segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Coordenação Modular - Parte 1

BREVE HISTÓRIA E ASPECTOS IMPORTANTES

O objetivo central deste artigo é enfocar a importância e a aplicação da Coordenação Modular nos processos de projeto e construção e revisitar os tradicionais conceitos que regram a Coordenação Modular.

Assim sendo, surge a necessidade da racionalização dos processos e materiais de construção, objetivando, através de um dimensionamento mais universalizado, preservar as características individuais e originais de cada um destes materiais. Torna-se necessário, então, estudar os conceitos de módulo e de coordenação modular objetivando primeiramente repensar, enquanto processo de projeto e construção, as moradias das populações de baixa renda que habitam as favelas e, posteriormente, com o intuito de tornar os investimentos menores e, conseqüentemente, provar que tudo isto é possível sem o sucateamento e/ou sombreamento da criatividade do Arquiteto.

A Coordenação Modular, que parte do princípio da industrialização e da repetição múltipla de um mesmo elemento, vai regular padrões de organização e adequação no projeto e racionalizar os processos da construção evitando desperdícios de materiais e gerando uma economia final significativa.

1 - INTRODUÇÃO

HOMEM, MEIO E PRODUTO

O homem vive num certo meio físico natural e a resposta do organismo humano aos estímulos do ambiente determina o comportamento do indivíduo à procura de sua sobrevivência e bem-estar. Quando o homem não consegue os bens da natureza ele mesmo os cria: produção é, portanto, o ato de criar ou aumentar a utilidade de bens destinados a satisfazer as necessidades humanas e, produtos são os efeitos desses atos.

Ao produzir, o homem age sobre o meio dando lugar a interações entre os três elementos: homem, meio e produto, que configuram um sistema antropométrico e um processo bionômico humano. O meio natural é modificado por essas interações, configurando-se assim um ambiente natural e artificial, físico e sócio-econômico.

Portanto, é papel da arquitetura definir, espacialmente, o processo bionômico humano. O atendimento das necessidades humanas atribui a cada elemento do sistema, uma ou mais funções para as quais a arquitetura caracteriza e organiza um espaço por meio de invólucros, representado pela edificação. O objeto arquitetônico é, portanto, um produto na medida em que satisfaz a algumas necessidades humanas.


Seja qual for o destino do objeto arquitetônico, teremos sempre um sistema constituído de funções, espaços e invólucros, cujas partes são evidentes, cujo comportamento é conhecido e cujas interrelações são idênticas. A forma geral do invólucro é determinada, em princípio, pelo espaço. Este não é contudo uma entidade geométrica abstrata mas um novo ambiente destinado a abrigar funções e é papel do invólucro protegê-lo das ações do meio externo, tornando-o habitável.

Prescindindo da função a que se destina, um espaço deve possuir determinadas condições de habitabilidade representadas por requisitos de segurança, higiene e conforto. O atendimento destes três requisitos transforma o espaço organizado (perceptível) em espaço qualificado (tangível), onde o objeto arquitetônico é visto como sendo a soma dos espaços organizados e qualificados. Transformar estes espaços amorfos em espaços organizados, para determinadas funções humanas, é produzir, assim como o é, transformar matéria prima bruta em edificações habitáveis.

Isto posto, configuram-se duas fases na arquitetura como produção: uma abstrata de organização e qualificação do espaço e outra concreta de realização da edificação.

COORDENAÇÃO DIMENSIONAL

No momento em que qualificamos o espaço o tornamos tangível e, de uma maneira ou de outra, o dimensionamos. O objeto arquitetônico é uma entidade concreta na qual identificamos espaços disponíveis (ambientes) e espaços ocupados (invólucros).

É, então, papel da coordenação dimensional compatibilizar dimensionalmente de forma racional e orgânica os espaços disponíveis e os espaços ocupados. A coordenação dimensional não deve ser entendida como um mero instrumento geométrico mas, também, físico e econômico. Não está apenas vinculada à composição arquitetônica mas, também, à tecnologia e à produção. Se em cada ambiente o homem realiza uma ou mais atividades, o espaço que o define deve ser o mínimo necessário e suficiente para a perfeita realização dessas atividades. Chama-se de estudo de disposição física a definição desse espaço. Se quisermos quantificar e medir esse espaço, podemos recorrer a uma unidade de medida à qual podemos chamar de módulo.

Esta unidade de medida pode ser tridimensional, bidimensional ou monodimensional desde que se destine a medir dimensões espaciais, superficiais ou lineares.

Visto que este módulo mede o espaço unitário alocado a uma atividade ele é chamado de módulo-função. Este módulo não deve ser, necessariamente, cúbico (quadrado) ou paralelepípedo (retângulo) a medida em que o espaço/atividade pode ser circunscrito por outras figuras geométricas de acordo com a necessidade formal e funcional do espaço.

É claro que as figuras geométricas que melhor se prestam para esta finalidade são aquelas que permitem medir completamente o espaço, portanto são aquelas que possuem afinidade geométrica perimetral, tais como, o quadrado, retângulo, hexágono, triângulo, ou os sólidos formados a partir da combinação geométrica entre eles. Figuras geométricas, tais como, o círculo, elipse e suas variantes não possuem afinidades geométricas a medida em que seus intervalos perimetrais não se encaixam, formando, a partir de suas associações, figuras geométricas diferentes e complexas. O envoltório desse espaço, também, deve ser geométrica e fisicamente definido. Chama-se de dimensionamento a essa definição e o espaço comprometido deve ser o mínimo e suficiente para abranger completamente o invólucro e permitir que este desempenhe todas as funções previstas.

Por analogia, também podemos, neste caso, utilizar para o dimensionamento uma unidade de medida que também chamamos “módulo”, mas a distinguimos do anterior com o atributo “forma”. Temos portanto um módulo-função e um módulo-forma. Também o módulo-forma não deve ser gerado necessariamente e exclusivamente por figuras como o quadrado e o retângulo. Entretanto, também neste caso, são preferíveis as que têm afinidade geométrica perimetral.

No ato da compatibilização estabelece-se a congruência entre os dois módulos e, tendo em vista que, a nova unidade deve ter caráter de univocidade e repetitividade decorrente das exigências de produção, resulta uma terceira categoria de módulo que chamamos de módulo-objeto. O módulo-objeto é uma figura geométrica repetitiva destinada a definir, a organizar, qualificar o espaço, otimizar o desenvolvimento de uma ou mais atividades e concretizar o objeto arquitetônico. Desde que a coordenação dimensional utilize uma unidade de medida representada por um módulo-objeto, ela passa a ser uma coordenação modular.

Na história da arquitetura o uso de módulos nos projetos pode ser encontrado em várias épocas, desde a antigüidade. O módulo dos clássicos era certamente um módulo-forma, enquanto o Modulor, de Le Corbusier, pode ser considerado um módulo-função. As séries de módulos romanos identificados pelo Prof. Tine Kurent, revelam características de módulo-objeto, mas de todas as aplicações mais antigas o Ken, módulo japonês, derivado do tatami, representa também um raro exemplo de módulo-objeto.

A partir disto, é oportuno ressaltar que a coordenação dimensional é habitualmente entendida como um instrumento de normalização das partes da edificação. No caso da coordenação modular, a norma brasileira NB-25 assim a define:

“É uma técnica que permite relacionar as medidas de projeto com as medidas modulares por meio de um retículo espacial de referência.”

É claro que ao utilizarmos uma unidade de medida para o espaço organizado (módulo-função) e outra para o invólucro (módulo-forma) estamos articulando as dimensões dos espaços parciais e as dos componentes, compatibilizando-se entre si também. A compatibilização geral se dará, entretanto, apenas se o módulo-função e o módulo-forma forem compatibilizados com o módulo-objeto.

Módulo-Função: Mede o espaço unitário alocado a uma atividade.
Módulo-Forma: Mede o invólucro de um espaço unitário alocado a uma atividade.
Módulo-Objeto: Mede a univocidade e repetitividade decorrente das exigências de produção.

INDUSTRIALIZAÇÃO NA CONSTRUÇÃO

A coordenação dimensional tem por meta principal, sem dúvida, a industrialização da construção. É notório que o método industrial se propõe a obter com a economia de escala, a compatibilização e a otimização de qualidade, quantidade e custo. Esta meta resulta de uma racional aplicação de recursos, da eliminação dos desperdícios e do aumento de eficiência dos fatores de produção, mão-de-obra e equipamentos.

O princípio fundamental do método industrial é a continuidade física, temporal e conceitual. Física, porque decorre do perfeito desempenho do produto como um todo. Temporal, porque procede da correta cronologia dos eventos que compõem o processo de produção. Conceitual, porque resulta da unidade e coerência do pensamento e da ação dos intervenientes no processo de decisão. A continuidade é fruto da organização e da previsão e sua conseqüência é a repetição. Esta decorre da simplificação, da especialização, da divisão do trabalho e da normatização e, faculta a aplicação extensa de mecanização e de processos de automações industriais. Em síntese, é a aplicação da racionalização, isto é, da eliminação da casualidade nas decisões. Fisicamente, isto conduz às séries repetitivas e contínuas de produção.

A UTILIZAÇÃO DA COORDENAÇÃO MODULAR NA CONSTRUÇÃO CIVIL

Nos anos 50, obteve consenso mundial, a idéia de pré-fabricação como produção prevalentemente industrial, de elementos construtivos adaptáveis quase acabados e, também, de partes de edifícios ou edifícios completos, em locais de produção separados do local de construção. Era a época na qual se pensava, insistentemente, nas grandes séries de produção de massa, de peças padronizadas a serem estocadas, de canteiros reduzidos a simples linhas de montagem, nos quais o trabalho em cadeia fosse alimentado pelo fluxo de materiais provenientes dos estoques existentes nas indústrias de transformação e a integração das partes fosse assegurada por medidas técnicas de coordenação dimensional com base modular. Isto obteve tanto sucesso a ponto de ser posteriormente adotada em outros setores produtivos, como por exemplo o naval e o eletrônico, que ela foi transposta acertadamente, trocando de significado e de função.

No panorama internacional, surgiram, os monstros sagrados da pré-fabricação pesada francesa e russa e entre nós algumas tentativas de pré-fabricação, sobretudo estrutural, e de instalações hidrossanitárias (os chamados blocos água). Dado o sucesso, bastante relativo, da pré-fabricação, começou-se a falar, por volta dos anos 60, de “industrialização”, ainda desta vez de maneira amadorística e fantasiosa, com vagas referências aos processos ocorridos em outros setores industriais.

Foi, porém, citada naquela época, uma definição de L. Grebler que abordava o assunto com bases mais sérias. Ela era, mais ou menos assim:

“Por método industrial pode ser assumido aquele, entre as modalidades de fabricação, que se apoia essencialmente na organização ergonômica de processos de tipo repetitivo, processos nos quais a incontrolada variabilidade dos processos de trabalho, própria da atuação artesanal, cede seu lugar a tipos de execução constante, de diferente grau de mecanização ou de automação e com utilização continua das instalações.”

Recentemente, graças a Matthys Levy aparece, enfim, o conceito de system building como operação de integração obtida a partir dos sistemas de utilização de componentes previamente definidos, sistemas que, obviamente, incluem todos os aspectos dimensionais.

O discurso da industrialização torna-se, nesse ponto, um discurso mais geral de concepção tecnológica. O que significa que, na produção industrial, tudo aquilo que é produzido por máquinas, desempenha um papel meramente instrumental, enquanto a verdadeira visão do “fazer industrial”, corresponde ao inteiro percurso de projetação com particular cuidado à fase chamada: industrialização do produto ou da sua produção.

No que se refere à construção, tem pouca importância o fato de que os produtos pertencentes a ciclos de fabricação de canteiro venham parcialmente ou totalmente da oficina ou que tratem de trabalho no local: aquilo que interessa é a predisposição sistemática das atividades executivas ligadas à coordenação ou integração de seus resultados (exceto o princípio de repetição nos sentidos acima colocados). Este relacionamento acontece, conforme já foi colocado, durante o ato de projetar. O ato de projetar, se transforma, assim, radicalmente e torna-se mais complexo em relação à prática tradicional, mas também mais preciso e unívoco e, paradoxalmente também, menos rígido e mais flexível e adaptável a circunstâncias diversas que podem intervir no tempo.

Os textos dos pioneiros da arquitetura moderna contém algumas idéias básicas que constituíram até hoje a doutrina fundamental das tecnologias de informação da produção na construção civil chamada de pré-fabricada ou industrializada. Estas idéias podem ser resumidas assim:

- as técnicas como fundamento do lirismo onde a fonte de toda a beleza arquitetônica reside na tecnologia,

- a repetição, ou seja, a série, ao nível de órgão construtivo, constitui valor arquitetônico,

- o caráter abstrato do ambiente considerado libertador em relação aos limites individuais impostos aos espirituais para afirmar sua carga objetiva,

- a falsa noção de industrialização, tema obrigatório em matéria de transformações futuras.

Em tal contexto, os construtores visualizaram o ato arquitetônico sob um perfil eminentemente técnico e tecnológico, ignorando completamente o destinatário da mesma, o usuário final e, de certo modo, também o arquiteto, obrigando a assegurar o uso das tecnologias escolhidas pelo empreendedor para conceber sua própria obra, independentemente do contexto ambiental e humano no qual seria levada a se situar e negando, então, completamente a própria essência do ato arquitetônico.

2 – BREVE HISTÓRIA DA COORDENAÇÃO MODULAR E SEUS ASPECTOS IMPORTANTES PRELIMINARES

Torna-se, então, necessário abordar e analisar a Coordenação Modular a partir de um breve histórico sobre sua origem e sua utilização e, também, dos aspectos importantes diretamente relacionados com a aplicação do método industrial à construção civil. Esta aplicação, qualquer que seja a modalidade escolhida e o método adotado, desdobra as operações, que hoje se realizam, quase que, exclusivamente, no canteiro de obras, em outras de dois tipos: operações de fabricação (executadas nas fábricas ou usinas) e operações de montagem (executadas no canteiro).

Para possibilitar a seqüência natural das operações, todo um conjunto de normas deve ser estabelecido visando padronizar os elementos construtivos e dar uma forma orgânica à técnica de projeto. O conjunto dessas normas constitui, como já vimos, a coordenação dimensional. Aplicando o conceito de módulo à coordenação dimensional obtemos a coordenação modular. O módulo, que na arquitetura, é uma unidade de medida convencional, adotada para estabelecer dimensões, proporções e ordenar a construção de elementos de um determinado organismo arquitetônico, passa a desempenhar a função de divisor comum a todas, ou algumas, dimensões dos elementos industrializados de forma a proporcionar condições para a sua atividade e elasticidade de aproveitamento.

Em outras palavras, a coordenação modular é um método por meio do qual estabelece-se uma dependência recíproca entre produtos básicos e intermediários de série (elementos construtivos) e os produtos finais (edifícios) mediante uma unidade de medida comum.

As operações de coordenação são operações de seleção, de correlação e de intercambialidade e sua sistematização exige a formulação de: um sistema de referência, um sistema de medidas, um sistema de medidas de coordenação modulares, uma teoria dos ajustes e tolerâncias e um sistema de números preferenciais.

Sistema de referência, formados por pontos, linhas e planos, aos quais devem relacionar-se as medidas e posições dos componentes da construção, e que possibilite a sua individuação unívoca no organismo arquitetônico.

Sistema modular de medidas, baseado em uma unidade de medida chamada módulo e em alguns múltiplos inteiros ou fracionários do mesmo.

Sistema de medidas de coordenação modulares comensurável com o módulo básico ou com o menor de seus sub-módulos.

Sistema de ajustes e tolerâncias, que permita definir com segurança os limites dimensionais dos elementos em função das exigências de associação ou montagem.

Sistema de números preferenciais, escolhidos de forma adequada em relação as características intrínsecas de um sistema modular e de maneira a obedecer as regras numéricas seletivas e que permitam uma seleção organizada de dimensões.

Estes, e outros aspectos práticos, são examinados, neste artigo, com o propósito de divulgar o que pode ser considerado o instrumento mais válido para a racionalização e a industrialização do processo construtivo, objetivos esses que devem ser realizados de forma orgânica, correta e segura.

O processo de evolução que a arte de construir está sofrendo deve ser definido com termos rigorosamente racionais, esclarecendo-se a relação efetiva entre arquitetura e indústria, pois, dessa definição, surgirão as condições mais favoráveis para resolver o crítico estado em que atualmente se debate a produção no setor da construção civil. É inegável o fato que o método industrial é o principal instrumento da produção, o mais coerente com nossa época, o único que pode restabelecer a organicidade do processo construtivo destruído pela intervenção de meios mecânicos, numa longa tradição artesanal. Coordenação e integração são fatores principais da realização do método industrial, procurando o máximo de produtividade através da continuidade dos processos.

A linha de montagem da indústria automobilística é o exemplo clássico dos sistemas para reduzir o custo de fabricação, mediante a aplicação de conceitos de padronização e produção em massa. Os locais de fabricação dos elementos podem ser independentes e afastados daquele em que se realiza a montagem. Neste processo, é implícita a exigência que a construção dos elementos componentes, deve ser subordinada à possibilidade de colocação e ajuste de cada um em seu lugar, com precisão e rapidez. A aplicação do método industrial implica na continuidade do trabalho e principalmente na continuidade das técnicas.

No campo da construção de edifícios, uma técnica análoga poderá ser adotada desde que se submetam os elementos a um processo de padronização que facilite a montagem das partes sem problemas de ajustagem, mesmo quando provenientes de fábricas diferentes. É portanto necessário que a produção seja limitada a um número razoável de elementos e de formatos que possam ocupar posições diferentes num mesmo ou em vários edifícios, permitindo tirar vantagem da produção em série sem reduzir a elasticidade do projeto. A realização prática destes conceitos é possível com o uso adequado do módulo.

O MÓDULO

O módulo na arquitetura é uma unidade de medida convencional, adotada para estabelecer dimensões, proporções e ordenar a construção de elementos de um determinado organismo arquitetônico. A exigência da modulação na arquitetura tem várias origens e razões justificativas: técnicas construtivas, estéticas e filosóficas.

Os etruscos foram os primeiros a adotá-la com uma certa regularidade. Na arquitetura clássica foi desenvolvido um sistema de proporções baseado no diâmetro inferior da coluna. Para a arquitetura japonesa o módulo é função das dimensões do tatami. De uma modulação clássica, de caráter quase exclusivamente estético, passamos para uma modulação de caráter prático-funcional.

Este módulo definido como módulo-medida, sofreu com o tempo uma evolução, principalmente em função da necessidade de aplicação do método industrial à construção de edifícios. O módulo atual tem, portanto, um caráter prevalentemente técnico construtivo. Este módulo é definido como módulo-objeto. O conceito do módulo é: número que depende da unidade de comprimento adotada. Qualquer que seja o seu valor ele é adotado como unitário.

O que se pretende analisar, neste artigo, é o módulo-objeto. Ver-se-á, porém, no decorrer dele, que as relações com a estética compositiva foram mantidas. Como critério geral, foram examinados os aspectos da modulação tendo em vista a aplicação específica à pré-fabricação elementar integrada, assim mesmo alguns princípios gerais e alguns critérios relativos às tolerâncias e aos ajustes, podem ser utilmente aplicados à pré-fabricação total e, embora, parcialmente, à construção-tradicional evoluída.

Cabe, aqui, registrar algumas definições:

Pré-fabricação total: um sistema de construção pelo qual unidades construtivas ou residenciais totalmente pré-fabricadas, com referência a um projeto perfeitamente estabelecido em todos os seus aspectos, são produzidas em usinas e montadas “in-loco” por intermédio de equipamentos adequados.

Pré-fabricação elementar integrada: é um sistema de construção pelo qual, elementos construtivos, padronizados no tipo e nas dimensões, são produzidos pelas usinas, para serem montados nos canteiros com equipamentos adequados.

No primeiro sistema, a produção em série tem por objeto unidades residenciais (casas ou edifícios) e a modulação é desnecessária, no segundo a produção em série tem por objeto, elementos construtivos e a modulação é indispensável sendo, aliás, o elemento metodológico básico do sistema.

BREVE HISTÓRICO SOBRE A COORDENAÇÃO MODULAR

A coordenação modular em arquitetura pode ser definida como um método ou sistema de projetar, em que os elementos construtivos estão dimensionados mediante uma unidade de medida comum, que estabelece uma relação de dependência entre estes elementos e o produto final, ou seja, o edifício. Esta unidade de medida, chamada de módulo, define as dimensões e proporções dos elementos. A ordenação e a organização destes elementos/módulos, dentro da construção, se deram de maneira diferenciada, em cada período da história da arquitetura.

Para que possamos ter uma noção da evolução dos sistemas construtivos, tendo como objetivo a compreensão do que seja a coordenação modular, consideramos os modos de produção na arquitetura divididos em três momentos distintos:

primeiro período: considerado da antigüidade até 1700, neste período é dado ênfase ao Egito, Grécia e Roma, cuja arquitetura era concebida à base da “Modulação Compositiva”

segundo período: considerado de 1700 a 1850, neste período é destacado o Palácio de Cristal, como um dos importantes marcos daquele momento. Este período se caracteriza pela “Modulação de Produção e Concepção”

terceiro período: considerado partindo de 1850 até nossos dias, e que conhecemos como “Coordenação Modular”. Neste período a produção da arquitetura se dá a partir dos propósitos da indústria da construção moderna, da necessidade da coordenação das dimensões, da normatização e da pré-fabricação das partes da construção

PRIMEIRO PERÍODO

Assim temos o primeiro período, caracterizado por uma produção arquitetônica única e, exclusivamente, centrada no homem, isto é, as construções eram erguidas basicamente através da força humana. Neste sentido temos como exemplo de um legado arquitetônico de extremo valor, as pirâmides do Egito. A construção das pirâmides envolvia sempre milhares de trabalhadores ou escravos, que carregavam as pedras por meios extremamente primitivos até o local da construção, onde eram cortadas nas dimensões corretas e a seguir erguidas até sua posição, na pirâmide.

Podemos dizer, então, que o módulo utilizado pelos egípcios estava relacionado muito mais com as dimensões necessárias das pedras para a construção da pirâmide do que com a capacidade que os trabalhadores tinham para transportá-las.

Os gregos, por sua vez, já possuíam uma idéia mais desenvolvida sobre o módulo, que era, então, a medida reguladora das proporções de uma construção, eles tinham como objetivo alcançar a harmonia entre todos os componentes do edifício. A arquitetura clássica, podemos dizer, está concebida à base de uma modulação compositiva, onde o valor estético do edifício possuía uma importância maior do que a sua função.

Os cânones criados pelos gregos estabeleceram as relações de proporção entre os vários elementos do edifício. Assim, apesar de Siegfried Gideon situar a arquitetura grega ao lado da pré-histórica, devido às soluções técnicas extremamente primitivas (...elementos horizontais apoiados em outros verticais...) temos a arquitetura grega, no que tange seus aspectos de composição, como um todo harmônico. Esta harmonia se deu a partir da definição do módulo, que estabeleceu a relação das proporções entre os elementos e o edifício.

Uma coluna, para ser harmônica, deveria ter uma altura igual a seis vezes o seu diâmetro da base e, o entablamento, deveria ser igual a um terço da altura, ou seja, igual a dois diâmetros. Os demais elementos do edifício seriam dimensionados a partir de um módulo que corresponde à metade do diâmetro da coluna. Observamos que o diâmetro das colunas poderia variar em cada edifício, pois não era considerado em termos de uma unidade de medida absoluta, e sim de uma unidade relativa, no entanto a proporção entre o diâmetro e a altura da coluna era sempre a mesma.

É inegável a importância e o destaque das ordens clássicas: dórica, jônica e coríntia, já descritas por Vitrúvio no primeiro quarto do século I D.C. e re-codificadas por Vigñola durante o renascimento italiano e que constituíram os “cânones” da arquitetura clássica.

Os gregos, no entanto, também trataram da questão da proporção através de sistemas matemáticos. Uma destas relações é conhecida como Seção Áurea, cuja fórmula diz:

“sobre a reta AB, ergue-se a perpendicular BD, igual a metade de AB. Une-se DA fazendo centro em D, toma-se o raio DB e se traça o arco EB. Faz-se centro em A e se traça o arco EC. Teremos a divisão da reta em duas partes desiguais, estando uma em relação à outra em divina proporção, pois que CB estará para AC como AC para AB.”

Utilizando a teoria pitagórica, dos medianos, os gregos marcavam os intervalos entre os tempos musicais. Eles concebiam a música como uma geometria expressa em sons, onde os compassos funcionavam como módulos. Esta idéia dos módulos musicais nos leva aos ritmos da música que poderíamos comparar ao ritmo dos elementos arquitetônicos.

Segundo Francis D. Ching, qualquer progressão que se baseie na Seção Áurea, será ao mesmo tempo aritmética e geométrica. Na série numérica de Fibonacci - 1,1,2,3,8,13,... - cada número é igual a soma dos dois anteriores e a razão entre dois termos consecutivos aproxima-se da Seção Áurea.

Verificamos, então que os gregos foram os mentores de toda a base do que hoje se configura com a nossa geometria. Os romanos, homens essencialmente práticos, por sua vez, adotaram um sistema de medidas de base antropométrica, isto é, a partir das medidas do corpo humano. Eles conseguiram padronizar seus tijolos em dois tipos universais, o “bipetalis” e o “sesquipetalis”.

Assim, o módulo utilizado pelos romanos para garantir a proporção e a harmonia das construções, eram por exemplo: os pés, os braços, etc. Eles acreditavam que o módulo criado a partir do tamanho do homem era o mais adequado, visto que as construções abrigavam o homem e suas atividades e, como tal, o homem seria a medida para todas as coisas. Temos, como exemplo, a cidade de Emona, cuja malha modular foi definida pela medida do pé romano. Assim o comprimento da malha foi definido em 360 passos romanos e a largura em 300 passos romanos, sendo que o denominador comum seria 60 passos e os multiplicadores 5 e 6.

No Japão, durante a segunda metade da Idade Média, foi implantada a medida chamada KEN. No princípio era utilizada somente para determinar a distância entre as colunas e não tinha uma dimensão fixa, no entanto no decorrer do tempo o KEN se tornou uma medida absoluta. A dimensão de uma habitação japonesa era determinada pelo número de Tatamis, que tinha uma modulação fixa de 1 por 2. Isto permitia um grande número de possibilidades quanto a forma de distribuir os Tatamis. O KEN, segundo Ching, não foi unicamente uma medida para a construção de habitações, mas tornou-se o módulo estético que regeu a composição, a estrutura, os materiais e o espaço da arquitetura japonesa.

De um trabalho de Yoshida (1935), ficamos sabendo que no Japão, as primeiras normas destinadas a unificar tipos construtivos e dimensões, datam de 1657, época em que ocorrera o segundo grande incêndio de Tóquio. Estas normas diziam respeito ao Tatami, usado em todos os locais internos, que, por isso, eram dimensionados de forma a poderem receber, no piso, um número inteiro de elementos. De uma modulação clássica, de caráter quase exclusivamente estético, passamos a uma modulação de caráter prático-funcional.

SEGUNDO PERÍODO

O segundo período, de 1700 a 1850, se caracteriza por uma produção arquitetônica centrada não mais no homem, mas sim na máquina. O surgimento da máquina à vapor possibilitou o desenvolvimento de equipamentos que transformaram os materiais, do seu estado bruto, em peças pré-fabricadas, principalmente em ferro e aço. Surge, assim, um novo conceito dentro da produção arquitetônica, o conceito da produção industrial, com a produção de elementos construtivos em maiores quantidades, em tamanhos e formas padronizadas, que aceleram o ritmo da construção e evitam as perdas de materiais.

Neste contexto surge a modulação de produção e concepção, que está diretamente relacionada com a produção de determinados materiais, no sentido de que, o tipo de material utilizado leva a uma concepção projetual específica. O Palácio de Cristal, de Joseph Paxton, é um grande exemplo deste período. Foi projetado em 1851 para ser a sede da exposição universal em Londres, como um marco do início do que hoje se considera construção pré-fabricada. A estrutura do palácio foi construída a partir de perfis de ferro pré-fabricados que possuíam 7 m de comprimento, distância esta que delimitou o espaço entre cada pilar de ferro.

O palácio foi construído em cerca de dez meses e teve grande repercussão, devido aos aspectos de sua produção totalmente pré-fabricada e com um resultado estético inovador para a época em termos de prédios industriais.

TERCEIRO PERÍODO

O terceiro período, de 1850 até os nossos dias é caracterizado pela idéia de coordenação modular propriamente dita. Em 1930, o americano Alfred Farewell Bemis, publicou o livro “The Evolving House” onde apresentava uma técnica de coordenação conhecida como “método modular cúbico”, esta foi a primeira pesquisa sobre a possibilidade de utilizar a modulação na construção civil.

Neste livro, Bemis propõe que, as partes que constituem a edificação seriam produzidas em série e, propõe a utilização de um módulo cúbico, que ocupe o edifício nas três dimensões. Esses estudos foram continuados pelo Instituto Americano dos Arquitetos e pelo Conselho Nacional dos Produtores e aproveitados pela American Standard Association (A.S.A.) que em 1946 publicou “A 62 Guide for Modular Coordination”.

Na mesma época, a Ordem dos Arquitetos da França criou um “Bureau de Normalisation”, que em 1942 apresentou à A.F.N.O.R. (Associação Francesa de Normalização) um projeto sobre coordenação modular, que mais tarde foi transformado em norma. Também, neste período, Le Corbusier desenvolve um sistema de proporções, o Modulor, a partir das dimensões do corpo humano.

Ele considerava os meios de medida dos gregos, egípcios e romanos como algo infinitamente rico e sutil, pois formavam parte das matemáticas do corpo humano, ágil, elegante, sólido, fonte da harmonia que nos move, a beleza. Por este motivo o modulor está embasado na Seção Áurea, na Série de Fibonacci e nas proporções do corpo humano. O modulor não era uma simples série numérica, era um sistema de medidas que permitiria manter a escala humana em todas as partes.

O principal trabalho de Le Corbusier, empregando o modulor, foi sua “Unité d'habitation” em Marselha, construída entre 1946 e 1952.

Em 1941, Gropius e Wachsmann desenvolveram um sistema de painéis de madeira através da aplicação de uma retícula modular de 3 pés e 4 polegadas, mediante o uso de uma junta universal, desde então, o estudo e a aplicação da coordenação modular assumiu um caráter universal e passou a ser conduzido em nível de cooperação internacional.

Na Inglaterra, o estudo destes problemas foi enfrentado durante a guerra pela “British Standard Institution” que através de seu “Building Divisional Council” criou em 1947 uma comissão especial. Esta comissão em 1951 publicou o relatório “Britisch Standard 1708 Modular Coordination” e mais tarde o “British Standard 2900”.

A Alemanha, após os trabalhos de Gropius, desenvolveu intensa atividade normativa no campo da Coordenação Modular, especialmente por iniciativa do arquiteto Ernest Neufert, datando de 1951 a primeira norma dimensional, a DIN 4172 (Massourdung in Hochbau) que estabeleceu uma tabela de números normalizados para construção. Também outros países como, Itália, Suécia, Bélgica, publicaram, logo após a guerra, normas de construção.

Ernest Neufert, na Alemanha do pós-guerra, pressionada pelos problemas bélicos e prevendo problemas de reconstrução, concebe um sistema de coordenação octamétrica, em seu “Bavordnungsiehre”, baseado no módulo de 12,5 centímetros.

No Brasil, em 1950, a ABNT elaborou a NB-25R, recomendada para “Modulação das Construções”, que foi reformulada em 1969. Segundo a NB-25/69, defini-se a coordenação modular como sendo o reticulado modular de referência que deve ser empregado em cada uma das três etapas da construção: no projeto, no projeto e fabricação de seus componentes e como guia para colocação no local da construção.

Os trabalhos de unificação neste campo, inicialmente de caráter individual para cada país, passaram a ser parcialmente coordenados em 1949 pela I.S.O. (International Standard Organisation) quando começou a fazer-se sentir necessidade de uma cooperação mais íntima com o objetivo de estabelecer uma padronização de caráter internacional. Esta cooperação desenvolveu-se especialmente pela ação exercida pela A.E.P. (Agence Europeenne da Produtivité) órgão da O.E.C.E. (Organisation Europeenne de Cooperation Economique).

A coordenação modular hoje, no entanto, traz consigo uma série de problemas ainda não resolvidos como, a escolha do módulo, suas dimensões, a adaptação dos materiais a um sistema modular único, a padronização e unificação do módulo base no mercado mundial e a preparação dos profissionais para a utilização do sistema de coordenação modular.

Portanto, para que a aplicação da coordenação modular se dê de uma forma abrangente será necessária uma mudança radical das técnicas construtivas, modificação dos métodos de fabricação e um nível de projeto e detalhamento mais apurado.

Este artigo segue na próxima postagem (Coordenação Modular - Parte II)

4 comentários:

Unknown disse...

Parabens pelo artigo, está muito bem embasado e vai ser muito útil. Espero que muitas pessoas tenham a satisfação de lê-lo, na tentativa de implantarmos definitivamente uma Coordenaçao Modular no país.
Por GasCoelho.

Rubens Benbassat disse...

Muito util e completo .
estamos realmente implantando esta coordenação modular na industria da construção.
www.bsconstrutora.com.br
Abs
Rubens Benbassat

Anônimo disse...

obrigado pela aula!
Guilherme de Azambuja, arquiteto

Marcelo disse...

Muito bom artigo, só senti dificuldade de ler pela letra branca em fundo preto.
Ps.: o conteúdo muito esclarecedor.

Marcelo Trindade - Arquiteto