sexta-feira, 4 de julho de 2008

O arquiteto e o computador

Estou resgatando este texto, escrito originalmente em 1995 e publicado, por encomenda, na Revista Cad Design no ano seguinte pois, passados 13 anos, penso que ele continua atual. Seja porque ainda estamos, em parte, somente agora, alcançando um bom nível de relacionamento entre "necessidade x homem x máquina x rotinas automatizadas", ou seja porque algumas pequenas previsões descritas no texto, de fato, se mostraram precisas.

Então, penso que por estas razões vale o resgate!!

Vamos lá:

O ARQUITETO E O COMPUTADOR
Paulo Ricardo Bregatto

Uma das últimas grandes revoluções ocorridas na arquitetura e na engenharia, mais precisamente no processo de produção e operacionalização do projeto, sem dúvidas se deu com a chegada da chamada segunda onda(1), isto é, com a chegada da revolução industrial, em fins do século XVIII. Além da descoberta e disponibilização de novos materiais e técnicas para a construção e, consequentemente, do domínio pelo homem dos métodos cada vez mais exatos de cálculos, a revolução industrial trouxe, através de GASPARD MONGE(2), a elaboração de um sistema universal de projeções, onde o desenvolvimento da geometria permitia que fossem representados por desenhos, de modo rigoroso e unívoco, todos os aspectos e particularidades da construção. Isto permitiu aos projetistas um procedimento universal para determinar univocamente por meio de desenhos quaisquer disposições dos elementos da construção, por mais complicados que estes fossem e, aos executores, a possibilidade de possuírem uma orientação, também universal, para interpretarem estes desenhos e gráficos elaborados.

A partir disto, ao contrário do geômetra(3), que marcava no próprio solo, com pedras e piquetes, a forma, os limites e compartimentos de uma construção, o edifício e suas partes podiam ser visualizados, questionados e avaliados previamente no papel. De lá até meados da década de 70 pouca coisa mudou. Embora ainda tivéssemos como prática riscar as nossas ideias com lápis ou canetas em papéis, fazíamos isto com materiais mais atuais para a época. Ao contrário do lápis com corpo de madeira e grafite bem apontado ou lixado, usávamos - e ainda usamos - as lapiseiras, dos mais variados tipos e das mais variadas espessuras. Ao contrário das canetas do tipo tinteiro – aquelas cujo corpo da caneta era sempre o mesmo e o que mudava eram as penas – usávamos as canetas com tinta a nanquim, mas com a praticidade dos estiletes projetados, onde para cada espessura desejada, correspondia uma caneta apropriada – o que já foi um grande progresso, uma vez que não precisávamos mais sujar as nossas mãos trocando, a todo o momento, as pouco práticas "penas" – e os papéis, tanto manteigas, quanto vegetais, quebradiços e pouco transparentes, evoluíram tecnologicamente para papéis de alta gramatura e maior resistência.

A década de 80 anunciou e trouxe para nós, de forma um tanto tardia, a modernidade e as facilidades dos sistemas CADD(4) e suas plataformas de automação. Os objetos e volumes arquitetônicos, nesta época, já podiam ser produzidos, representados e fartamente visualizados em bidimensão e em tridimensão através de infinitos movimentos rotacionais. Os edifícios e objetos, podiam ser visualisados, testados e aferidos, também, em seu comportamento estrutural. Foi a época da prancheta eletrônica. O raciocínio no desenvolvimento operacional do projeto continuava o mesmo, apenas os instrumentos tinham se modernizado. Não usávamos mais as lapiseiras, canetas e os papéis com tanta intensidade, mas continuávamos desenhando, agora na "telinha" do computador, como se estivéssemos desenhando na prancheta. É claro que haviam as facilidades de reprodução e multiplicidade instantânea – gira para cá, copia para lá, move para mais adiante – podíamos, então, economizar horas de repetições tediosas combinando partes de desenhos antigos e, também, utilizando os comandos poderosos que cada programa oferecia. Havia, também, a facilidade da agilidade e, principalmente, precisão(5) nos sistemas de dimensionamento dos objetos, mas, em contra-partida, não tínhamos mais a visão abrangente, muitas vezes necessária, que somente a folha presa na prancheta, com as demais pranchas presas nas paredes do nosso ateliê, nos dava. Sem falar na angústia de, muitas vezes, pela falta de prática e jeito, perdermos ao final de um dia, toda a produção. Foram anos difíceis. Era um instrumento novo em nossas mãos pouco acostumadas com esta vanguarda.

Nesta sequência, a década de 90 nos trouxe a possibilidade da visualização, em realidade virtual, de nossos projetos, já implantados e animados no tecido da cidade. A capacidade de geração de modelos em três dimensões nos permitiu analisar o projeto de forma visual e material, acrescentando superfícies aos desenhos, que outrora eram desenvolvidos somente como estruturas de linhas representando um aramado. Também permitiu definir fontes e tipos de iluminação e adicionar cores, para que nossos projetos tivessem uma aparência mais realista. Estes recursos nos possibilitaram, a partir da realidade virtual, passear numa rua entre os edifícios propostos, ou ainda, circular dentro dos seus espaços, enxergar suas formas, texturas e cores, bem como, sentir as emoções que eles nos trazem.

Estamos, sem dúvidas, diante de uma nova revolução referente aos processos operacionais de desenvolvimento de projetos. Embora seja este ainda um campo muito nebuloso para previsões a respeito de como estaremos produzindo a arquitetura nos próximos 50 anos, algumas especulações, principalmente no campo da instrumentação e dos processos de operacionalização dos projetos de arquitetura, já podem ser formuladas. Na medida que as ferramentas de trabalho mudam, de certa forma muda também a maneira de pensar, formular e representar os objetos que as utilizam e que por elas são gerados. E se, por um lado, ainda os programas, nas condições como eles se apresentam e chegam até nós, não estão preparados para interagirem e auxiliarem diretamente no processo inventivo dos arquitetos, por outro, interagem e muito na carpintaria do ofício da confecção do projeto(6). Também, os programas disponíveis para a computação gráfica evoluíram e se multiplicaram – e continuam a evoluir e a se multiplicar em progressão geométrica. Já não sabemos quem nasceu primeiro, se os computadores, cada vez mais potentes e carentes de programas mais complexos e elaborados, ou se os programas, cada vez mais ágeis e eficientes, que precisam de computadores, cada vez mais velozes em sua capacidade de processamento. É a mandala da tecnologia. A síndrome da velocidade como sinônimo de eficiência e praticidade. O tempo não para! Infelizmente...

Em síntese, não dispomos ainda de ferramentas que auxiliem a gênese do projeto, o momento da geração, invenção e concepção das ideias. Tão pouco dispomos de ferramentas que sejam tão ágeis e eficientes como o lápis macio que deita nervosamente sobre o papel, no momento da criação, no desenvolvimento dos primeiros e inúmeros croquis, no vai-e-vem constante dos desenhos na via de mão dupla do cérebro, para o papel, para o cérebro, naquele diálogo, muitas vezes nebuloso, mas sempre instigante e gostoso do arquiteto com os elementos do projeto que ele se dispôs a equacionar. Não podemos dizer que, com a utilização da computação gráfica, a qualidade do projeto como produto final(7) aumentou, mas podemos dizer com toda a certeza, que a informática nos trouxe praticidade e agilidade no processo de desenvolvimento do projeto, principalmente no que se refere a sua padronização e a universalização da linguagem gráfica. Esta padronização e universalização da linguagem gráfica dos arquitetos nos escritórios atenuou, em parte, as diferenças de representação gráfica, não só entre os escritórios de arquitetura, mas principalmente, dentro dos mesmos. O charme e o romantismo do melhor traçado, tanto à lápis quanto à nanquim, dos antigos e muito bons desenhistas profissionais, começava a dar lugar aos desenhos padronizados, muitas vezes frios e inexpressivos, nos primeiros contatos, mas sempre ágeis e universais, das impressoras laser, jato de tinta e traçadores gráficos.

Podemos dizer, também, que a informática nos trouxe, consequentemente, maior competitividade no mercado de trabalho, uma vez que temos condições de oferecer o mesmo produto que oferecíamos com a utilização do processo convencional(8), primeiramente com o mesmo preço mas num intervalo de tempo muito menor. Bom produto, bom preço e ótimo prazo, não deixam de ser indicadores de qualidade, competência e, principalmente nos dias de hoje, competitividade. Somente enxergando o fenômeno pela ótica da redução significativa dos prazos de execução dos projetos, toda e qualquer resistência, por parte de qualquer arquiteto, no sentido de se opor à informática(9) se desmorona, se mostra pouco econômica e, consequentemente, o transforma num arquiteto pouco competitivo.

Não estamos inventando nada, apenas aplicando, agora na prestação de serviços de arquitetura, aquilo que a indústria já aplicava na virada do século XIX para o século XX. Antigas lições revisitadas e reaplicadas. Estamos sempre aprendendo com a indústria.

Mas, como vimos, a possibilidade de possuirmos um ótimo prazo não é o único fator positivo na utilização da informática na arquitetura. O fenômeno tem outros dois desdobramentos de vantagens e facilidades sedutoras que devem ser perseguidas e otimizadas, como, bom preço e bom produto. Num primeiro momento canalizávamos, para a conta de nossas empresas, 100% de todo o lucro proveniente da produtividade ocasionada pelo uso da informática no desenvolvimento de projetos em nossos escritórios. Isto se dava devido a necessidade de fazer com que os investimentos iniciais – equipamentos, programas e treinamento – altíssimos muitas vezes, fossem diluídos. Hoje, já com os investimentos amortizados, esta margem de lucro ocasionada pela produtividade acima citada, transformada em moeda corrente, pode ser canalizada, em parte – à medida que constantemente temos que investir em treinamento e na atualização do nosso suporte tecnológico – ou totalmente para o nosso cliente. Fazendo isto, estamos nos tornando mais competitivos, uma vez que oferecemos ao mercado um bom produto – neste caso, ainda figurativamente o mesmo produto que tínhamos com a utilização do processo convencional – mas com o diferencial de ótimo preço e, agora, ótimo prazo.

Somente ótimo preço e ótimo prazo já seriam atrativos difíceis de se desconsiderar no dia-a-dia, na maioria das vezes, extremamente concorrido dos arquitetos. Como se não bastasse, até mesmo o projeto, enquanto produto final, tem um aumento considerável de qualidade. Neste caso, o projeto como produto final é visto como o conjunto de peças gráficas necessárias, tanto para a etapa de aprovação dos nossos projetos juntamente com o cliente, quanto para a viabilização da construção do edifício no canteiro de obras. Com a realidade virtual, por exemplo, passamos a ter condições de oferecer ao nosso cliente a possibilidade de fazê-lo circular pelos ambientes que compõem a sua futura residência, visualizar suas formas, texturas e cores, andar pelos seus jardins, vivenciar preliminarmente, mas na íntegra, a grandiosidade de seu sonho de morar.

A informática oferece outras tantas maravilhas para nós arquitetos. A possibilidade de literalmente, a partir da modelagem preliminar de uma volumetria básica, ainda na fase dos estudos preliminares, visualizarmos, analisarmos, testarmos e, se for o caso, lapidarmos nossas ideias. As imagens renderizadas dos nossos projetos, com ou sem movimento, substituem lentamente as artísticas aquarelas. Perde-se o toque artístico, muitas vezes mágico, dos pincéis e das aquarelas. Ganha-se em agilidade e, quase sempre, na quantidade das peças produzidas, uma vez modelado e renderizado o edifício ou objeto, podemos visualizá-lo, sem complexidade ou acréscimo de trabalho, de qualquer ângulo. São as exigências dos novos tempos. Por fim, se é que podemos esgotar suas possibilidades, uma vez modelado o volume definitivo da edificação, temos a facilidade de podermos dar fatias em todos os sentidos – horizontal e verticalmente – gerando todos os desenhos bidimensionais necessários para a composição de um projeto executivo. E se não nos auxilia ainda na construção do edifício propriamente dita, uma vez que não comanda máquinas automatizadas, capazes de substituir o homem no processo de construção no canteiro de obras, nos auxilia, e muito, na etapa preliminar de planejar e antever, através dos desenhos, os problemas e soluções numa obra. Como vemos, num mercado recessivo, onde a concorrência é bastante qualificada, temos que nos tornar cada vez mais competitivos. Isto posto, ótimo produto associado com ótimo preço e ótimo prazo pode ser visto como uma boa receita de sucesso profissional nesta virada de século.

Outros fatores auxiliam a aproximação, cada vez mais irreversível dos arquitetos com a informática. Para nossa comodidade, também, os equipamentos e programas necessários para a informatização de um escritório de arquitetura se tornaram cada vez mais acessíveis financeiramente. Os intervalos entre os lançamentos de novas máquinas com processadores de gerações mais avançadas estão cada vez menores e, mais rapidamente, estes equipamentos chegam ao nosso mercado prontos para o consumo e com preços atuais mais acessíveis que os de antigamente. Os programas estão sendo produzidos cada vez mais direcionados às áreas específicas do conhecimento. A época e, consequentemente, o mercado dos grandes, caros e de difícil aprendizado, gerenciadores gráficos universais utilizados e vendidos em sua estrutura básica para todas as áreas do conhecimento está se esgotando com sua imagem bastante desgastada. A má propaganda é sempre pior do que a não propaganda. Temos visto, em contra-partida, a evolução vertiginosa das plataformas de automações que objetivam encurtar, direcionar e personificar as rotinas de trabalho de acordo com cada especialidade. Também, os programas estão cada vez mais auto-explicativos e, seus autores, mais preocupados em descobrir, incorporar, refletir e representar, de maneira universal, as metodologias da prática projetual dos arquitetos. Para nossa felicidade a competitividade parece ter se instalado, também, entre os fornecedores da tecnologia que estamos consumindo. Como vemos, já não estamos mais falando de assuntos mitificados ou de coisas tão novas.

A informática é a linguagem de um novo tempo e este tempo é agora(*).

Hoje, depois de muito investimento e investigação, estamos alçando sozinhos nossos primeiros e grandes voos. O primeiro voo de um pássaro nem sempre é tão belo, embora decidido e irreversível. O horizonte é bastante amplo e as possibilidades quase infinitas. A informática, enquanto ciência, tende a universalizar os conhecimentos, romper com as estruturas que confundem e associam o saber ao poder. São os sinais de um novo tempo. E apesar de toda esta tecnologia e das facilidades que ela nos traz permanece, ainda, o cérebro humano como a máquina mais perfeita – embora pouco conhecida – e capaz de criar, resolver, inventar e antever, através da imaginação, as maiores maravilhas deste mundo. E tudo isto num piscar de olhos. E mesmo sendo uma tendência irreversível a participação da informática no mundo atual e, especialmente, como ferramenta de trabalho para a arquitetura, será ainda o ato de pensar, refletir, questionar e propor, a alavanca crítica e criativa e a base da atividade projetual do arquiteto.

Notas:

1 - Alvin Toffler, em seu livro A Terceira Onda - A Morte do Industrialismo e o Nascimento de uma Nova Civilização - 14ª Edição - Editora Record - Rio de Janeiro. Neste livro Alvin Toffler descreve as três grandes revoluções ocorridas na sociedade, as quais ele batiza de "ondas". A Primeira Onda foi a Revolução Agrícola, a segunda onda foi a Revolução Industrial e a terceira onda está sendo as transformações que estão acontecendo na sociedade com o advento da Informática na vida das pessoas.

2 - As regras de Geometria Descritiva, base de todos os sistemas de projeções, foram formuladas por GASPARD MONGE (1746-1818) entre os últimos anos da Monarquia e os primeiros da Revolução. Generalizando os métodos introduzidos pelos tratadistas do Renascimento, Monge dá uma forma rigorosa aos vários sistemas de representação de um objeto tridimensional sobre as duas dimensões da folha de papel.

3 - Na antiga Roma de Marcus Vitruvius Pollio (século I a.C.), as etapas de produção de um edifício já estavam subordinadas a uma hierarquia onde, o MECHANICUS, era responsável pela concepção e elaboração dos projetos, o GEOMETRA, era responsável pela locação da obra e encargos similares e o ARCHITECTUS, era responsável pela direção dos trabalhos de construção.

4 - CAD ou CADD é uma palavra concebida a partir das iniciais de Computer Aided Design and Drafting, ou Projeto e Desenho Assistido ou Auxiliado por Computador.

5 - Alguns programas, como por exemplo o AutoCAD produzido pela Autodesk, opera na precisão de 16 casas decimais (este sistema é chamado de dupla precisão). Isto significa dizer que quando desenhamos um centímetro quadrado, neste programa, estamos desenhando exatamente 1,0000000000000000 centímetros quadrados. O que para o melhor "olho clínico", do melhor desenhista, é uma disputa desleal. Esta dupla precisão, no outro extremo, também nos permite trabalhar com desenhos muito grandes, onde podemos desenhar uma cidade completa, como Porto Alegre, e até mesmo, com detalhes, o sistema solar em escala completa.

6 - O projeto é visto aqui como sendo o conjunto de peças gráficas necessárias para viabilização da comunicação entre os profissionais no canteiro de obras, bem como, sua metodologia de desenvolvimento operacional no dia-a-dia nos escritórios de arquitetura.

7 - Devemos entender, como produto final, não a obra em si (edifício acabado), mas sim os projetos necessários, tanto o arquitetônico, quanto os complementares, para sua viabilização.

8 - Neste caso, devemos entender o processo convencional, como sendo o processo de desenvolvimento de projeto, após a sua concepção, que vai do estudo preliminar, passando pelo anteprojeto, projeto de municipalidade e projetos complementares, chegando aos projetos executivo e de detalhamento, que utiliza os instrumentos convencionais de desenho, como por exemplo, a prancheta, a régua paralela, a escala, os esquadros, as lapiseiras e as canetas à nanquim.

9 - Esta resistência em assimilar a informática, por parte dos arquitetos, fora as condicionantes financeiras já citadas, muitas vezes se dá pela defesa ao apelo artístico, romântico, e até mesmo poético, do lápis sobre o papel.

2 comentários:

Unknown disse...

Oi, Bregatto!! Esse texto é incrível, impressionante como continua atual, parabéns! Aaah,e que honra estar sendo a primeira a postar um comentário =)
Achei muito boa essa tua iniciativa de montar um blog, assim podemos nos comunicar também por aqui. É isso aí...
Um grande abraço!!!

Laura Karam.

Paulo Ricardo Bregatto disse...

Laurinha querida!!

Pois é!! Vc está sendo a primeira a postar um comentário. E tb foi a primeira a saber deste bloguinho piloto!! Maravilha então, vamos continuar nos falando tb por aqui!!! Se vc gostou, comente com nossos colegas!!
Super bj