segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Educar é ensinar a criar um mundo, não a adaptar-se a ele

Em meio ao avanço do pragmatismo liberal, educar alunos para focar apenas na técnica visando o lucro acima de qualquer coisa e deixando a formação humana de lado é a verdadeira miséria do ensino. A posição foi defendida durante live promovida no Fórum Saergs no Mundo do Trabalho na noite desta terça-feira (3/11). Conduzido pelo diretor do Saergs Rodrigo Barbieri, o debate contou com os arquitetos e urbanistas e professores Bruno Mello (Ufrgs) e Paulo Ricardo Bregatto (PucRS/CauRS).
Segundo Bruno Mello, o papel essencial das universidades é ensinar ideias substantivas ao lado de conhecimentos técnicos de forma a evitar um adestramento dos estudantes. “Para que a gente forma pessoas? Para que se adaptem ao mercado e sejam eficientes à produção? Isso pode incapacitar as pessoas a encontrar uma razão para sua própria atuação profissional”, alertou o professor. E foi além: segundo ele é preciso “formar pessoas para criar um mundo não para se adaptar ao mundo”. O professor da maior instituição pública de ensino gaúcho alertou que, infelizmente, hoje existem as universidades e “as fábricas produtoras de diploma”. De acordo com ele, a mercantilização do ensino colocou o futuro das instituições na mão de gestores, onde quem dita as normas pedagógicas é o RH. “Quanto vale o conhecimento de um professor com 30 anos de experiência e vários livros publicados? O Rh vai dizer que esse cara é caro. Quanto vale o conhecimento?”, questionou, lembrando que o Brasil vive uma realidade de ataque ao conhecimento. A própria expansão do limite de EAD nos cursos de Arquitetura e Urbanismo, que no governo Jair Bolsonaro foi ampliado de 20% para 40%, vem gerando um novo dilema. Apesar de venderem a ideia de popularização do ensino e do encurtamento de distâncias, para Mello, um EAD que não seja emergencial – como o vivido agora em tempos de pandemia – é danoso para as relações humanas e tira dos estudantes e professores a possibilidade de uma interação e troca de ideias essenciais na formação de arquitetos e urbanistas preparados para construir cidades mais democráticas e uma sociedade mais humana. Além disso, o EAD está relacionado unicamente, disse ele, à política de redução de custos e aumento de lucro. “O capitalista agora não precisa mais nem ser dono dos meios de produção. Ele já transferiu esse ônus ao trabalhador. Ele só precisa ter os meios de comunicação. O ensino vai virar um APP”, ponderou. Essa realidade, alerta ele, não diz respeito só ao ensino, mas a um movimento de transformar o “trabalho vivo em trabalho morto”. Mello ainda alertou para a falta de amparo à propriedade intelectual das aulas de EAD. Pagos para produzir disciplinas a distância, os professores não recebem pela reprodução, como ocorre com os artistas com o Ecad. “Em um semestre o professor produz a disciplina, que vai ser reproduzida milhares de vezes”.

Consciente de que é para os ateliês de projeto nas universidades que convergem os saberes essenciais para a formação dos arquitetos e urbanistas, Paulo Ricardo Bregatto defendeu o ensino como vetor de desenvolvimento humano e social em contraponto à política de cortes de investimentos na educação que insiste em propagar a miséria em todos os níveis da educação. Segundo ele, a precarização do ensino está atrelada diretamente ao modelo de negócio atual da educação baseado no ensino de massa, padronização das informações e saberes, mensalidades baixas e redução dos custos com infraestrutura e professores.

O professor destaca ainda que o ensino não pode ser tratado como mercadoria, tampouco o estudante ser tratado como cliente. Bregatto mencionou que universidades são empresas, independentemente de serem públicas ou privadas. O problema, alertou ele, é elas serem empresas mau gerenciadas. “Uma Universidade que for uma boa empresa, deve desenvolver um produto de qualidade, que tenha na sua linha de frente os melhores professores para ter a melhor capacidade de manutenção dos seus estudantes e competência para prospecção de novos.

Os professores também debateram os impactos da pandemia no ensino de Arquitetura e Urbanismo principalmente frente às desigualdades tecnológicas, sociais e financeiras e às novas tarefas delegadas aos profissionais de ensino. Atualmente o detentor do capital (gestores das IES) não precisa mais dispor da infraestrutura e dos meios de produção que foram transferidos totalmente ao professor, ponderou Bregatto.

O professor chamou atenção para o fato de que, em algumas instituições de ensino, a transposição do presencial para o online na pandemia foi natural e sem dificuldades para sua implantação, algo que deve ser analisado e questionado. “Será que a própria essência do ensino e da formação dos novos profissionais já não vinha se precarizando e encontrou solo fértil para que a mudança acontecesse?”. E ponderou que isso mostra a necessidade de ir além das questões relacionadas ao EAD/ERE, reforçando o debate sobre os currículos das escolas, a formação da nova geração de profissionais, o mundo do trabalho e principalmente a função social da profissão. “Agora, estamos afastados de nosso espaço de produção, da cidade, das bibliotecas, do canteiro de obras experimental, das saídas de campo e das visitas aos espaços reais onde sempre trabalhamos. Quem são os novos profissionais que vamos formar?”, questionou, alertando para um debate emergente sobre a formação profissional.

Bregatto destaca ainda que o ERE está impondo um reducionismo na forma de comunicação (visual, verbal, corporal, gráfica) entre o professor e os estudantes e que a massificação das aulas online e videoaulas está nos levando para uma perda da identidade das formações universitárias (formação ou Deformação?).

Para fomentar esse debate, Bregatto sugere que os sindicatos trabalhem para aglutinar o público fragmentado por força do distanciamento social. “Alunos, professores, gestores, entidades de classe, CAU e MEC, todos temos que buscar a união para furar as barreiras das dificuldades de comunicação para alinhar o discurso e aproximar os interlocutores em prol dos interesses reais da profissão. Precisamos aglutinar forças para ter tranquilidade de avaliar e planejar os rumos da formação. As IES ficam 5 anos com os estudantes e a sociedade, o mercado de trabalho, as entidades de classe e o conselho ficam 50 anos. Somente isso já seria um indicativo da necessidade de buscarmos um compartilhamento das decisões sobre os rumos da nossa formação.”

O Fórum Saergs no Mundo do Trabalho é um seminário virtual promovido pelo Sindicato dos Arquitetos no Estado do RS. A agenda tem o patrocínio do CAU/RS e apoio da FNA, IAB, Fenea e CUT.

Live promovida pelo SAERGS 03 de novembro de 2020
http://saergs.org.br/blog/2020/11/04/educar-e-ensinar-a-criar-um-mundo-nao-a-adaptar-se-a-ele/

quarta-feira, 1 de julho de 2020

Correr, para não ter pressa!

Texto publicado na Revista RFP - Revista Felipe Petrillo
Uma revista de corrida feita por corredores
ISBN: 978-65-00-05619-8



Correr, para não ter pressa!

Pode parecer um paradoxo. Como pode alguém se deslocar com rapidez sem ter pressa para chegar, se é justamente o desejo de chegar que nos faz correr? Mas a provocação é justamente essa: desacelerar para termos a oportunidade de curtir e perceber a beleza do caminho, mais que a exaustão da chegada. Estamos presenciando transformações agudas no mundo atual. Reformas sociais e trabalhistas, reciclagem das legislações, inovações científicas, descobertas históricas, evoluções tecnológicas, entre outras. No entanto, os indicadores que medem a qualidade de vida e o nível de alegria e satisfação das pessoas têm apresentado dados preocupantes: as pessoas não estão felizes.

Avançamos e evoluímos em muitos setores da vida, mas não estamos sendo eficazes em transformar estes avanços e estas evoluções em valor agregado capaz de permitir para todos uma vida tranquila e menos acelerada. Fatores essenciais como acesso ao trabalho, saúde, educação, segurança e lazer estão distantes da população e a crise econômica, ampliada pelos reflexos da pandemia do Covid-19, parece ampliar ainda mais a sensação angustiante, desumana e perversa de desamparo e desigualdade.

Muitos destes avanços - pelo menos em escalas relativas - tem nos tirado da linha de risco da fome, doenças e guerras, mas este texto não trata destes avanços em grande escala universal. Trata da escala do dia a dia e do cotidiano das pessoas, onde a concorrência, o individualismo, a velocidade das coisas, as decisões urgentes e a falta de uma visão positiva sobre o amanhã, tem nos mantido alertas e reféns da incerteza, vivenciando um clima de insegurança, tensão e medo.

Enquanto a economia pré-pandemia divulga e festeja a implantação e a crescente produção da indústria 4.0 - onde a automação geral toma o lugar do trabalhador - o desemprego cresce de forma alarmante, deixando sem ter o que fazer grande parte da capacidade humana de produção. A falta de oportunidades de trabalho, por sua vez, retira de circulação o poder de compra das pessoas, fato que paralisa a produção e, consequentemente, a economia. O custo social deste fenômeno precisa ser mensurado com a mesma eficiência com que o mercado de ações, mesmo com a crise de saúde pública internacional, comemora a retomada lenta e gradual dos seus bons resultados. Estamos presenciando índices de desigualdade social capazes de nos levar a conflitos civis de grande escala, como temos presenciado em nosso país. E não temos uma rede de proteção social, além do necessário voluntarismo, capaz de reconhecer que a fome, entre outras necessidades básicas da população, não pode esperar as grandes estratégias e ações planejadas dos governantes que parecem perdidos, distantes das demandas reais da nação e sem a visão real da gravidade da situação do nosso país. A fome exige, humanitariamente, ações imediatas.

A velocidade em processar dados digitais e projetar cenários virtuais deveria nos alertar para a importância de não vivermos na velocidade dos computadores, como se tudo fosse urgente, invertendo valores e transgredindo o bom senso, mas planejar com conhecimento de causa e consequência as nossas ações de curto, médio e longo prazo, buscando acesso básico àquilo que agrega qualidade de vida para toda a população.

Vivemos um momento de produção cultural acrítica, bombardeados por muita informação, falsa e verdadeira, no entanto nunca produzimos tão pouco conhecimento capaz de nos tirar da zona de urgência. É o paradoxo da tecnologia digital: quanto mais geramos e acumulamos dados, menos sabemos como transformar estas informações em conhecimento. E é o conhecimento o vetor capaz de nos fazer avançar na definição de padrões de qualidade de vida.

Não são os robôs e as ferramentas digitais, enquanto processadores matemáticos, que agregarão relevância, qualidade, conteúdo e rigor científico ao conhecimento. Poderão acelerar o cruzamento de informações e modelar novos modelos de vida, mas sempre será preciso que alguém interprete, traduza e transforme estas informações em conhecimento alinhado às verdadeiras demandas da sociedade que estamos inseridos. Neste sentido, a caneta sobre o papel nas empresas, o giz sobre o quadro verde na sala de aula ou o lápis de carpinteiro riscando uma parede no canteiro de obras, são suficientes para se expressar uma ideia inovadora e empreendedora, quando se tem, de fato, uma verdadeira ideia.

Inovação, empreendedorismo e sustentabilidade se tornaram ferramentas superficiais de propaganda da sociedade de consumo atual. Mas elas não nascem em qualquer lugar, é preciso que o caminho esteja pavimentado com foco, investimento e cultura experimental. Para acertar em cheio é preciso experimentar muito. E errar, para poder revisar e tentar de novo. A experimentação está no cerne dos processos criativos inovadores e empreendedores. Experimentar exige autonomia e coragem e, por isso, é a base dos grandes acertos e das ideias inovadoras, e isto tem muito valor no mercado atual e no mundo criativo, remoto e compartilhado.

Temos a tendência superficial para acharmos que a genialidade de uma grande ideia é fruto do instantâneo mágico e veloz de uma única mente privilegiada. Quando fazemos isso, seja por conforto ou para explicar uma possível falta de atitude, damos as costas para o processo coletivo, compartilhado, contínuo e repetitivo das tantas experimentações e erros que vieram antes do acerto e que deram ao acerto o ambiente propício para sua invenção. Ser inovador, criativo e empreendedor não são o resultado de ações urgentes, isoladas, instantâneas, mágicas ou divinas. São o resultado de foco, planejamento e muito trabalho sério na busca de um objetivo e de uma solução.

As demandas urgentes que possuímos como povo, sociedade e nação não devem ser tratadas com abordagens inexperientes, irresponsáveis e superficiais de curto prazo, por mais ilusoriamente rápidos que possam parecer os seus efeitos, mas com ações maduras de crença na ciência com planejamento científico criativo, inovador e empreendedor antevendo e construindo a qualidade de vida que queremos ter e o planeta em que queremos viver. Distanciar o olhar para esta realidade significa nos condenar a viver continuamente, década após década, usando as nossas melhores energias intelectuais e produtivas apenas para consertar os erros da nossa própria falta de ação e visão atuais, assim como, da falta de planejamento estratégico sério das gerações que nos antecederam.

Planejar aprendendo com nossos erros e acertos já seria um bom caminho para os nossos gestores e governantes. Não se faz o novo negando os grandes acertos ou atropelando as experiências comprovadamente eficazes. Temos visto muito desta prática na gestão do país, empresas e universidades. O jovem não é garantia de inovação, a velocidade não é sinônimo de eficiência, o novo não é indicador de qualidade e a tecnologia não é condição única para os avanços do conhecimento. Claro que é preciso resolver muita coisa com brevidade, mas resolver o hoje com urgência e desespero, apenas cobre superficialmente os buracos do ontem, enquanto que a sociedade necessita de uma revisão dos seus códigos de convivência, de uma reformulação ética e moral capaz de pavimentar com inovação a sociedade do amanhã.

Temos aprendido muito com o distanciamento social. Principalmente, redescobrir o nosso espírito solidário e compartilhado de grupo. Vivemos em um planeta digital conectados em rede, mas nunca nos comunicamos tão pouco e com pouco conteúdo e nunca estivemos tão sós e isolados. Uma das qualidades que fizeram da espécie humana uma das mais bem sucedidas entre as demais espécies foi justamente a sua capacidade de agir e reagir colaborativamente com seus pares. O individualismo e a velocidade do mundo contemporâneo parecem nos ter feito esquecer disto.

Certamente sairemos diferentes deste aprendizado que estamos tendo com a pandemia e com o distanciamento social. O reencontro com a vida na célula da família, a saudade dos amigos e familiares, o reconhecimento, a redescoberta e a reciclagem dos nossos valores e competências, a certeza da força e da importância do nosso voto, a consciência do exercício da cidadania, tudo isto está sendo revisitado e revisado por nós, em maior ou menor grau de imersão, nos fazendo crer que existe um mundo de novas oportunidades aguardando as nossas qualidades reeditadas e renovadas, com autoconfiança e com a certeza de que seremos sempre mais fortes como grupo, reconhecendo a força das ações coletivas e colaborativas, e de que existe um novo lugar e uma nova oportunidade para cada um de nós.

De certa forma, aprendemos muito isto com as corridas de rua. Primeiro vamos sentindo cada parte do nosso corpo como se fossem membros desconectados, suas funções, demandas, exigências, a sincronicidade dos movimentos com a respiração, nossas dores, nossos limites e aquele desejo desconfortável dos iniciantes de chegar, custe o que custar. Somente quando conseguimos controlar este conjunto inicial de sentimentos é que nos damos conta de que existem belos cenários e paisagens que nos acolhem ao longo da nossa jornada esportiva. As cores e os aromas da primavera, os lindos dias de sol e as noites intermináveis do verão, as luzes singulares dos céus do outono e os desafios dos invernos rigorosos, são emoções que a gente só percebe quando corremos sem ter pressa para chegar. E, de repente, as corridas deixam de ser sofridas para serem longos passeios onde vamos aprendendo a ver, sentir e entender a beleza dos cenários e das paisagens, equilibrando corpo e mente, sentimento físico e psíquico, razão e emoção.

Somente então, aprendemos a correr, para não termos pressa. Portanto, menos angústia e tensão. Menos urgência e decisões superficiais. Menos pressa para chegar e mais atenção com a beleza do trajeto. Mais alegria, compartilhamento e mais planejamento estratégico de médio e longo prazo para seguir em frente e viver feliz e em paz.

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Pela Qualidade do Ensino

Especialistas alertam sobre os riscos do 100% EAD
2 de abril de 2020

Na luta pela qualidade do ensino e da formação dos profissionais, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/RS) sempre entendeu o Ensino a Distância (EAD) como uma ferramenta, e não como modalidade. Recentemente, por meio da Comissão de Ensino e Formação (CEF – CAU/RS), o Conselho emitiu uma nota posicionando-se contra a Portaria nº 343/2020 do Ministério da Educação (MEC), que “dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação da pandemia do Novo Coronavírus – COVID 19”.

Agora, pesquisadores e especialistas na área do Ensino a Distância também compartilham sua opinião, ao alertar sobre os riscos da adoção improvisada desta ferramenta, fortalecendo a posição que o CAU/RS mantém há bastante tempo. Um deles é o professor Dr. Hélder Gusso, do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).



Leia abaixo o texto na íntegra:

Minhas considerações sobre a possível adaptação do ensino presencial ao ensino a distância (EAD) nas universidades

Quem me conhece sabe o quanto sou entusiasta por tecnologias de ensino. Em minhas disciplinas presenciais utilizo dezenas de recursos online, já programei disciplinas em EaD muito bem avaliadas, tenho dados para demonstrar a efetividade de formação gerencial que coordenei em um órgão público em formato híbrido (presencial + online), e meu principal projeto de pesquisa e extensão na UFSC é justamente o desenvolvimento de uma plataforma de educação científica online (que lançaríamos em abril/20, mas que demorará mais em função da pandemia). Adicionalmente, meu doutorado foi em programação de ensino e boa parte das pesquisas científicas que tenho desenvolvido versam sobre educação e tecnologias. Tudo isso para dizer que minha opinião tem alguma base em experiência empírica pregressa e em dados.

Vamos, agora, ao que importa. A UNESCO estima que mais da metade dos estudantes no mundo estão com aulas suspensas neste momento. E isso só vai aumentar, conforme a pandemia ganha força em todo o planeta. No Brasil, em especial no ensino superior, o Ministério da Educação emitiu a portaria 343 de 17 de março de 2020, que autoriza as instituições de ensino superior a adaptar seus cursos presenciais ao formato EaD durante a pandemia. Inicialmente, ainda tentando lidar com o início da quarentena domiciliar, estava avaliando a adaptação das disciplinas para formato online como uma espécie de “redução de danos” aos estudantes. Um meio para garantir o semestre letivo, da forma como seria possível. Hoje, avaliando com mais cuidado, CONSIDERO INADEQUADA A TENTATIVA DE ADAPTAÇÃO DAS DISCIPLINAS DE CURSOS PRESENCIAIS AO FORMATO ONLINE, BEM COMO CONSIDERO QUE AS ATIVIDADES NOS CURSOS A DISTÂNCIA TAMBÉM DEVEM SER INTERROMPIDAS NESTE MOMENTO.

Razões para isso:

1. Embora haja vasta literatura indicando que ensino a distância é tão efetivo quanto o presencial, nem tudo pode ser ensinado online (ao menos não ainda com a tecnologia que temos). Há diversas disciplinas em cursos presenciais que dependem, necessariamente, de atividades presenciais.

2. Para que uma disciplina online seja efetiva (ensine!), não bastará que professores façam uma adaptação na disciplina. Ensinar não é ficar falando pra câmera e aprender não é assistir professor. Uma disciplina não pode ser reduzida a um vídeo no YouTube ou a disponibilização de livros e artigos.

3. Elaborar atividades de ensino online efetivas vai requerer MUITO trabalho dos professores e uma carga horária que nenhum deles terá no momento.

4. Para piorar, professores não foram qualificados para lidar com os recursos e tecnologias de ensino online. Por mais que universidades disponibilizem LMS (moodle, blackboard etc.), quantos efetivamente sabem programar atividades de ensino e não apenas dispor materiais?

5. Não há garantia de que os recursos necessários para viabilizar o ensino online estejam disponíveis nas residências dos estudantes (computadores, conexão de internet….). Os dados socioeconômicos dos estudantes das universidades federais do país indicam que a maior parte deles será excluída do processo por falta de recursos.

6. Não há garantia nem mesmo de que esses recursos estejam disponíveis nas residências dos professores.

7. Não é conhecida a realidade da rotina nas residências dos estudantes e professores para imaginar a viabilidade de manutenção do calendário acadêmico, que demandará a realização de atividades e participação online em um horizonte de tempo que pegará justamente o ápice da pandemia no Brasil (abril-junho).

8. Com o aumento da quantidade de casos de coronavírus, em pouco tempo todos terão um familiar, amigo ou vizinho que precisará de ajuda. As rotinas nas casas tenderão a não ser tão tranquila quanto talvez esteja sendo no momento para alguns (para outros já está muito complicado…).

9. Há agravantes socioeconômicos que irão mudar as prioridades de muitos estudantes, e também professores, nas próximas semanas. Famílias sem renda, aumento do tempo em confinamento e diversas outras circunstancialidades de um período atípico de crise que nunca vivemos. Quem irá atentar às disciplinas? E em que condições?

10. Por fim, professores universitários, doutorandos, mestrandos e alunos de iniciação científica constituem a força de trabalho da Ciência em nosso país. Professores/cientistas e pós-graduados de diversas áreas já estão mobilizados, e outros estão começando a se mobilizar, para direcionar todo o esforço científico do país em relação às necessidades sociais deste momento. Não se trata apenas do microbiólogo que está buscando a cura ou vacina. Falo também do psicólogo que entende o que acontece com as pessoas em confinamento e que passa a fornecer diretrizes para orientar pessoas para uma vida mais saudável em casa. Do antropólogo que ajuda a planejar políticas públicas para reestabelecer vida em comunidade após período de medo de aproximação. Do educador físico que projeta meios de incentivo à prática de atividade física dentro das casas. Do filósofo que ensina de uma nova maneira meios para a população ser menos vítima de fake news em período crítico. E de todas as demais profissões, fundamentadas na ciências que tem muito a oferecer neste momento.

NÃO É HORA DE VOLTARMOS PARA AS DISCIPLINAS CURRICULARES DE MODO IMPROVISADO. A prioridade pode ser o fortalecimento de agendas de pesquisa mais coerentes com as necessidades do momento. Do semestre acadêmico cuidaremos quando tudo isso passar. Já lidamos com longas interrupções de semestres letivos no passado e sabemos que damos conta de fazê-lo.

Cuidem-se.
Professor Dr. Hélder Gusso

Sobre o autor: Hélder Lima Gusso é professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ministra disciplinas relacionadas ao campo da Psicologia Organizacional e do Trabalho e de Análise do Comportamento. Doutor e Mestre em Psicologia na Universidade Federal de Santa Catarina. Especialista em Administração pela FAE (2005). Graduado em Psicologia pela Universidade Federal do Paraná (2005). Analista do Comportamento acreditado pela ABPMC (054/2015). Conselheiro e membro da comissão de acreditação em Análise do Comportamento da ABPMC (2017-2018).

Saiba mais:
Confira outros textos recentemente publicados que abordam os riscos do ensino 100% a distância:
EDUCAUSE Review (texto em inglês)
Le Monde Diplomatique – Brasil
Leia a nota emitida pela Comissão de Ensino e Formação e fique por dentro de outras iniciativas do CAU/RS em relação ao EAD: https://www.caurs.gov.br/tag/ead/

sábado, 28 de março de 2020

CAU/RS posiciona-se contrário ao ensino 100% a distância

27/03/2020

Em manifestação contra a recente Portaria nº 343/2020 do MEC, Conselho reafirma que ensino de Arquitetura e Urbanismo não pode prescindir da relação pessoal e presencial.

Combater o crescimento indiscriminado do Ensino a Distância (EAD) é uma pauta de extrema importância para o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/RS), que defende o EAD como ferramenta e não como modalidade de ensino. O EAD deve somar às aulas, ateliers de projeto, painéis, laboratórios, biblioteca, estágios, trabalhos em grupo, assessoramento de projeto, discussões entre colegas. Além disso, o MEC já autoriza o EAD em 20%, o que o Conselho entende como adequado, desde que ministrado com qualidade.

Desta forma, por meio da Comissão de Ensino e Formação (CEF), o CAU/RS manifesta à comunidade acadêmica do Rio Grande do Sul sua posição em relação à recente Portaria nº 343/2020 do MEC (18/03), que “dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação da pandemia do Novo Coronavírus – COVID 19”.

O Conselho entende que o Ministério da Educação (MEC) cuida do ensino, enquanto os Conselhos, tal como o CAU/RS, cuidam e entendem da profissão. O ensino da profissão Arquitetura e Urbanismo deve ser responsabilidade conjunta e compartilhada pelo MEC e CAU.

“Algumas instituições de ensino estão forçando a implantação do EAD de maneira oportunista e irresponsável. Aproveitar a pandemia para obrigar professores a improvisar aulas é um desrespeito tanto a eles quanto aos estudantes. O ensino de Arquitetura e Urbanismo não pode ser 100% a distância, disso todos sabemos. O EAD é mais uma ferramenta para qualificar o ensino de nossa profissão e deve ter seu espaço junto às demais ferramentas e atividades. Os mais prejudicados, no curto prazo, com essa tentativa de ensino parcial e superficial, serão os estudantes e, logo, toda a sociedade que precisará conviver com profissionais formados pela metade, sem vínculo com a realidade e sem a experiência de um ambiente de aprendizado completo”, afirma o presidente do CAU/RS, Tiago Holzmann da Silva.

“Conclamamos os professores e estudantes de Arquitetura e Urbanismo no Rio Grande do Sul a não aceitarem imposições que venham a deteriorar o nosso ensino, e que resistam contra a adoção permanente dessas ferramentas de forma indiscriminada e desqualificada. Podem contar com o CAU/RS e com as entidades profissionais do nosso Estado”, acrescenta.



Leia abaixo a íntegra da manifestação publicada pela Comissão de Ensino e Formação (CEF – CAU/RS):

COMISSÃO DE ENSINO E FORMAÇÃO DO CAU/RS

Manifestação sobre a Portaria nº 343/2020 do MEC que “dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação da pandemia do Novo Coronavirus – COVID 19”.

O CAU/RS, através da Comissão de Ensino e Formação (CEF – CAU/RS), no intuito de cumprir com a sua finalidade regimental de zelar pelo aperfeiçoamento da formação em Arquitetura e Urbanismo, apreciar as condições de oferta e qualidade dos cursos de graduação em Arquitetura e Urbanismo e relacionar o ensino à legislação profissional, observando-se o disposto nas Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de Arquitetura e Urbanismo, e em defesa da sociedade, vem manifestar, à comunidade acadêmica do Rio Grande do Sul, a sua posição em relação à recente Portaria nº 343/2020 do MEC, de 18/03/2020.

Ressalta-se que as Diretrizes Curriculares Nacionais de Arquitetura e Urbanismo (DCNs) vigentes definem as competências e habilidades que os cursos de Arquitetura e Urbanismo devem oferecer. O CAU/RS, através da CEF/RS, está alinhado e engajado às discussões nacionais sobre a qualidade do ensino, em especial, no cuidado com o uso das ferramentas on-line do ensino a distância (EAD).

EAD não deve ser tratado como uma modalidade de ensino, mas sim como uma ferramenta de trabalho. Como principais ações sobre o tema, estão as nossas contribuições à redação das novas DCNs e a redação de dois pareceres técnicos destinados à conceituação sobre o EAD em demandas jurídicas advindas de recentes portarias sobre o tema. A obrigatoriedade imposta pelas IES para o emprego de TICs, aos seus professores e alunos, dentro das condições de tensão geradas pelo isolamento social causadas pela pandemia do Covid-19, implica planejamento adequado e rigor científico na geração dos conteúdos, bem como na necessidade de recursos que garantam aos estudantes o acesso universal e de qualidade aos conteúdos disponibilizados de forma on-line. Não se pode tratar deste tema com urgência e superficialidade.

A profissão do Arquiteto e Urbanista é um ofício de grande responsabilidade social, tanto no atendimento às demandas das pessoas, organizando espaços fechados e abertos destinados às atividades de habitação, trabalho e lazer, bem como às várias conexões entre estes elementos, objetivando sempre a segurança e a qualidade de vida do cidadão. Assim sendo, existem áreas do conhecimento contempladas nos conteúdos das disciplinas em que a complexidade das suas formulações, para o atendimento espacial das necessidades sociais, bem como, a segurança dos procedimentos técnicos para sua materialização, não podem prescindir da modalidade presencial de ensino na sua formação. Essa questão é de mais fácil percepção em profissões da área da saúde, como a Medicina, que lidam mais explicitamente com a vida e a saúde da população, como é também a Arquitetura e Urbanismo.

Neste sentido, a posição do CAU/RS, através da CEF/RS, é de que apenas 20% da carga horária possa ser ministrada à distância, sendo aplicados em conteúdos que não gerem atribuição profissional, isto é, não gerem riscos evidentes à sociedade à qual o aluno estará inserido futuramente em sua atividade profissional. Assim sendo, nos demais 80% da carga horária, os conteúdos do curso de Arquitetura e Urbanismo deverão ser desenvolvidos na modalidade presencial.

Para tal, recomenda-se a paralisação das atividades on-line ou em EAD, acima citadas, e que sejam revistos os cronogramas das disciplinas para recuperação presencial das aulas, tão logo cesse o período de paralisação das IES, de tal forma que a qualidade do ensino e a formação dos novos profissionais não sejam tão seriamente comprometidas.


https://www.caurs.gov.br/cau-rs-posiciona-se-contrario-ao-ensino-100-a-distancia/

terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Comunicado - IabRS

Instituto de Arquitetos do Brasil - IabRS

O Instituto de Arquitetos do Brasil Departamento Rio Grande do Sul (IAB RS), através de seu Conselho Diretor e Conselho Estadual, vem a público manifestar seu total apoio ao colega e dirigente desta Entidade, Arquiteto Humberto Hickel.

Humberto Hickel é Presidente do Núcleo IAB Região das Hortênsias recentemente reeleito para segundo mandato. Exerceu a função de Vice-Presidente do Departamento RS entre os anos de 2012 e 2013.

As posições defendidas pelo Núcleo Região das Hortênsias em relação ao projeto de filial da rede de lojas Havan são respaldadas pelo IAB RS através de suas instâncias decisórias maiores: seu Conselho Diretor e Conselho Estadual.

Neste sentido, as manifestações públicas e ações como a protocolização de abaixo assinado junto à Prefeitura Municipal de Canela, amparam-se na representatividade do IAB RS, mais antiga e mais representativa entidade dos arquitetos e urbanistas no Estado do Rio Grande do Sul.

O Município de Canela é um dos destinos turísticos mais visitados em nosso Estado e no país, portanto um abaixo assinado que conte com apoiadores de diferentes localidades deve encontrar maior reconhecimento e consideração por parte das autoridades municipais.

A forma como o Presidente do Núcleo IAB Região das Hortênsias é exposto e atacado em vídeo publicado pelo Sr. Luciano Hang em sua página na rede social Facebook merece nossa manifestação de repúdio e discordância ante os termos inadequados por ele utilizados. Estamos analisando as medidas e ações cabíveis ante esse lamentável episódio (não isolado) de intolerância ante um ato de exercício regular de direito e cidadania de um representante legítimo desta Entidade.

A livre manifestação é um direito garantido em nossa Constituição Federal, e repelimos qualquer ato que possa ameaçar tal direito. O IAB tem uma história na defesa da democracia, e acredita que somente através dela é possível construirmos um futuro digno para nosso país e as novas gerações.