre o erro e o acerto do que ter a precisão do alvo. Cada desafio aliado à nossa capacidade de absorver riscos, irá definir as margens seguras para o erro. Mas o erro planejado é parte do processo e exige coragem para o planejador não esmorecer diante da crítica. O erro é o registro das possibilidades, como muito bem a ciência e as grandes invenções têm nos demonstrado.

A experimentação e o erro, como parte do planejamento, estão no cerne dos processos criativos e no DNA das ideias que geraram as grandes revoluções no campo da ciência, da tecnologia e das artes. Muitos dos grandes feitos da ciência deram saltos quânticos justamente pelo evento do erro. Portanto, nestes momentos de economia retraída, não devemos ter medo de planejar, ousar e experimentar. Não devemos nos encolher e nos apequenar por medo de errar. Quando planejamos e consideramos os imprevistos no nosso planejamento, criamos os anticorpos para superá-los mais rapidamente do que quando somos pegos de surpresa. A vida nos mostra isso diariamente.

No fazer diário do meu ofício de arquiteto e urbanista e, também, de professor universitário, o planejamento é uma ferramenta necessária e muito eficaz. Em essência, o arquiteto e urbanista é o profissional do projeto e da obra, e projetar e construir alguma coisa que ainda não existe é puramente planejar. Seja a reforma de um pequeno espaço da casa, o desenho de um mobiliário especial, as edificações de qualquer tamanho ou função ou o projeto urbano de uma grande cidade.

Definimos e colocamos na linha do tempo as etapas de projeto e obra, o custo financeiro de cada uma delas e o momento exato em que um processo construtivo tem que estar pronto, para liberar o início de outro processo. Também, definimos quando teremos maior ou menor desencaixe financeiro e a sua síncrona vinculação com cada etapa da obra e com o calendário. Em paralelo, vamos dando a atenção necessária aos vários processos legais de aprovação e licenciamento tanto do projeto, quanto da obra. Somente quando fazemos este planejamento detalhado, nos sentimos seguros para executar mais do que um projeto e uma obra simultaneamente.

Na Universidade o planejamento é tudo. Tanto para o professor, quanto para o aluno. É tarefa do professor, construir a proposta pedagógica para um novo curso, um novo saber ou uma nova disciplina, elencar os conteúdos, definir os exercícios, ajustar o sistema de avaliação e construir o cronograma para as aulas. Quando o professor não faz isso, o aluno logo se dá conta do improviso e o descrédito toma conta da sala de aula. Também, o aluno necessita se planejar para aprender e atender os desafios das diversas disciplinas. Sempre incentivo os meus alunos ao prazer do exercício do planejamento, dizendo para eles: “quem planeja suas atividades acadêmicas poderá ter um final de semana de descanso, sem o desagradável sentimento de culpa por não estar trabalhando”. O resultado tem sido muito bom. Até hoje quando encontro antigos alunos eles fazem questão de me relatarem suas ótimas experiências com o planejamento estratégico na vida e no trabalho.

A certeza da importância do ato de planejar é sentida, também, noutras profissões e noutros tantos setores da nossa vida. O curioso, no entanto, é quando nos damos conta de que fazemos isso em nossas atividades profissionais, mas não temos o hábito salutar de planejar a nossa vida. Pode ser pela falta de definição das prioridades, pois definir prioridades é planejar. Pode ser porque, às vezes, damos mais importância para o trabalho do que para o convívio familiar. Quando vemos, nossos filhos cresceram, nossos pais envelheceram, alguns amigos se foram, perdemos aquela oportunidade de trabalho, deixamos de fazer aquela viagem, nos damos conta de que os nossos olhos perderam um pouco daquele frescor juvenil e nos vemos diante dos eternos lamentos sobre o quanto deveríamos ter feito mais isso e menos aquilo.

Fortaleci muito a experiência de planejar a vida, além do trabalho, quando resolvi fazer uma atividade física. A correria do trabalho no escritório e na Universidade, aliada a administração dos assuntos de família e a falta de um regramento relacionado à saúde, me fizeram sentir a necessidade urgente de ter uma válvula de escape para as tensões diárias. Nunca fui um praticante adepto aos esportes coletivos, por pura falta de habilidade com a bola, e, também, não me sentia feliz dentro de uma academia, fazendo aquelas exaustivas e necessárias séries infinitas de repetições dos exercícios.

Foi quando conheci e me envolvi com a corrida de rua. Me soava bem esta atividade por não requerer grandes investimentos financeiros iniciais e por me permitir praticá-la nos intervalos entre as minhas atividades de trabalho. Da decisão tomada em começar a correr até a primeira corrida, passaram-se 12 meses. Então, me dei conta de que não existiam os tais intervalos entre as atividades profissionais. Uma atividade estava precisamente interligada na outra, sem espaço inclusive para os imprevistos e sem espaço para uma alimentação saudável. E sempre havia uma desculpa para não calçar o tênis e correr. Então, recebi o convite e a motivação que me faltavam, numa conversa com o meu ex-aluno e grande amigo Júlio Rabelo, para entrar no grupo de corrida que ele fazia parte.

Mais uma vez planejar foi fundamental, afinal de contas, havia as corridas de rua duas vezes na semana e o, por mim, temido treino técnico para reforço muscular. Jamais direi para as pessoas para praticarem a corrida. Correr não é uma coisa natural que o organismo aceita bem. Dói, os músculos e as articulações reclamam, cansa, requer técnica, treinamento, repetições, disciplina, equipamentos adequados e a abertura de um tempo na agenda apertada para valer a pena. Me reservo a dizer para quem me pergunta como é correr: “a corrida mudou a minha vida”. E mudou para melhor!

A saúde não vinha bem, estava muito acima do peso, minha respiração era sempre ofegante e, até mesmo, as simples atividades domésticas geravam um grande cansaço.  Com o planejamento, com a seriedade necessária para executar os desafios da corrida, com o apoio da família, com a qualificada orientação do professor e com a energia positiva e motivadora do grupo, consegui em 10 meses aprender os rudimentos da técnica, entender a importância do equipamento certo, revisar o valor energético e nutritivo dos alimentos, entender a importância da hidratação, melhorar a minha capacidade cardiorrespiratória, voltar ao peso adequado para a minha altura e completar a minha primeira meia maratona. Ainda hoje me surpreendo com isso.

Passados 5 anos da entrada no grupo de corrida outros aprendizados foram se incorporando como, não ter pressa para chegar (ver artigo na RFP n°1 - Páginas 9/16), movimentar corretamente o corpo, ajustar a respiração, cuidar com o trânsito e com as irregularidades do piso, dar ao organismo o tempo adequado para o descanso e para a correta recuperação muscular, ter os necessários cuidados gerais com a alimentação, monitorar contínua e responsavelmente os exames periódicos de saúde, entre outros. Cada vez que corro, consigo colocar muitos pensamentos perdidos em seus devidos lugares. Naquele momento sou eu com os meus pensamentos, minhas passadas sincronizadas com a respiração, com a postura e com o movimento adequados do corpo, com as paisagens do trajeto, com as coisas que eu fiz e ainda tenho que fazer ao longo da semana, e o tempo parece que voa.

Para não ser vencido pela preguiça e pelo cansaço, que são mecanismos naturais de autodefesa do organismo contra o ato de correr, tudo isso requer muito planejamento. Mais planejamento do que força de vontade. Monitorar a previsão do tempo, organizar os roteiros para as corridas de rua, treinar e participar das competições, revisar a alimentação, cuidar da hidratação, checar o equipamento, entre outras tarefas prazerosas do corredor. Então, nos damos conta de que a corrida envolve, pelo menos, 3 etapas: planejar, correr e descansar sem sentimento de culpa.

Portanto, menos improviso, mais planejamento, menos crença naquilo que não depende de nós, mais atitude e coragem para tudo que está dentro e depende de nós. Somos o que sabemos, acreditamos, pensamos e propagamos, mas seremos sempre lembrados pelo que fazemos. Planejem, mexam-se, sejam felizes e deixem as metáforas e os limões em paz.

terça-feira, 6 de abril de 2021

Teletrabalho, Zoom e depressão

O filósofo Byung-Chul Han diz que exploramos a nós mesmos mais do que nunca.
Por Byung-Chul Han | El País
Publicada em 23/03/2021

O coronavírus acelera alguns males de nosso tempo. As videoconferências não trazem a felicidade do contato direto, desaparecem os rituais e os espaços comuns. O pensador sul-coreano Byung-Chul Han escreve para o El País um ensaio em que nos convida a aproveitar a crise para uma revisão radical do nosso modo de vida.

O vírus SARS-CoV-2 é um espelho que reflete as crises de nossa sociedade. Faz com que os sintomas das doenças que nossa sociedade sofria antes da pandemia se destaquem com ainda mais força. Um desses sintomas é o cansaço. De uma forma ou de outra, todos nos sentimos hoje muito cansados e extenuados. É um cansaço fundamental, que acompanha de forma permanente e em toda a parte a nossa vida como se fosse a nossa própria sombra. Durante a pandemia, nos sentimos até mais esgotados ainda do que de costume. Até a inatividade a que o confinamento nos obriga nos causa fadiga. Não é a ociosidade, mas o cansaço, que impera em tempos de pandemia.

Em meu ensaio Sociedade do cansaço, publicado pela primeira vez há 10 anos, descrevi a fadiga como uma doença da sociedade neoliberal do rendimento. Nós nos exploramos voluntária e apaixonadamente, acreditando que estamos nos realizando. O que nos esgota não é uma coerção externa, mas o imperativo interno de ter que render cada vez mais. Nós nos matamos para nos realizarmos e nos otimizarmos, nos esmagamos à base de ter um bom desempenho e fazer uma boa imagem.

Na sociedade neoliberal do rendimento ocorre uma exploração sem autoridade. O sujeito forçado a render, a explorar a si mesmo, é ao mesmo tempo senhor e escravo. Por assim dizer, cada um carrega consigo seu próprio campo de trabalhos forçados. O que é peculiar neste campo de trabalhos forçados é que a pessoa é ao mesmo tempo prisioneira e vigia, vítima e criminosa. Nisso difere do sujeito obediente da sociedade disciplinar, que Foucault descreve em seu livro Vigiar e Punir. Mas Foucault não se deu conta do surgimento da sociedade neoliberal do rendimento, na qual nos exploramos voluntariamente.

O que caracteriza o sujeito desta sociedade, que quando forçado a render explora a si mesmo, é o sentimento de liberdade. Explorar a si mesmo é mais eficaz do que ser explorado por outros, porque envolve a sensação de liberdade. Kafka já expressara com muita exatidão essa liberdade paradoxal do servo que se acredita amo. Um de seus aforismos diz: “O animal arranca o chicote do dono e chicoteia a si mesmo para ser amo, sem saber que isso nada mais é do que uma fantasia gerada quando na correia do chicote do amo se formou um novo nó”. Esse animal que açoita a si mesmo encarna o sujeito forçado a render e que, explorando a si mesmo, se imagina livre.

O sinistro sobre o SARS-CoV-2 é que os contagiados padecem de extremo esgotamento e abatimento. Além disso, cada vez mais se ouvem casos de pacientes que, mesmo depois de curados, continuam sofrendo graves sequelas. Uma delas é a síndrome da fadiga, que pode muito bem ser descrita com a frase quando a bateria não recarrega mais. As pessoas afetadas não são mais capazes de render nem de trabalhar. É difícil para elas até mesmo encher um copo de água. Quando caminham têm que parar constantemente, porque se sentem sufocadas. Sentem-se cadáveres vivos. Um paciente explica: “É como quando o celular só tem 4% de bateria sobrando e com esses 4% você tem que aguentar o dia todo, sem poder recarregá-lo”.

Enquanto isso, o vírus não esgota apenas os infectados, mas também os saudáveis. Em seu ensaio Pandemia: a covid-19 e a reinvenção do comunismo, Slavoj Žižek dedica um capítulo inteiro à questão “Por que estamos sempre cansados?”. Nesse capítulo, Žižek analisa em detalhes meu ensaio Sociedade do cansaço, que ele descreve de forma muito lisonjeira como uma “obra-prima”, e ao qual faz uma objeção ao dizer que não é que a exploração por outros tenha dado lugar à autoexploração, mas que se terceirizou para os países do Terceiro Mundo. Concordo com Žižek. Isto é o que acontece. Sociedade do cansaço descreve a sociedade neoliberal do Ocidente e não os trabalhadores das fábricas chinesas. Estes eu não diagnosticaria como autoexploração. Mas, por outro lado, o que eu chamaria de mentalidade neoliberal também se propaga no Terceiro Mundo por meio das redes sociais. Também aí os homens se isolam e se tornam narcisistas. Como todos os demais, assimilam o mantra neoliberal: quem fracassa, o faz por sua culpa. Acusam a si mesmos e não à sociedade. Em maior ou menor grau, as redes sociais fazem de cada um de nós um produtor, um empresário de si mesmo. Globalizam o estilo de vida neoliberal.

Žižek não analisa esse cansaço fundamental, que não afeta mais apenas a sociedade ocidental, como também parece representar um fenômeno global. Claro, a fadiga não vem só da pressão interna, mas também da pressão externa; não só a autoexploração esgota, também a exploração por outros. As condições mundiais de produção, a própria pressão para crescer e produzir extenua a todos nós. Há, no entanto, uma passagem em que Žižek parece se entusiasmar com a minha tese de autoexploração, quando escreve: “[Pessoas que trabalham à distância] parecem arranjar ainda mais tempo para ‘explorar a si mesmas’”. Assim, em tempos de pandemia, o campo neoliberal de trabalhos forçados é chamado de teletrabalho.

O home office também cansa, ainda mais do que trabalhar no escritório. Causa tanto cansaço principalmente porque carece de rituais e estruturas temporárias fixas. É esgotante trabalhar sozinho, passar o dia todo sentado de pijama na frente da tela do computador. Também ficamos exaustos com a falta de contatos sociais, a falta de abraços e de contato corporal com os outros. Meu livro Do desaparecimento dos rituais foi publicado na Alemanha antes da pandemia. Nele descrevo nosso presente a partir da tese do desaparecimento dos rituais. Hoje estamos perdendo as estruturas temporárias fixas, inclusive as arquiteturas temporárias, que dão estabilidade à vida. Além disso, os rituais geram uma comunidade sem comunicação, enquanto o que predomina hoje é a comunicação sem comunidade. A mídia social e a permanente encenação do ego nos esgotam porque destroem o tecido social e a comunidade.

Também aqui se confirma de novo a tese de que o vírus é o espelho da sociedade e agrava suas crises. O vírus acelera o desaparecimento dos rituais e a erosão da comunidade. Mesmo aqueles rituais que ainda restavam são eliminados, como ir ao futebol ou a um show, sair para comer em um restaurante, ir ao teatro ou ao cinema. A distância social destrói o social. O outro se tornou um potencial portador do vírus, do qual devo manter distância. O vírus radicaliza essa expulsão do diferente que antes mesmo da pandemia diagnostiquei muitas vezes. Na verdade, o vírus atua como um amplificador das crises de nossa sociedade. Todas as crises sociais que eu já havia detectado agora se agravaram.

Também nos esgotamos com as lives permanentes, que nos transformam em videozumbis. Acima de tudo, elas nos obrigam a nos olharmos o tempo todo no espelho. É cansativo contemplar a própria cara na tela, estamos o tempo todo diante de nossa própria cara. Não deixa de ser uma ironia que o vírus tenha surgido justamente na época das selfies, que se explicam sobretudo por esse narcisismo que se espalha pela nossa sociedade. O vírus potencializa o narcisismo. Durante a pandemia todo mundo se confronta, sobretudo, com a própria cara. Diante da tela fazemos uma espécie de selfie permanente.

O videonarcisismo tem efeitos colaterais absurdos: desencadeou um boom nas cirurgias estéticas. Ver uma imagem distorcida ou borrada na tela faz com que as pessoas duvidem da própria aparência. Quando a tela tem boa definição, de repente percebemos rugas, queda progressiva de cabelo, manchas na pele, bolsas lacrimais ou outras alterações cutâneas pouco estéticas. Durante a pandemia, as pesquisas relacionadas a operações estéticas se multiplicaram no Google. Em tempos de confinamento, os cirurgiões plásticos ficam sobrecarregados com a demanda por intervenções para eliminar os sinais de fadiga. Enquanto isso, já se fala em videodismorfobia. O espelho digital faz com que as pessoas caiam em dismorfofobias, ou seja, prestem atenção exagerada a possíveis defeitos na aparência corporal.

O vírus radicaliza o delírio da otimização, que antes mesmo da pandemia nos deixava frenéticos. Também nisso o vírus é o espelho da nossa sociedade e, no caso da videodismorfobia, não só no sentido metafórico, como também no sentido mais literal: um espelho que faz com que nos desesperemos ainda mais com a própria aparência. Também a videodismorfobia nos cansa muito. É um fenômeno derivado da distopia digital.

O governo alemão tem enfatizado repetidamente que a pandemia finalmente deu à digitalização o impulso necessário, que libertou o país de seu vergonhoso atraso digital. Quando se trata de digitalização, a Alemanha é de fato um país líder do Terceiro Mundo, o que, pessoalmente, não me incomoda. Adoraria morar em uma área sem cobertura de internet e me dedicar à jardinagem. Para mim seria uma maravilha. Em meu livro Louvor da Terra conto como me sinto feliz por passar um tempo no jardim, alheio ao paroxismo da comunicação digital. Agora, graças à pandemia, a Alemanha finalmente está entrando no primeiro mundo. Alguém poderia dizer que a digitalização é hoje um fim em si mesma. Afinal, já sabemos que os políticos não gostam de pensar. Eles também não estão interessados em saber o que é uma vida boa. Aparentemente, sua máxima suprema é o crescimento. Na realidade, deveriam estar muito preocupados com o fato de que a digitalização mina as bases da democracia com as notícias falsas, os bots nas redes sociais ou os exércitos de trolls.

No delírio do crescimento, sempre se esquece que os efeitos secundários da digitalização que a pandemia põe em relevo são justamente os negativos. A comunicação digital é uma comunicação bastante unilateral, que não se transmite com o corpo ou através de olhares e que, portanto, é bastante limitada. A pandemia faz com que se estabeleça como padrão esse tipo de comunicação, que em si mesma é tão desumana. A comunicação digital nos esgota muito. É uma comunicação sem ressonância, uma comunicação que não nos traz felicidade. Em uma videoconferência, por razões puramente técnicas, não podemos nos olhar nos olhos. Cravamos o olhar na tela. É exaustivo para nós a falta do olhar do outro. Espero que a pandemia nos faça perceber que a mera presença corporal do outro já tem algo que nos faz sentir felizes, que a linguagem implica uma experiência corporal, que um diálogo bem-sucedido pressupõe um corpo, que somos seres corporais. Em Do Desaparecimento dos Rituais eu apontei acima de tudo a dimensão corporal dos rituais.

“Rituais são processos de incorporação e encenação corporal. As ordens e os valores vigentes em uma comunidade são vivenciados e se consolidam no corpo. São consignados no corpo, são incorporados, ou seja, são assimilados corporalmente. Desse modo, os rituais geram um saber corporificado e uma memória corpórea, uma identidade corporificada, uma compenetração corporal. A comunidade ritual é uma corporação. A comunidade como tal tem uma dimensão corporal que lhe é inerente. A digitalização enfraquece o vínculo comunitário na medida em que tem um efeito decorporizador. A comunicação digital é uma comunicação descorporizada.”

Mesmo antes da pandemia, disseminava-se a histeria pela saúde. O que mais nos preocupa hoje é sobreviver, como se estivéssemos em permanente estado de guerra. Na luta pela sobrevivência, a questão da qualidade de vida não se coloca. Todas as forças vitais são aplicadas para prolongar a vida a qualquer custo. No livro La Sociedad Paliativa, que será publicado na Espanha em 20 de abril (Editora Herder), descrevo nossa sociedade atual como uma sociedade da sobrevivência. Diante da pandemia, a luta encarniçada pela sobrevivência experimenta uma radicalização viral. A guerra contra o vírus intensifica a luta pela sobrevivência. O vírus transforma o mundo em uma quarentena em que a vida fica completamente estagnada, transformada em sobrevivência. A saúde é elevada a objetivo supremo da humanidade.

A sociedade de sobrevivência perde completamente a capacidade de valorizar a qualidade de vida. Até o prazer é sacrificado no altar de uma saúde entronizada como objetivo em si mesma, que Nietzsche já chamava de “nova deusa”. Também a proibição rigorosa de fumar remete à histeria para sobreviver. A sobrevivência deve substituir o prazer. Aqueles que se preocupam unicamente em sobreviver não podem desfrutar. O prolongamento da vida acaba se tornando o valor supremo. Sacrificamos voluntariamente pela sobrevivência tudo o que torna a vida digna de ser vivida. Em vista da pandemia, também se acata sem discussão a restrição radical dos direitos fundamentais. Aceitamos sem questionar o estado de exceção, que reduz a vida à pura sobrevivência. Sob o estado de exceção viral, nós voluntariamente nos confinamos e nos colocamos em quarentena.

Os coreanos chamam de corona blues o estado depressivo que se espalhou durante a pandemia. Durante a quarentena, sem contato social, agrava-se a depressão, que é a verdadeira pandemia do presente. Sociedade do Cansaço começa com o seguinte diagnóstico:

“Cada época tem suas doenças emblemáticas. Assim, há uma era bacteriana que, no entanto, chega ao fim com a descoberta dos antibióticos. Apesar do medo manifesto da pandemia gripal, atualmente não vivemos na era viral. Nós a deixamos para trás graças à técnica imunológica. O início do século XXI, do ponto de vista patológico, não seria nem bacteriano nem viral, mas neuronal. Doenças neuronais como a depressão, o transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), o transtorno de personalidade borderline (TPB) ou a síndrome de burnout (esgotamento profissional) definem o panorama patológico neste início de século.”

Em breve teremos vacinas suficientes contra o vírus. Mas não haverá vacinas contra a pandemia global da depressão. Na Coreia do Sul, muitos milhares de pessoas cometem suicídio todos os anos. A principal causa é a depressão. Em 2018, cerca de 700 estudantes tentaram suicídio. A mídia, entretanto, fala de um “massacre silencioso”. Em contraste, cerca de 1.700 pessoas morreram de covid-19 até agora na Coreia do Sul. A pandemia também agrava o problema do suicídio. Desde que a pandemia irrompeu, a taxa de suicídio na Coreia aumentou vertiginosamente. Parece que o vírus é um catalisador da depressão. No entanto, em nível mundial, muito pouca atenção ainda é dada às consequências psíquicas da pandemia.

A depressão é um sintoma da sociedade do cansaço. O sujeito forçado a render sofre de síndrome de esgotamento profissional a partir do momento em que sente que não consegue mais. Fracassa por culpa das exigências de desempenho que impõe a si mesmo. A possibilidade de não conseguir mais o leva à autorrepreensões destrutivas e à autoagressão. O sujeito é forçado a travar uma luta contra si mesmo e sucumbe a isso. Nesta guerra travada contra si mesmo, a vitória é do desgaste do trabalho.

O vírus SARS-CoV-2 sobrecarrega nossa sociedade do cansaço, radicalizando suas distorções patológicas. Ele nos mergulha em um esgotamento coletivo e, por isso, também poderia ser chamado de vírus do cansaço. Mas o vírus é também uma crise no sentido etimológico de krisis, que significa “ponto de inflexão”: ao fazer-nos um chamado urgente à mudança do nosso modo de vida, poderia também provocar a reversão desta precariedade. Só conseguiremos isso, claro, se sujeitarmos nossa sociedade a uma revisão radical, se pudermos encontrar uma nova forma de vida que nos torne imunes ao vírus do cansaço.

quinta-feira, 1 de abril de 2021

Ditadura Nunca Mais

31 de Março de 2021
57 Anos do Golpe Militar: que a História não se repita.

"A História se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa."
Karl Marx

Desde o golpe de 2016, têm se tornado constantes as ameaças de instauração de um novo regime autoritário, à semelhança da ditadura militar instaurada na madrugada de 1º de abril de 1964, imergindo o país numa noite que só teria fim em 1985. Ainda no período anterior àquele golpe, foram contundentes os ataques aos que procuraram trazer a necessidade das reformas de base.

A rápida industrialização e urbanização brasileira, sem o rompimento com um modelo de sociedade baseado no latifúndio e na escravidão, trouxeram à tona a necessidade de se buscar o enfrentamento da crescente desigualdade. A implantação das reformas agrária, urbana e educacional poderiam ter alçado o país a outro patamar de desenvolvimento.

No entanto, a interrupção da trajetória democrática levou ao banimento político, prisões e morte dos que se insurgiram contra o regime autoritário. Para citar os casos de arquitetos e urbanistas, entre tantos perseguidos políticos, muitos foram expurgados das universidades públicas, muitos foram perseguidos, presos, torturados, exilados ou mortos pela ditadura.

Aos 57 anos do golpe de 1964, forjado por setores militares e civis, com apoio internacional, retorna à pauta política a exposição do país a medidas que trazem tristes memórias. A presença de militares em cargos estratégicos do governo federal e o uso da Lei de Segurança Nacional (LSN) são alguns dos exemplos de como, mesmo após a Constituição de 1988, ainda temos heranças de um período em que a violação do Estado Democrático de Direito era a ordem vigente.

Nos primeiros meses de 2021, recrudescem a censura e a repressão a opositores do governo, com processos judiciais e prisões arbitrárias em franco atentado à liberdade de expressão e de manifestação.

Em meio à tragédia sanitária da pandemia da Covid-19, que já contabiliza mais de 300 mil mortos, crescem as manifestações sobre a falta de prioridade por parte do Governo Federal para a Saúde Pública e a vacinação massiva da população, bem como a redução do auxílio emergencial para milhões de desalentados com a queda na atividade econômica e aumento do desemprego.

Sob a pretensa alegação de que o empobrecimento da população está relacionado às medidas de isolamento para conter a propagação do vírus, e não como resultado das políticas de redução do investimento público, cria-se uma situação limite para forçar ameaças de intervenção militar nos governos locais e até mesmo nas esferas do legislativo e do judiciário.

De forma a homenagear os que lutaram para que a democracia pudesse ser restabelecida, mas também alertar para os riscos de ameaças contra o Estado Democrático de Direito, chamamos à mobilização para que a História não se repita. Nesta data, em que não cabem comemorações, mas reflexão sobre o que o país já viveu e sobre o que estamos vivendo.

31 de Março de 2021.

FNA – Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas
IAB – Instituto de Arquitetos do Brasil
ABAP – Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas
ABEA – Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo
FeNEA – Federação Nacional de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo

segunda-feira, 29 de março de 2021

320 Mil

Não há o que não haja no Brasil.

No final das contas, neste momento, o Presidente está embretado entre o mar e o rochedo. Ele tem a consciência de que deve mudar a sua posição midiática em favor de maiores cuidados com a população, mais investimento em ciência e pesquisa, mais hospitais, mais postos de saúde, mais vacinas, mais investimentos sociais, mais oportunidades de trabalho, etc.

O senado, a câmara e os grandes empresários do país já deram nesta semana, em discursos e cartas abertas, o sinal de basta.

Mas ele sabe também que ao mudar o seu discurso e as suas ações para dar proteção, acolhimento social e imunidade clínica para todos, estará liberando o povo para as grandes manifestações populares e coletivas de rua pró impeachment e contra a sua tentativa de reeleição em 2023.

Neste “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come” quem perde somos nós que vamos sendo cerceados dos nossos direitos de liberdade plena e acesso aos direitos constitucionais que são responsabilidades do Estado. Em consequência disto, vemos nossas reservas financeiras se esgotando e a curva da pandemia crescendo absurdamente e sem controle, num abre e fecha movido pela pressão da política no período das eleições ou da indústria e do comércio que precisa faturar nas datas comemorativas, no verão, no carnaval, e por aí vai.

A classe media e a elite brasileira, na maior parte das vezes descolada das mazelas brasileiras, num desespero anti Lula e anti corrupção colocou a "raposa no galinheiro", mesmo sabendo que a corrupção não acabaria e que este desgoverno iria acontecer pela falta de cérebro deste Presidente, independentemente da pandemia.

Aliás, se esta criatura tivesse um mínimo de capacidade para pensar o bem, mesmo não tendo sido abençoado com a cultura e a inteligência, teria usado a pandemia em seu favor acolhendo e protegendo a sua população! Ao invés disso, agrediu todos ao seu redor, ricos e pobres, seus eleitores ou não, tornando-se o ser desprezível que é e colocando o Brasil no cenário internacional como o berço da incompetência de gestão de um país.

O RS e Porto Alegre que sempre se orgulharam da sua auto-intitulada superioridade intelectual não ficaram para trás, sendo notícia nos jornais internacionais como exemplo de incompetência administrativa e gestão de crise.

Quase 320 mil mortes e a polução ainda grita gol.
Ainda grita mito.
Acorda Brasil!
#somos70porcento!