quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Sobre a vida e a profissão!!

Patrícia querida,

Recebi teu material e li atentamente teu ótimo e-mail. De fato, tenho acompanhado estas manifestações sobre a arquitetura no jornal. Não posso negar que sempre fico muito surpreso e satisfeito quando vejo alguma matéria sobre a nossa profissão!! Como sabemos, salvo a turma dos "interiores" pouco, ou quase nada, é dito e escrito sobre os vários assuntos relevantes e pertinentes ao nosso saber específico: arquitetura e urbanismo.

Por esta razão, certamente, vivemos em espaços, edificações e cidades alheias ao nosso desejo, conhecimento e necessidades. Claro que grande parte disto herdamos de um sistema falido de gestão de Estado e macroeconomia, onde outras tantas prioridades básicas para subsistência se fazem necessárias, mas é certo dizer, também, que grande parte deste problema reside na nossa total omissão em fazer valer os nossos conhecimentos específicos e, munidos deles, ocupar todos os espaços que a mídia pode nos dar e que a nossa profissão nos oportuniza!!

Mesmo sabendo que a arquitetura e o urbanismo são cada vez mais viáveis nos dias hoje, amargamos a certeza de que ainda existe muita confusão a respeito das qualidades e especificidades do nosso ofício. Assim como existe, também, um hiato muito grande entre os profissionais e a comunidade. Este hiato e esta confusão se refletem fundamentalmente na falta de uma cultura geral capaz de reconhecer o tanto quanto podemos intervir e transformar com qualidade, eficiência, inovação, empreendedorismo e sustentabilidade, o mundo que nos cerca.

Ao meu ver, a arquitetura é, também, uma filosofia de vida, pois tratando da espécie humana, dos seus espaços e do mundo que os cerca, deixa pouca coisa sem a intervenção direta e sem a influência necessária do arquiteto. A arquitetura é, portanto, ciência e ofício. Ciência, na exata medida em que nos permite, a partir da pesquisa aplicada, conhecer e investigar as necessidades e demandas reais da sociedade e do mercado em que estamos inseridos. E é ofício, pois, a partir dele, participamos ativamente da vida das pessoas, seja na pequena escala habitacional da célula da família ou na escala das grandes edificações e intervenções urbanas.

Em conseqüência disto, temos que fazer uma reflexão profunda sobre a influência e apropriação da produção arquitetônica internacional, que supervaloriza e incorpora linguagens e referenciais desgastados e com baixíssima análise crítica dos seus resultados. Para tal, temos que ter isenção estilística para não aceitar imposições estéticas ou midiáticas, de estilos que continuem inibindo o desenvolvimento de uma cultura arquitetônica pertinente e genuinamente brasileira.

O mundo atual, perturbado por criações humanas, requer mudanças urgentes. A capacidade humana de criar o artificial parece ter transcendido a nossa habilidade de coexistir com a natureza. A crise energética internacional e o desequilíbrio mundial do meio ambiente assumem patamares preocupantes, exigindo dos novos arquitetos e urbanistas atitudes inovadoras e sustentáveis. O mercado de trabalho, com suas inumeráveis oportunidades, mas, também, com suas perigosas armadilhas, carece urgentemente de nova formatação, assim como, outras tantas oportunidades de trabalho, ainda adormecidas aguardando por nós, necessitam ser lapidadas com afinco, inovação e empreendedorismo.

Nossa tarefa não é fácil!!

Passa, necessariamente pelo resgate e pelo fortalecimento da ética humana - num primeiro momento - e profissional, em seguida. Estamos mergulhados numa crise ética universal, em maior ou em menor escala, dependendo do ponto de vista em que observamos as coisas ao nosso redor!! E, portanto, torna-se difícil produzir e comercializar cultura e arquitetura quando o nosso povo, tão oprimido, tão carente dos recusros básicos para sobrevivência e tão sucateado nas suas necessidades básicas, não tem acesso ao elementar para o exercício da vida, da cidadania e para o resgate da sua dignidade humana. Enquanto não houver uma consciência coletiva de que a alegria, a felicidade, a beleza, a saúde e a segurança de cada um, dependerá das várias ações conjuntas de todos, nosso horizonte ideal estará cada vez mais individualista e distante.

Vivemos num sistema mercantil selvagem e arcaico, onde a emergente formação de novas fortunas não vem alicerçadas em bases éticas, morais, humanas e culturais. Com isto, temos a noção subdesenvolvida do revanchismo, gerando a idéia do: "agora é a minha vez", com muito mais intensidade que a noção necessária do humanitarismo.

Nesta mesma ciranda, não poderia ser diferente - encontramos o ensino superior privado e o ensino de arquitetura. Completamente desfocado das necessidades humanas, defendendo bandeiras estéticas como se fossem tribunais de estilo, sem pesquisa aplicada, num misto entre construção medíocre e frágil ciência humana e social. Aluno é cliente e ensino é mercadoria. Mercadoria, muitas vezes sem controle de qualidade, sem embalagem e com prazo de validade vencido. E os professores, perdidos entre as várias demandas e sufocados pelas más administrações e pelas péssimas condições de trabalho, tornam-se, sem sentir, os intermediários desta relação de trocas.


Vejo, também como voce, com muita preocupação o desgaste deste sistema, principalmente quando vemos no debate constante entre colegas aquela idéia de que devemos delegar vários insucessos acadêmicos e científicos à crise e a baixa qualidade do ensino secundário, à desestruturação da base familiar ou à total falta de interesse e vocação dos nossos novos alunos, entre outros motivos... Será? Mesmo reconhecendo a parcela de participação destes fatores, penso que a coisa não é bem assim... E, portanto, temos que fazer uma reflexão profunda sobre a nossa função de educadores, neste momento de crise ética e moral. Quem sabe, mais do que nunca, nossa responsabilidade docente assume um patamar de maior expressão e necessidade diante da constatação de uma sociedade adoentada e diante da nossa elevada missão de formação de profissionais solidamente éticos e capazes de alterar, com a força e qualidade do seu trabalho, a realidade como está!!

Para tal, temos que conhecer profundamente o espírito, a mente, o pensamento, os desejos, necessidades e expectativas dos nossos jovens alunos. Muita coisa mudou desde que tínhamos os mesmos 16 ou 17 anos dos nossos alunos ingressantes. Vivemos atualmente num mundo de aparentes contradições criativas, onde a liberdade gerada pelo domínio pleno e variado das informações num toque mágico de teclado nos coloca, também, diante do conhecimento das nossas carências, fragilidades e limitações. Ao contrário de outras épocas, onde a disseminação da informação levava dias ou semanas, hoje os fatos chegam aos nossos olhos e ouvidos de forma instantânea. Não tomamos apenas o conhecimento de uma nova e insana explosão nuclear, vemos o apertar dos botões e o rosto de satisfação dos novos ou velhos líderes mundiais. Nossos alunos estão ligados nesta realidade instantânea. Ao contrários de nós que tivemos que nos adaptar às mudanças, eles já nasceram dentro desta vasta cultura digital. Com todas as suas várias maravilhas mas, também, com as suas perigosas armadilhas as redes de comunicação e informação são capazes de formar e deformar a alma humana, portanto temos que usá-la em favor daquilo que queremos como educadores.

Isto está nos exigindo muita disposição e alta capacidade de reflexão e correções de rotas, principalmente quando teimamos em educar passivamente e autoritariamente de cima de púlpitos, iludidos diante de saberes acumulados, muitas vezes desgastados na linha do tempo das nossas parcas ou inexistêntes experiências. Ainda ensinamos verdades absolutas, num mundo veloz onde a verdade de hoje é a história do amanhã. Neste quadro ágil e veloz, saber conviver e interagir com a diversidade, com os novos desejos e anseios dos jovens e com a falta de verdades absolutas, é um caminho pedagógico que temos que investigar atenta e criteriosamente.

Talvez por esta razão, também, vemos cada vez mais o nosso aluno tão desmotivado e descrente do valor da universidade. Será que nós cremos e estamos motivados? Algumas universidades sendo compradas e vendidas independentemente das suas mais honrosas tradições científicas, outras, tentando se reerguer de gestões temerosas e irresponsáveis, numa crise ética e moral fantástica, e outras, ainda, tentando se manter competitivas financeiramente cortando e se descuidando de tudo aquilo que fortalece o saber científico, contradizendo suas vocações e seus compromissos universitários. Temos que estar atentos e fortes, observando estas transformações com alguma restrição. Velhas estruturas calcadas em concessões federais, isenções fiscais, filosofias confecionais, entre outras, todas mergulhadas em interesses mercantis e que ainda confundem saber com poder!! Somos soldados solitários numa trincheira atirando para onde os olhos apontam, mas sem saber ao certo quem são os nossos verdadeiros inimigos. Certamente, não são os alunos!!

Diante deste quadro, não é de se surpreender que a nossa profissão esteja assim tão perdida. Sabemos da necessidade de interagir com a comunidade que nos cerca. Temos os saberes específicos para isto. Sabemos, também, que esta comunidade está totalmente carente da força transformadora do nosso ofício. Mas não conseguimos superar as crises intra-ofício - envoltas em estruturas de poder, vaidades e interesses pessoais - para somarmos esforços e, com ações coletivas, darmos à socidade o retorno que ela necessita, usando os nossos mais diversos saberes.

Parece tão óbvio ler e reconhecer os fatos e compreender suas urgências e cuidados nas poucas coisas que lemos nos jornais. Ao meu ver, isto se dá, por força do conhecimento íntimo e preciso que temos sobre as grandes mazelas arquitetônicas e urbanísticas das nossas cidades. Nos falta apenas o empreendedorismo, o espírito de equipe, a transparência e a ética profissional para assumirmos uma papel de agentes questionadores e reflexivos deste processo de transformação do mundo que nos cerca.

Às vezes penso que nos falta, mas do que tudo, uma boa dose de coragem. Coragem para durar e agüentar, coragem para viver, coragem para suportar, para combater, para enfrentar, para resistir, para romper bloqueios, para perseverar. A coragem não se refere apenas ao futuro, ao medo ou à ameaça. Refere-se, também, ao presente, e sempre está ligada à vontade, muito mais do que à esperança. Afinal, só esperamos o que não depende de nós, só queremos o que depende de nós. É por isto que a esperança, ao meu ver, só é uma virtude para aqueles que aguardam imóveis a chegada de tudo, ao passo que a coragem é uma virtude para qualquer um. A coragem não é um saber, mas uma decisão. Não é uma opinião, mas uma atitude.

Reconhecendo que o teor dos assuntos aqui tratados seja denso, penso que temos que aprender a ser leves como o pássaro, e não como a pluma. Como o pássaro altivo que segue seu extinto, livre no ar, na busca das direções a seguir, ao contrário da frágil pluma que dependerá sempre da direção de uma brisa, para poder planar, por mais leve que seja, mas que não é nunca determinada pelo seu desejo e sentimento íntimo de alegria.

Teus e-mails, como sempre, me fazem pensar e refletir! Gosto de sentir esta latência e inquietude no coração das pessoas!! Acredito que estes sentimentos são os combustíveis necessários para qualquer virada de mesa!!!
Super beijo e super abraço!!
Conte sempre comigo!!

* Resposta ao e-mail enviado pela Profa. Arqa. Patrícia Nerbas (Curso de arquitetura e urbanismo da Ulbra - Canoas) no final do mês de agosto de 2009.

Um comentário:

Regis F. Silva disse...

O que não consigo entender é o conformismo das pessoas com toda a situação, sempre esperando que os outros tomem as atitudes!!!!!
A coletividade não esta presente, não acreditamos que fazendo uma pequena parcela, somada as parcelas dos outros da para mudar, pelo menos um pouco!!!!!

Grande Abraço!!!!