Entre as centenas de títulos lançados nos últimos meses pela indústria editorial de língua inglesa, é possível pinçar, aqui e ali, uma obra realmente profunda e, sem ousadia, indispensável. É o caso de The Craftsman (”O artesão”), de Richard Sennett.

Nos anos 90, seu estudo A Corrosão do Caráter serviu em muito para abrandar exageros liberais ainda da era Thatcher. Por sua vez, Respeito: a Formação do Caráter num Mundo Desigual inspirou políticas públicas de Blair. (Malandramente, o político acabou usando o cacife e a reputação ilibada de Sennett para legitimar a instauração de uma versão mais palatável do tolerância zero” nas ilhas britânicas no pós 11 de Setembro).
Não será de estranhar se, na próxima década, estivermos falando de temas como o valor do trabalho artesanal na vida corporativa. Pois é disso que trata The Craftsman. Para Sennett, nosso senso de bem-estar e de inclusão social deriva em muito de uma atividade à qual a moderna jornada de trabalho é hostil - o velho e paciente artesanato.
Mas não pense que o sociólogo é um sujeito nostálgico. “Quando falo do artesão, estou me referindo tanto ao mestre que faz violinos quanto ao cientista no laboratório, ou à equipe que desenvolve o software Linux”, diz Sennett. “Artesanato”, na sua definição, é simplesmente uma atividade que é aprendida pela observação, prática e repetição. Ela tem, assim, um caráter lúdico, como as brincadeiras de criança.
Numa medida aproximada, estima o sociólogo, são necessárias 10 mil horas para que alguém atinja a maestria em algo, seja esse algo aprender uma arte marcial ou a arquitetura de softwares.
O perigo, afirma o sociólogo, é que a cultura moderna - e em especial a cultura corporativa moderna - não valoriza esse modus operandi. “Existe esse impulso humano básico de ter prazer nas coisas bem-feitas e ver no zelo artesanal um fim em si mesmo. Desafortunadamente, fazer um bom trabalho não é mais garantia de sucesso. Nas empresas e na política, os tubarões e incompetentes não encontram problemas para se tornar bem-sucedidos”, critica Sennett.
Ironicamente, afirma, o desprestígio do artesanato trouxe a reboque uma hipervalorização das ditas artes (pintura, música, etc.), talvez como compensação à perda social decorrente. “Nós ficamos hipnotizados frente a noções como ‘inspiração’, ‘gênio’, ‘criador solitário’, quando, no ambiente em que viveu Da Vinci [no qual o artesão era um tipo legítimo, não estigmatizado como nos dias de hoje], as artes plásticas eram vistas como uma atividade comum. Pelo próprio Da Vinci. Fazer um bom quadro não era diferente de fazer uma bela cadeira”, diz.
Para o bem do equilíbrio humano, receita o sociólogo, o valor da qualidade artesanal terá de ser resgatado. No que isso poderá afetar a vida das corporações? “Para que as horas da jornada de trabalho sejam significativas é preciso que haja o desejo por parte do profissional de fazer um bom trabalho, e de se orgulhar dele”. Segundo estudos britânicos e norte-americanos, a competência e o engajamento profissional são as duas principais fontes de auto-estima do trabalhador. A proposta de Sennett caminha nessa direção.
Álvaro Oppermann
Revista Época
Edição 15 (maio de 2008)
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