quinta-feira, 11 de setembro de 2008

A arquitetura estaria melhor sem as escolas?

A revista AU (Arquitetura e Urbanismo), em suas edições mensais, apresenta na seção Fato & Opinião um assunto atual para discussão e convida alguns arquitetos para emitirem suas considerações sobre o tema apresentado.

Nesta edição de setembro, número 174, o assunto apresentado foi: A arquitetura estaria melhor sem as escolas? Esta polêmica foi levantada na abertura da Oxford Conference 2008 - Reseting the Agenda for Architectural Education, realizada em julho de 2008 na Universidade de Oxford, Inglaterra, pelos arquitetos Robert Adam e Peter Buchanan. Este evento teve como objetivo redefinir a agenda de educação em arquitetura estabelecida em 1958.

Nesta direção, a editora da seção Fato & Opinião, Valentina Figueirola, convidou alguns arquitetos para emitirem suas opiniões sobre a questão. Participaram desta edição os arquitetos, Helio Piñon (professor da Escola de Arquitetura de Barcelona, crítico e arquiteto), Fernanda Marques (arquiteta titular do escritório Fernanda Marques Arquitetos Associados), Maisa Veloso (arquiteta e professora do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFRN), Fernando Lara (arquiteto, professor da Universidade de Michigan), Paulo Ricardo Bregatto (arquiteto e urbanista, diretor da Bregatto Arquitetos e professor da PucRS, Ulbra e UniRitter) e Ciro Pirondi (arquiteto e diretor da Escola da Cidade).

A materia na íntegra pode ser conferida no link: http://www.revistaau.com.br/arquitetura-urbanismo/174/artigo101158-1.asp

Abaixo apresento as considerações dos participantes:

A arquitetura estaria melhor sem as escolas?
Colaborou: Valentina N. Figueirola

Para os arquitetos Robert Adam e Peter Buchanan, a arquitetura estaria melhor sem as escolas de arquitetura. Adam e Buchanan alegam que as atuais instituições de ensino são incapazes de formar profissionais bem preparados para as realidades da prática. A polêmica foi colocada durante a abertura da Oxford Conference 2008 - Reseting the Agenda for Architectural Education, realizada em julho de 2008 na Universidade de Oxford, Inglaterra. O evento teve como objetivo redefinir a agenda de educação em arquitetura estabelecida em 1958. Mas a idéia dos dois foi fortemente combatida pelos presentes, como o arquiteto e crítico inglês Peter Cook e Jeremy Till, diretor da faculdade de arquitetura da universidade de Sheffield. Segundo Till, sem as escolas, "o conhecimento arquitetônico definharia esmagado pelas forças do mercado".

Diante da discussão, AU pergunta: a arquitetura estaria melhor sem as escolas de arquitetura?

Helio Piñon
Professor da Escola de Arquitetura de Barcelona, crítico e arquiteto

Se todas as escolas fechassem, a qualidade dos edifícios experimentaria uma melhora de 15%. Tal convicção supõe uma autocrítica, pois ensino projeto há 36 anos. A incompetência generalizada de quem ensina a projetar - já se conhece o aforismo: "quem sabe projeta, quem não sabe ensina" - propicia o relativismo entre os docentes, convertendo-os nos mais fiéis aliados do mercado. As escolas perdem sua hipotética incumbência crítica e seu alegado compromisso com a qualidade. A eventual melhora que provocaria o impossível fechamento das escolas não deveria nos iludir: o mundo se acostumou a viver sem arquitetura. A realidade das cidades se constrói à margem de qualquer critério arquitetônico, ainda que toda ela esteja legalizada pela assinatura de arquitetos. As monstruosidades da "arquitetura do espetáculo" são uma mostra do declínio da visualidade e a anulação da capacidade de juízo, que exigem um sistema econômico baseado no consumo desconsiderado. A arquitetura só pode sobreviver nos espaços em que o sistema não exige funcionalidade, freqüentemente de âmbito individual. O caráter praticamente privado da arquitetura autêntica não exime de levá-la a cabo com a maior qualidade: costumo repetir que quando um sistema alcançou o máximo de inutilidade é quando não existe desculpa para apontar a excelência. Explica-se um advogado ou um dentista medíocres, porque ainda serão de alguma utilidade para alguém, mas um mau poeta é, além disso, patético.

Fernanda Marques
Arquiteta titular do escritório Fernanda Marques Arquitetos Associados

Não. Com otimismo, posso entender a posição de Adam e Buchanan como uma forte provocação pela melhoria do ensino. Jamais como uma proposta séria. Além da base técnica, as boas escolas se propõem a formar profissionais capazes de dar continuidade, em seu próprio trabalho, ao conhecimento acumulado pelos que vieram antes. Extinguir as escolas seria como trabalhar para quebrar essa corrente humana de séculos. Quanto às escolas ruins, a questão é torná-las melhor. A forma de abordar o ensino da arquitetura pode e deve ser discutida, mas não faz sentido simplesmente acabar com essa carreira acadêmica que tanto ajuda a humanidade a se desenvolver.

Maisa Veloso
Arquiteta e professora do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFRN

As escolas têm papel fundamental na formação do profissional qualificado, cuja prática deve ser fundamentada pelo conhecimento, uma exigência da sociedade atual, em que é imprescindível acompanhar as constantes transformações e avanços sociais e tecnológicos. O saber-fazer de alguns ofícios pode até ser aprendido fora da escola, mas é nela que se produz o conhecimento, a reflexão crítica sobre o que se faz. A academia não deve ser submetida às lógicas de mercado, pois nela o que está em construção não é um produto, mas o aluno, futuro profissional. Reconhece-se, entretanto, que o ensino de arquitetura deve procurar se aproximar mais da materialidade construtiva e das práticas sociais que a envolvem.

Fernando Lara
Arquiteto, professor da Universidade de Michigan

Estive presente ao debate e posso dizer que foi um massacre em favor das escolas. Peter Cook lembrou muito bem que a universidade está para a formação do indivíduo assim como a democracia está para a forma de governo: ainda não existe sistema melhor apesar de todos os seus defeitos. E entre os vários defeitos eu destacaria a crise de confiança da qual sofre a disciplina da arquitetura. Ficou claro em Oxford que precisamos reestruturar nossa base do conhecimento, esgarçada por tantas teorias emprestadas de áreas nem tão afins. Perguntar quais os conteúdos fundamentais para a formação do arquiteto hoje já seria uma forma de construir pontes entre o ensino e a prática de arquitetura.

Paulo Ricardo Bregatto
Arquiteto e urbanista, diretor da Bregatto Arquitetos e professor da Puc-RS, Ulbra e UniRitter

Não. Elas oportunizam as condições para o conhecimento e experimentação dos fundamentos da arquitetura e do urbanismo como ciência e ofício. E explicitam, a partir da pesquisa, as condições para a investigação das demandas reais da sociedade e do mercado. Sem falar da certificação para o exercício profissional, elaborada a partir dos currículos dos cursos. Temos que fazer uma reflexão sobre a influência e apropriação da produção arquitetônica internacional, que supervaloriza referenciais desgastados e com baixíssima análise crítica. As escolas devem ter isenção estilística para não aceitar imposições estéticas ou midiáticas e para não propagar estilos que inibam o desenvolvimento de uma cultura arquitetônica pertinente e genuinamente brasileira.

Ciro Pirondi
Arquiteto e diretor da Escola da Cidade

Não. Essa é uma falsa questão imposta por uma equivocada visão da educação, na qual, em um primeiro tempo estanque, está a formação profissional e, num segundo, totalmente desvinculado do primeiro, está a atuação ou a produção. A educação contemporânea precisa ser multidisciplinar e contínua. Tampouco o contra-argumento sobre a força do mercado justifica a permanência das escolas. A boa ou má arquitetura continua sendo definida solitariamente pelos arquitetos, ao desenharem sobre a folha em branco. Sua qualificação não se dá pelo fato dela ser pública ou privada. No entanto, é urgente reconhecer a defasagem entre a sociedade contemporânea, seus temas, e a aprendizagem na maioria das escolas, de maneira a não abdicarmos da utopia de um necessário pensamento crítico.

Um comentário:

Anônimo disse...

Creio que não. Minha primeira impressão foi de uma pergunta bizarra mas acho que é válida no sentido de reforçar a discussão sobre o ensino da arquitetura nos tempos atuais onde a quantidade de cursos vem crescendo desproporcionalmente em relação à qualidade.