sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

The elements

Euclides

Sabemos todos que o livro mais publicado e badalado em todo o mundo ocidental é a Bíblia, mas tenho certeza que a grande maioria dos leitores se sentiria um tanto desconfortável diante da pergunta: e o segundo lugar nesta lista? De que assunto trata? E tenho certeza, também, que todos ficariam muito surpresos em saber que esta obra, escrita a mais de dois mil anos, versa sobre Matemática.

Várias histórias rondam o nome de Euclides, cuja obra é muito mais conhecida e estudada do que propriamente a sua vida. Muito pouco se sabe sobre a sua vida e personalidade, pois existem poucos registros históricos fidedignos sobre sua vida. Nem se sabe, ao certo, a data do seu nascimento. O pouco que sabemos dele é extraído dos comentários de Proclus (410-485), um autor que viveu mais de 700 anos depois de Euclides. Mesmo Proclus tem dificuldade em determinar a época em que Euclides viveu.

Inclusive, alguns autores chegam a levantar a hipótese de que ele não tenha existido, tal qual Pitágoras e Homero, tratando-se, pois, de um nome inventado para expressar e representar o pensamento de um grupo de outros autores da época. Esta hipótese é levantada a partir dos estudos minuciosos dos textos atribuídos a ele, cujas estruturas de sintaxe e estilos são bastante diferentes.

Outros autores, no entanto, acham esta tese improvável uma vez que no século 3 d.C., um alexandrino chamado Pappus afirma que Apolônio – outro grande nome da geometria do século 3 a.C. – teria estudado com um aluno de Euclides.

Para retornar ao contraditório temos ainda o fato de que Arquimedes (287 – 212 a.C.), que trabalhou em Alexandria supostamente após Euclides, usou resultados extraídos da obra The elements sem, no entanto citar a obra como referência bibliográfica. Como podemos ver, estes fatos aguardam ansiosamente outros dados ainda não descobertos.

Intitulado “Pai da Geometria” e pioneiro no estudo da ótica, Euclides viveu em Alexandria entre os anos 325 – 265 aC., no Egito, e foi o mais talentoso e influente matemático de sua época. Era mais jovem do que Platão (é provável que tenha estudado com algum aluno seu) e Aristóteles, mas era mais velho do que Arquimedes. Possuía vínculos estreitos com a antiga Biblioteca de Alexandria (provavelmente liderando um grupo de pesquisa em matemática), que tinha como o principal objetivo preservar e divulgar a cultura nacional.

Embora seja provável que tenha sido educado em Atenas, ele ensinou no Museum de Alexandria, um instituto de pesquisa que enfatizava a ciência e a literatura. Euclides registrou, coletou e ampliou a matemática do mundo antigo. Foi um dos matemáticos mais influentes de todos os tempos e um autor prolífico.

Euclides é mais conhecido por seu trabalho no campo da geometria apresentado na obra clássica intitulada The elements. Esse livro lançou a base para a geometria e em geral para a matemática axiomática. Durante várias gerações, a obra foi usada como manual para o ensino de geometria devido ao rigor matemático com que tratava o assunto. Nela encontramos a noção de que todos os fatos devem ser provados dedutivamente como afirmações de teoremas e proposições. O raciocínio pode depender apenas das suposições feitas inicialmente (isto é, as definições e axiomas) e dos teoremas e proposições relevantes anteriormente estabelecidos.

The elements é uma obra subdividida em 13 livros e tem início com definições e axiomas, incluindo o famoso postulado paralelo, que afirma que apenas uma linha reta pode ser traçada de um para outro ponto qualquer. Esse postulado é um componente definitivo para a geometria euclidiana. Os livros foram traduzidos para diversos idiomas e utilizados como textos sobre matemática por mais de dois mil anos.

Os elementos de Euclides não tratam apenas de geometria, mas também de teoria dos números e álgebra elementar (álgebra geométrica). O livro se compõe de quatrocentos e sessenta e cinco proposições distribuídas em 13 livros (ou capítulos), dos quais os seis primeiros são sobre geometria plana elementar, os três seguintes sobre teoria dos números, o décimo livro sobre incomensuráveis e os três últimos tratam sobre geometria no espaço.

Além dessa obra, Euclides escreveu outros livros sobre geometria, incluindo a teoria das cônicas, e sobre astronomia, óptica e música. Infelizmente muitas dessas obras encontram-se perdidas. Entre as obras que sobreviveram até hoje temos: Os elementos, Os dados, Divisão de figuras, Os fenômenos e Óptica. Euclides deu seu nome a vários conceitos matemáticos, incluindo o algoritmo euclidiano. The elements representou uma compilação do matemático teórico mais importante da época e provavelmente continha a primeira obra e idéias de Pitágoras, Hipócrates, Platão, Aristóteles e Eudoxo. Sua realização principal, no entanto, é a noção do pensamento sistemático.

Assim, os Elementos de Euclides são praticamente tudo o que temos da Matemática grega que se desenvolveu desde seu início com Tales de Miletos, que viveu no século VI a.C., até o tempo de Euclides, um período de cerca de 250 anos. Não sabemos se Euclides escreveu The elements para uso no ensino, ou apenas para reunir o conhecimento matemático da época, pois naquele tempo não havia a preocupação pedagógica dos dias de hoje.

Na Matemática grega, antes e durante o período helenístico, não havia fórmulas como as que conhecemos hoje. Tudo era dado em termos de proporções e isso perdurou no ocidente por mais um milênio após o declínio da civilização helenística. Para exemplificar, enquanto para nós a área de um triângulo é - dada por uma fórmula - a metade do produto da base pela altura, para Euclides a área de um triângulo é a metade da área do paralelogramo que se obtém com a junção de dois triângulos iguais.

Galileu Galilei escreveu que a matemática é a linguagem da natureza. Neste caso, The elements são o seu alfabeto e vocabulário e as leis da física as suas regras gramaticais. De certa forma, a matemática é um instrumento de transcendência, onde o modo de transporte é a nossa própria razão, a nossa capacidade de pensar sobre as coisas e sobre o mundo à nossa volta. Sem dúvidas, o exemplo mais famoso desta noção de pensar o mundo à nossa volta seja a Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein, que usa a geometria não-euclidiana – aquela que vai além de Euclides – para descrever o efeito das massas e da energia sobre o tempo e a curvatura do espaço.

Descrito por Aristóteles, o Método Axiomático, foi uma das maneiras de construir uma teoria genuinamente científica. Euclides, por sua vez, adaptou os conhecimentos matemáticos da época para esta forma de raciocínio e, a partir disto e da demonstração dos fatos, fez surgir a base conceitual que serve há milênios de exemplo de Ciência. A partir dos axiomas e das definições – e fazendo uso das regras que manipulam fatos conhecidos -, torna-se possível alcançar um fato novo, uma vez que a cadeia de argumentos a partir dos axiomas é, em si, uma demonstração desse fato.

The elements foi a obra matemática mais expressiva a ser impressa, como podemos ver na apresentação da publicação feita em Veneza por Ratdolt em 1482, que diz que obras deste porte e conteúdo eram extremamente raras - devido a dificuldade de imprimir figuras - no vasto mercado editorial daquela época.

A partir daí, várias aplicações dos princípios apresentados por Euclides, apresentados em partes, passam a aparecer na obra de outros autores. Piero della Francesca, pintor italiano renascentista (1420 – 1492) fez uso dos teoremas sobre polígonos e poliedros para que seus discípulos pudessem calcular os elementos geométricos básicos das composições. Por volta de 1655, também, numa linha acadêmica e didática, Tacquet (França) e Barrow (Inglaterra), desenvolveram versões resumidas para as escolas originando, em conseqüência disto, vários livros didáticos de Geometria o que ampliou em muito o potencial de divulgação destas idéias.

Por fim, The elements nos apresenta a noção de geometrização mutante do pensamento, fato tão importante para a arquitetura. O espaço está em toda a parte, mas existem muitas maneiras de demonstrá-lo. O princípio que usamos para calcular a área de um campo de futebol, plano como uma folha de papel, não é o mesmo que utilizamos para determinar a rota de um navio numa superfície esférica. Isto pode ser muito abstrato, quando considera situações conjecturais pela simples curiosidade de procurar as implicações de alguns poucos axiomas iniciais, mas pode, por outro lado, ser a linguagem apropriada para descrever tudo aquilo que está diante de nós, em alguma das muitas facetas da Ciência contemporânea.

Nenhum comentário: