sábado, 14 de março de 2009

Croquis

Entende-se por croquis o desenho livre, descomprometido com regras e instrumentos de precisão, embora seja fundamental que ele respeite os principios de proporcionalidade, representando os objetos, espaços ou paisagens que podem estar sendo observados ou imaginados pelo seu autor.

O croquis (palavra francesa eventualmente aportuguesada como croqui ou traduzida como esboço ou rascunho) costuma se caracterizar como um desenho rápido, feito com o objetivo de discutir ou expressar graficamente uma idéia, bastante caracterizado pelo gesto de seu autor.



Um croquis, portanto, não exige grande precisão, refinamento gráfico ou mesmo cuidados com sua preservação, diferente de desenhos finalizados. Costuma ser realizado em intervalos de tempo relativamente curtos, de acordo com o grau de complexidade daquilo que se está querendo representar ou imaginar. O que costuma ser mais importante no croquis é o registro gráfico de uma idéia instantânea, através de uma técnica de desenho rápida e descompromissada.

Tanto quanto a grafia de uma pessoa, o traço utilizado na construção de um croquis expressa características únicas, pessoais e intransferíveis do seu autor, oportunizando o reconhecimento imediato de aspectos gráficos, estruturais e geométricos capazes de serem facilmente identificados. Um estudo mais aprofundado sobre as características gráficas do traçado irá nos permitir reconhecer e identificar traços da personalidade do seu autor (mostre-me o seu desenho e eu te direi que és).

Usa-se a palavra croquis em francês pois normalmente seu correspondente em português (esboço) pode possuir, dependendo do contexto, um significado diferente, especialmente quando se trata do desenho arquitetônico, para o qual o croquis possui um papel de destaque, sendo considerado uma etapa de projeto.

Neste contexto, o croquis costuma ser considerado um desenho bastante pessoal usado principalmente para discutir idéias: ele não é um fim em si mesmo. Já o esboço costuma ser considerado uma etapa inicial para um desenho mais elaborado (neste contexto, portanto, o esboço passa a ser um "fim em si mesmo").

De qualquer forma, as duas palavras também são usadas cotidianamente como sinônimos por arquitetos, de forma que não há uma definição formal entre um e outro.

Um croquis, dado o seu aspecto de instantaneidade e diálogo formal, não costuma seguir regras formais de desenho ou técnicas muito elaboradas. Os principais materiais para elaboração de croquis são justamente aqueles que não exigem um refinamento maior de desenho: lápis, barras de grafite, canetas esferográficas e de ponta de nylon, lápis de cor e hidrocores, entre outros.

Arquitetos também costumam utilizar-se bastante de bicos de pena ou nanquins. Quanto ao suporte, um croquis pode ser realizado em praticamente qualquer material, como as mais diversas variedades de papel.

Quanto à técnica de desenho, normalmente não envolve gestos elaborados ou refinados, como o claro-escuro e sfumato. Costuma caracterizar-se como um desenho de linha pura, com eventuais retículas, pontilhados e texturas rápidas, mais representativas que realistas.

No caso específico da arquitetura o croquis assume um papel de expressiva importância, pois não sendo um fim em si mesmo, torna-se um eficiente instrumento de linguagem permitindo aos arquitetos investigarem graficamente as complexidades e particularidades propositivas do problema que ele pretende equacionar com o seu projeto ou, ainda, o reconhecimento claro e preciso dos elementos de significado e estrutura da paisagem que ele pretende reconhecer e intervir.

Também, a tecnologia Cad está a serviço do croquis. Os programas que chegam até nós nos dias de hoje, com suas interfaces gráficas cada vez mais amigáveis, permitem aos arquitetos a capacidade investigatifva rápida e eficiente a partir de modelagens expeditas digitais (croquis digital).

O croquis é uma ferramenta de linguagem (conjunto de símbolos e signos utilizados pela espécie humana com o objetivo de expressar uma idéia) e, portanto, serve para que possamos conhecer o mundo que nos cerca e, consequentemente, intervir nos seus mais diversos espaços.

Quando representamos graficamente os espaços e objetos existentes à nossa volta estamos, com isto, reconhecendo o significado e a estrutura destes espaços e objetos. O mesmo acontece quando, ao contrário do desenho de observação, estamos diante de uma idéia em fase de invenção. Naquele momento nebuloso onde várias hipóteses se mostram possíveis e não temos ainda muita certeza sobre os caminhos a seguir.

É neste estágio do processo de projeto que o croquis se torna um importante instrumento de reflexão, pois ele nos permitirá estabelecer um diálogo íntimo do arquiteto para consigo mesmo e para com os elementos do programa que ele pretende equacionar. Torna-se então uma via de mão dupla, onde tudo aquilo que é imaginado é instantaneamente testado graficamente no papel para que, então, à luz destes registros gráficos o arquiteto possa refletir sobre a hipótese desenhada e avançar no desenvolvimento da idéia ou até mesmo fazer as necessárias correções de rota.

O croquis, seja ele convencional ou digital, é o meio de expressão e representação que acompanha a velocidade do pensamento, naquele momento frenético e apaixonante do projeto, onde um único problema pode nos apontar os mais diversos caminhos. Será ele, portanto, que nos ajudará a testar graficamente as várias soluções possíveis para um mesmo problema e será, também, ele que nos ajudará a tomar a decisão por um destes caminhos.

Uma vez que uma hipótese de projeto se mostra viável, por oferecer respostas ao maior número possível de questões levantadas pelo problema, o croquis vai lentamente saindo de cena, dando espaço para outros tipos de desenho cujo potencial de expressão e investigação seja reconhecidamente mais adequado ao grau de desenvolvimento daquela etapa do projeto.

Algumas dúvidas conceituais são impostas pela própria lingua portuguesa que não faz a necessária distinção entre o desenho como expressão gráfica e o desenho como projeto, fato que confunde até mesmo os mais experientes bibliotecários nas escolas de arquitetura. Não raro encontraremos livros que tratam de metodologia de projeto nas estantes dos livros de técnica de desenho.


Desenho é, pois, também, designio. É intenção. É, portanto, projeto e não apenas técnica de expressão e representação. Ao contrário de outras línguas, o portugues define desenho como técnica gráfica e não como projeto. No espanhol temos os termos “dibujo” para significar as várias técnicas de expressão gráfica e temos o termo “disegño” para significar uma intenção propositiva.

Como sabemos, não obstante aos conflitos conceituais linguisticos, o desenho como linguagem nos remete ao reconhecimento de que para cada necessidade de expressão encontraremos um meio de representar esta idéia e estabelecer, portanto, a comunicação e o diálogo necessários com o nosso interlocutor, seja ele o nosso cliente, os professores do atelier de projeto, visitantes de uma exposição de trabalhos de arquitetura, os operários no canteiro de obras ou os promotores de um concurso público de idéias.


Desenhar, acima de tudo, é saber ver e, portanto, o croquis é o instrumento mais adequado para nos ajudar a ver e a reconhecer o mundo que nos cerca.

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