sábado, 5 de julho de 2014

Sobre as Casas

Depois um pedreiro aproximou-se e disse: Fala-nos das Casas. E ele respondeu e disse: Em vossa imaginação, construís um abrigo na floresta; aqui, construís uma casa dentro dos muros da cidade. Pois assim como regressais ao lar no crepúsculo, também o faz o andarilho dentro de vós, sempre distante e sozinho.

Vossa casa é o vosso corpo maior.

Cresce ao sol e dorme no silêncio da noite; e tem seus próprios sonhos. A vossa casa não sonha? E sonhando, não deixa a cidade por uma clareira ou pelo topo de uma colina?

Se eu pudesse, reuniria vossas casas em minha mão e, como um camponês, as semearia na floresta e nos campos. Se eu pudesse, os vales seriam vossas ruas, e os caminhos verdejantes vossos becos, para que pudésseis procurar uns aos outros através dos vinhedos, e ter o perfume da terra em vossas roupas.

Diga-me, povo de Orfalese, o que tendes nestas casas? O que guardais nestas portas trancadas? Tendes paz, a silenciosa necessidade que revela seu poder? Tendes lembranças, os arcos cintilantes que ampliam os vértices da mente? Tendes beleza, que leva o coração das coisas feitas de madeira e pedra para a montanha sagrada? Contai-me, tendes estas coisas em vossas casas?

Ou tendes apenas conforto e o desejo de conforto, aquilo que entra ardilosamente na casa como um hóspede, depois torna-se anfitrião e mais tarde proprietário?

Sim, e torna-se um domador e, com ganchos e cordas, faz marionetes de vossos maiores desejos. As suas mãos são de seda, mas seu coração é de ferro. Ele vos faz dormir, só para ficar ao lado da cama e ridicularizar a dignidade da carne. Faz pouco do vosso bom senso e o deposita sobre algodão, como um frágil vaso.

Na verdade, o desejo de conforto mata a paixão da alma, e depois vai sorrindo ao funeral.

Mas vós, filhos do espaço, vós, inquietos no descanso, não caireis na armadilha nem sereis domados. Vossa casa não será uma ancora, e sim um mastro. Não será uma cintilante atadura que recobre uma ferida, mas uma pálpebra que guarda o olho. Não dobrareis as asas para passar pelas portas, nem curvareis as cabeças para não bater no teto, nem tereis medo de respirar para que as paredes não rachem e caiam. Não vivereis em tumbas feitas pelos mortos para os vivos.

E, apesar da magnificência e do esplendor, vossas casas não guardarão seus segredos nem abrigarão vossos desejos. Pois aquilo que é ilimitado em vós habita a mansão do céu, cuja porta é o orvalho da manhã, e cujas janelas são as canções e o silêncio da noite.



O Profeta
Khalil Gibran
L&PM Pocket 222
Primeira edição
Páginas 44-47
Abril de 2001

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