sábado, 30 de maio de 2015

Coordenação Modular e Arquitetura

No ano de 2008, o NUTAU/USP - Núcleo de Pesquisa em Tecnologia da Arquitetura e Urbanismo, da Universidade de São Paulo (USP), realizou seu Sétimo Seminário Internacional, com o título "ESPAÇO SUSTENTÁVEL: INOVAÇÕES EM EDIFÍCIOS E CIDADES". Com mais de mil trabalhos científicos apresentados e discutidos nas edições anteriores, além das conferências internacionais e nacionais proferidas nessas ocasiões, o NUTAU 2008 buscou aprofundar alguns temas já levantados em duas edições anteriores voltadas ao assunto, as de 2002 e 2006. Na sequência, publico o artigo apresentado no evento.

COORDENAÇÃO MODULAR E ARQUITETURA:
Tecnologia, Inovação e Sustentabilidade


MODULAR COORDINATION AND ARCHITECTURE:
Techcology, Inovation and Sustainable Development

Paulo Ricardo Bregatto, Me.
Mario dos Santos Ferreira, Dr.
Márcio Rosa D’Ávilla, Dr.

O artigo aborda uma revisão dos conceitos correntes da arquitetura, ainda hoje adotados para execução do ambiente construído, na busca de uma condição de equilíbrio na extração, utilização e reutilização dos recursos renováveis e não-renováveis disponíveis no meio. Sabe-se hoje que a relação entre o princípio da sustentabilidade planetária e o conceito de eco-eficiência é o condicionante principal no projeto das edificações para este milênio. A arquitetura, vista neste particular como um agente de materialização de tecnologia, pode conferir ao ambiente construído um novo caráter, sob a ótica da preservação e recuperação ambiental. A ferramenta coordenação modular comparece como variável determinante na otimização dos insumos e componentes envolvidos neste cenário de sustentabilidade.

Palavras-Chaves: Teoria do Arquitetura; coordenação modular e sustentabilidade.

ABSTRACT

This paper presents a revision of the current architectural concepts, still in, looking for a balance in the extration, use and re-use of recycle and non-recycle natural resources. The relation between the principle of the sustainable development and the concept of eco-efficiency, is the main condition in design of buildings on Earth. The architecture function, seen like an agent of technology process, may assess specific characteristics to the industrial product, based upon the environment preservation point of view. The modular coordination tool may be considered as a break-even point in this sustainable canary.

Key-Words: Architecture theory, modular coordination, sustainable development

Sustentabilidade: Eco-eficiência de materiais e componentes da edificação

Sabe-se que a manutenção do equilíbrio dos ecossistemas passa obrigatoriamente por mudanças nos processos industriais, nos modelos de produção hoje utilizados, os quais permitam aproximações do modelo de sustentabilidade estabelecido como adequado ao planeta.

Desenvolvimento sustentável é definido como a busca pelo atendimento das necessidades da geração atual sem comprometer o direito das futuras gerações. Esta postura passa pelo equacionamento de dois fatores: atendimento das necessidades humanas (condições essenciais de vida) e as limitações que devem ser estabelecidas para as soluções tecnológicas e a utilização dos recursos naturais renováveis e não-renováveis (ou renováveis em longo prazo). A fixação de conceitos de sustentabilidade determina que o melhor produto e o melhor processo são aqueles que forem melhores para a preservação do ambiente. Este conceito incorpora, portanto, aspectos de rentabilidade econômico-financeira, eficiência produtiva, qualidade de processo e de produto.

Ecologia, segundo Munasinghe (1993), é um problema econômico na medida em que, os ecossistemas que dependem de condições de equilíbrio de relações de trocas, envolvidos, neste caso, aspectos referentes à produção e consumo. Em nível mundial estão estabelecidos conceitos de sustentabilidade dentre os quais o melhor produto e o melhor processo são aqueles que forem melhores para o ambiente, com a consideração de fatores como rentabilidade econômico-financeira, eficiência produtiva e qualidade de processo e produto.

Segundo Lerípio (1997), a corrente da sustentabilidade entende ainda que poluição é uma forma de desperdício e ineficiência dos processos produtivos pela perda de matérias-primas e insumos, nos processos de produção. Neste cenário descrito, pode-se afirmar que a busca da qualidade ambiental no projeto da edificação passa necessariamente pela escolha de materiais e componentes, a partir do efetivo conhecimento de seu processo produtivo, do balanço energético final, seu potencial de inserção num sistema construtivo racional e otimizado, no que tange à processo construtivo, além das usuais variáveis estético-formais que configuram o ente arquitetônico.

Hoje o requisito principal de projeto reside na eco-eficiência da edificação. Eco-eficiência de um produto ou componente consiste na característica ambiental incorporada via projeto. O produto eco-eficiente apresenta requisitos especiais, que o diferencia de outros, no que se refere ao processo de fabricação, estoque, distribuição, utilização e descarte, adequado aos seus usuários e ao meio natural, no qual estes se inserem. Configura-se como o mais importante em qualquer programa de necessidades a ser concebido, com características de sustentabilidade.

Sustentabilidade na edificação versus balanço energético dos componentes: pinus, eucalipto e cerâmica.

Nas décadas de oitenta e noventa, proliferaram políticas públicas orientadas para soluções de habitação de interesse social, orientadas para a utilização de materiais dito “ecológicos” como materiais cerâmicos e madeiras de reflorestamento. No entanto, pesquisas anteriores na década de setenta, já demonstravam perdas energéticas nos processos de produção e danos ambientais significativos. Atualmente, com a incorporação dos fundamentos da sustentabilidade, as conclusões são reafirmadas por autores atuais.

As repercussões ambientais da monocultura do eucalipto e do pinus concentram-se, dentre outras, no consumo de reservas hídricas. Segundo Oliveira (2007), considerando apenas as plantações comerciais das principais espécies introduzidas plantadas no país, o eucalipto responde por mais de 2/3 (135 milhões de m3), da capacidade de produção sustentada (184 milhões de m3 anuais) enquanto que o pinus contribui com 1/3 restante (49 milhões de m3).

Afirma ainda que um dos impactos ambientais causado pelo monocultivo do eucalipto é a redução e perda da biodiversidade da flora e da fauna. A monocultura do pínus e eucalipto representam perda (extinção) de espécies nativas e alterações ambientais como a biocontaminação dos ecossistemas adjacentes por espécies invasoras como o Pínus elliottii.

Estudos à época apontavam para o alto consumo de água das plantações de eucalipto causando a redução da quantidade de água presente naturalmente na região do plantio. Alguns estudos comprovam que o Eucalipto consome pelo menos 200 litros de água por dia. Informava, ainda, que para produzir um quilo de madeira de eucalipto são necessários 350 litros de água.

Segundo Elia (2006), o pinus também avança sobre as matas nativas por conta própria. Suas sementes se propagam facilmente e germinam em qualquer lugar. No Rio Grande do Sul, a invasão aconteceu na área de restinga do Parque Nacional Lagoa do Peixe. Completa o autor afirmando que cerca de 5% do território de Santa Catarina já está coberto por plantações de pinus com tendência de aumento. Corresponde hoje a 85% das espécies cultivadas em solo catarinense.

Com relação aos produtos cerâmicos, Soares (2003) afirma que “Cada etapa do ciclo de vida do produto tem conseqüências ambientais, desde a extração da matéria-prima até a eliminação do resíduo”. De acordo com o pesquisador, as etapas do ciclo de vida da cerâmica que mais exercem influência sobre o meio ambiente são três: a extração da matéria-prima, a escolha e forma de utilização da fonte energética e a emissão dos resíduos resultantes do processo de produção.

Na década de noventa, Langhanz (1991) já demonstrava preocupação com as perdas de 32% na produção de telhas cerâmicas e alertava para os custos de energia (em torno de 40%) em relação aos custos totais de produção. Sales et al (2007) afirmam que no Ceará as mais de 300 cerâmicas usam lenha como combustível acelerando o desmatamento, a níveis alarmantes, além da extração de argila, feita de maneira degradante.

Satler (2007), de sua parte, destaca o empirismo no processo de composição da mistura a ser conformada, considerado o consumo de água. O consumo energético e respectivas perdas no processo de fabricação de produtos de cerâmica vermelha, telhas e tijolos, são ainda incógnitas nas indústrias de pequeno e médio porte, segundo o autor.

O modo de produção industrial se propõe a obter, com economia de escala, a compatibilização e a otimização de qualidade, quantidade e custo. Esta meta resulta de uma racional aplicação de recursos, da eliminação dos desperdícios e do aumento de eficiência dos fatores de produção, mão-de-obra e equipamentos. A coordenação modular deve ser entendida como um instrumento físico e econômico, vinculada à composição arquitetônica, à tecnologia e à produção.

MÓDULO E COORDENAÇÃO MODULAR NA ARQUITETURA

O espaço definido para o atendimento de mais de uma atividade humana, devidamente configuradas através de estudos de arranjos físicos, com mínimo necessário e suficiente para a perfeita realização dessas atividades, pode ser quantificado e caracterizado como uma unidade de medida denominada módulo

O uso de módulos na arquitetura pode ser encontrado em várias épocas, desde a Antigüidade. O módulo dos clássicos era certamente um módulo-forma, enquanto o Modulor de Le Corbusier (1976), pode ser considerado como módulo-função. As séries de módulos, adotados pelos romanos, revelam características de módulo-objeto. Dentre as aplicações mais antigas o Ken, módulo japonês, derivado do tatami, representa também um raro exemplo de módulo-objeto. A partir disto, é oportuno ressaltar que a coordenação dimensional é habitualmente entendida como um instrumento de normalização das partes da edificação.

No caso da coordenação modular, a norma brasileira NBR-5706 (ABNT, 1977) assim a define:

“Técnica que permite relacionar as medidas de projeto com as medidas modulares por meio de um retículo espacial de referência.”

Ao serem utilizadas, simultaneamente, unidade de medida para um espaço organizado (módulo-função) e outra para o invólucro (módulo-forma), se está articulando as dimensões dos espaços parciais com as dos componentes e compatibilizando-as entre si. A compatibilização geral, entretanto, ocorrerá a partir da definição do módulo-objeto, responsável pela repetitividade exigida pela escala de produção.

A coordenação modular em arquitetura é definida como um método ou abordagem de projeto, com elementos construtivos dimensionados a partir de uma unidade de medida comum. A unidade, chamada de módulo, define as dimensões e proporções dos elementos, estabelecendo uma relações de dependência entre eles e o produto final, a edificação.

A ordenação e a organização destes elementos-módulos, dentro da construção, ocorreram de forma diferenciada, em cada período da história da arquitetura. A coordenação modular hoje, no entanto, apresenta uma série de problemas ainda não solucionados, quais sejam: adaptação dos materiais e componentes a um sistema modular único, padronização e unificação do módulo base no mercado mundial e a preparação dos profissionais para a utilização do sistema de coordenação modular.

Para que a aplicação da coordenação modular se dê de uma forma abrangente será necessária uma mudança radical das técnicas construtivas, modificação dos métodos de fabricação e um nível de projeto e detalhamento mais apurado.

O modo de produção industrial está fundamentado em princípios de continuidade física, temporal e conceitual. O princípio da continuidade física está vinculada à organização da produção, no que tange à arranjo físico e meios de produção (máquinas, ferramentas e dispositivos). O princípio da continuidade temporal depende do sincronismo de tempos de produção previstos e dimensionados de acordo com metas e capacidade instalada.

O princípio conceitual resulta da unidade e coerência entre previsão e ação dos recdursos humanos intervenientes no processo. A continuidade é fruto de organização e da previsão, decorrente da simplificação, através do estabelecimento de rotinas produtivas e da eliminação da casualidade nas decisões, eliminando erro e acidente, otimizando o trabalho.

A coordenação modular é o instrumento destinado a coordenar as dimensões dos elementos produzidos na fábrica com os projetos arquitetônicos. Sua aplicação implica numa disciplina de trabalho considerada indispensável para que a industrialização e racionalização do processo construtivo possam ser realizadas de forma orgânica, correta e segura. Cabe, porém, salientar que a coordenação modular, na construção civil, é impossível se não existir um projeto integral do edifício. Nada poderá ser omitido ou deixado para estudo posterior no decorrer da execução (montagem).

O arquiteto deve, portanto, modificar sua lógica de projeto: deverá compreender que o problema não é de modulação de espaços e sim, de dimensões que se relacionam com a utilização de elementos construtivos pré-fabricados. A coordenação modular, como muitos acreditam, jamais compromete a capacidade criativa de um arquiteto. Pelo contrário, a existência dos condicionantes da coordenação modular resulta em obras cujos valores estético-formais estarão em harmonia perfeita com os valores sócio-econômicos.

As teorias da sustentabilidade, enunciadas oficialmente pelo Banco Mundial na década de noventa, passam obrigatoriamente pela abordagem de uso racional dos recursos. Munasinghe (1993), economista ambiental do Banco Mundial, já abordava àquela época, o efeito de produção como o impacto ambiental decorrente de quantidade, qualidade e custo de produção de bens.

No caso da concepção e produção do ambiente construído, a exemplo de outros segmentos industriais, o princípio da sustentabilidade vincula-se a economia de recursos, renováveis ou não-renováveis, em todos os níveis do processo de transformação dos insumos e matéria-prima em componentes.

A coordenação modular exige dos materiais e componentes envolvidos no processo de construção do ambiente construído níveis de confiabilidade metrológica, estabilidade dimensional e normalização. Estas condições impõem, desde já o uso racional dos meios e do modo de produção, orientados para a minimização de perdas no sistema garantindo balanço energético característicos de produtos e materiais eco-eficientes.

No caso específico da arquitetura, a adoção da variável coordenação modular, estabelece laços fortes com a ótica da sustentabilidade, a partir da redução gradativa de desperdício na execução do ambiente edificado. Por certo, o caráter e a configuração física do ente arquitetônico tende a ser diametralmente opostos a maioria dos resultados arquitetônicos obtidos atualmente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MUNASINGHE, Mohan. Como os Economistas Vêem o Desenvolvimento Sustentável. In: Finanças e Desenvolvimento. pg. 16-19., v.13, n.4, FMI-Banco Mundial/FGV, dez. 1993.
OLIVEIRA, Adriano. Abaixo e à Esquerda. Disponível em: http://osverdestapes.googlepages.com 29 de Maio de 2007. Acesso em 28/03/2008.
SALES, J.C. FERREIRA, A. C.; FILHO, A F.G. Furtado; ALMEIDA, J. S. Identificação dos impactos ambientais causados pela indústria de cerâmica vermelha no Estado do Ceará. in: Anais do 51º Congresso Brasileiro de Cerâmica, 2007, Salvador - BA. 51o. Congresso Brasileiro de Cerâmica, 2007.
SATTLER, Miguel Aloysio. Habitações de baixo custo mais sustentáveis: a casa Alvorada e o Centro Experimental de tecnologias habitacionais sustentáveis/ Miguel Aloysio Sattler. — Porto Alegre: ANTAC, 2007. — (Coleção Habitare, 8.)
SOARES, Sebastião Roberto. Análise do Ciclo de Vida de Produtos Cerâmicos. Disponível em http://www.agecom.ufsc.br, 2003.
CORBUSIER, Le. El Modulor - Ensayo sobre una medida armonica a la escala humana aplicable universalmente a la arquitectura y a la mecanica. Barcelona, Editorial Poseidon, 1976.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 5706 Coordenação Modular da Construção– Procedimento. Rio de Janeiro, ABNT, 1977.

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