domingo, 6 de julho de 2014

Sobre o Amor

Disse, então, Almitra: Fala-nos do Amor. E ele levantou a cabeça e olhou para as pessoas e o silêncio caiu sobre eles.

E com uma voz poderosa ele disse:

Quando o amor vos chamar, segui-o, apesar do seu caminho ser duro e íngreme. E quando suas asas voz envolverem, abraçai-o. Apesar da espada escondida entre suas penas poder ferir-vos. E quando ele falar convosco, acreditai nele. Apesar de sua voz poder esfacelar vossos sonhos como o vento norte arruína o jardim.

Pois mesmo quando o amor vos coroa, ele vos crucifica. Mesmo sendo para o vosso crescimento, ele também vos poda. Mesmo quando ele chega à vossa altura e acaricia vossos ramos mais tenros que tremem ao sol. Ele também desce até vossas raízes e abala a vossa ligação com a terra. Como feixes de milho, ele vos une a si próprio. Ele vos ceifa para desnudar-vos. Ele retira vossas espigas. Ele vos mói até ficardes brancos. Ele vos amassa até ficardes moldáveis. E depois ele vos designa ao seu fogo sagrado, para que vós vos torneis o pão sagrado do sagrado festim de Deus.

Todas estas coisas o amor fará convosco até que conheçais os segredos dos vossos corações, e, através deste conhecimento, vos torneis fragmentos do coração da Vida.

Mas se, por medo, buscardes apenas a paz do amor e o prazer do amor, é melhor que cubrais a vossa nudez e que passeis da eira do amor para o mundo sem estações, onde rireis, mas não todo o vosso riso, e chorareis, mas não todas as vossas lágrimas.

O amor não dá nada além de si mesmo e não toma nada além de si mesmos. O amor não possui e nem é possuído, pois o amor é suficiente ao amor.

Quando vós amais, não deveis dizer: “Deus está no meu coração”, mas sim “Estou no coração de Deus”. E não pensai que podeis dirigir o curso do amor, pois o amor, se achar que mereceis, dirige o vosso curso. O amor não tem outro desejo além de satisfazer a si mesmo.

Mas se vós amais e precisais ter desejos, que sejam estes os vossos desejos:

Derreter e ser como um riacho que corre e canta sua melodia para a noite. Conhecer a dor do carinho demasiado. Ser ferido pela própria compreensão do amor. E sangrar por vossa própria vontade e com alegria. Acordar ao amanhecer com o coração leve e agradecer por mais um dia de amor. Descansar ao meio dia e meditar sobre o êxtase do amor. Voltar para casa ao entardecer com gratidão. E então dormir com uma prece ao bem amado em vosso coração e uma canção de louvor em vossos lábios.



O Profeta
Khalil Gibran
L&PM Pocket 222
Primeira edição
Páginas 22-25
Abril de 2001

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