quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Vazio pós-eleições

Ontem vi com muita alegria e satisfação o artigo que escrevi no final de semana passado, sendo publicado pelo jornal Zero-Hora. A ideia do texto surgiu da provocação que recebi por e-mail do meu grande amigo Luis Emilson Leiria, gaúcho que mora na Bahia há muitos anos, dos diálogos sobre cidadania que tenho mantido com meus ótimos alunos de Ateliê de Arquitetura III na FauPucRS e das leituras que tenho feito sobre o radicalismo das opiniões com relação à polaridade nas eleições e ao resultado das urnas, em especial da discriminação geográfica que, a partir do zoneamento territorial expresso pelas estatísticas, nos dividiu imaginariamente em norte e sul.

Mandei uma minuta do texto para a redação do jornal que imediatamente respondeu solicitando que eu formatasse a ideia num artigo. Por natural limitação de espaço no jornal, a versão original teve que ser revisada e reduzida num saudável exercício de síntese textual que muito me fez bem. Assim como na vida, fazer uma síntese requer atitude e desprendimento emocional para olhar a situação com o necessário distanciamento crítico capaz de ver as coisas como elas são e não como gostaríamos que elas fossem. Depois de muito vai e vem, corta e recorta consegui reduzir o texto. O que publico a seguir é o recorte da matéria que saiu na página 22 da ZH de ontem (26/11/2014) e a versão completa do texto antes da síntese. Desde já agradeço as inúmeras manifestações de carinho oriundas da identificação dos leitores para com o conteúdo do texto. Mesmo sabendo que um jornal é um potente instrumento de informação e divulgação de ideias, não imaginava que o texto fosse ir tão longe e ter tanta repercussão como teve. Valeu a experiência.



Vazio pós-eleições
Versão completa do texto

Passado um mês das eleições estamos presenciando – como em todas as paixões – picos agudos de amor e ódio com relação ao resultado das urnas. As mais diversas formas de manifestação das emoções estão aflorando nas redes sociais digitais, mesas de bares, salas de aulas, entre outros lugares onde a liberdade de expressão se faz presente. Uma verdadeira avalanche de ironias, comentários e piadas – a maioria carregada de preconceito e uma grande dose de mau gosto – sobre o zoneamento político e territorial expresso pelos dados extraídos das urnas, sobrepostos ao mapa do Brasil, nos dividindo imaginariamente entre norte e sul.
Protegidos pelo anonimato covarde que alimenta a impunidade, estes críticos de ocasião tendenciosamente não se dão conta de que todas as regiões do país foram, em maior ou em menor grau, responsáveis pela eleição de um candidato em detrimento do outro. Neste sentido, a “maioria” expressa pelo dado estatístico põe um véu sobre aquela “minoria” também responsável pelo resultado final, independente do zoneamento geográfico.

Mais do que expressar com este antagonismo de emoções as preferências ideológicas ou convicções partidárias, o que temos acompanhado é uma verdadeira demonstração de rancores oriundos muito mais de um conjunto de frustrações pessoais acumuladas do que pelas expectativas de melhoria de qualidade de vida, desejáveis diante da força do voto. Este posicionamento irado, preconceituoso e revoltoso de muitos – que em nada representa força ou capacidade lúcida de expressar um pensamento ou um desejo de mudança – trouxe como alerta de perigo para todos nós uma ideia messiânica distorcida de que a felicidade plena e absoluta viria muito mais com a derrota de quem não gostamos do que com a vitória daquele – ou daquela – em quem votamos pela proposta que acreditamos ser a melhor para o nosso país.

Como todo radicalismo, acabamos por experimentar este sentimento desconfortável de discriminação geográfica, como se algumas regiões fossem mais ou menos responsáveis pelo nosso destino político para os próximos quatro anos. Com a ternura e afetividade das grandes discussões ideológicas ou com o punho cerrado da revolução, ideias divergentes tendem sempre a ocasionar divisões e conflitos de opiniões. Saudáveis divisões e conflitos. Pior seria ficarmos todos apáticos diante do cenário político atual, suas causas e consequências. Não se trata, portanto, da busca ideal da verdade absoluta, pois neste sentido, ambos os lados, mesmo divididos por diferenças ideológicas abissais, buscam a mesma coisa: transformação. E esta transformação se faz com diálogo, tolerância e negociação. Não com negociatas. Não vendendo o país ou o entregando como garantia de pagamento por algo que não conhecemos, que não necessitamos ou que venha a comprometer a vida das próximas gerações.

Já vivemos momentos históricos de aguda repressão de ideias. O que não foi bom. Hoje vivemos um momento acrítico de total liberdade e irresponsabilidade de expressão – inclusive dos candidatos que soltaram o verbo e os adjetivos, uns contra os outros, tentando pateticamente travestir os diálogos superficiais com ilusórias e falsas cordialidades. O que também não foi nada bom. Quando nos lembramos da rasteira e superficial discussão dos candidatos, nos falsos e pueris debates, na apresentação incoerente de propostas – e até mesmo na ausência delas – para o nosso futuro e, principalmente, quando nos libertamos do radicalismo das paixões pelos candidatos, o que sentimos, na verdade, é um grande vazio. Vazio das ausências. Vazio da falta de esperança. Vazio da intolerância. Vazio da falta de respeito e ética. Vazio da moral, divulgada em rede nacional e internacional e vendida a peso de ouro pelos jornais, emissoras de rádio, televisão e internet.

Estamos com as mãos vazias. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. O lado bom deste último pleito – e tudo tem um lado bom – é reconhecer que há uma grande inquietação por parte dos eleitores. Um resgate de um sentido vigilante de alerta sobre os fatos vividos e sobre as ações por vir. A discussão política volta a ser praticada no melhor exercício da cidadania, principalmente pelos jovens que tem se dado conta da necessidade de possuírem uma causa reformadora pela qual lutar. Ninguém aguenta mais as ações irresponsáveis e ocultas daqueles que nos representam por força do voto. Neste sentido, vamos nos dando conta de que não podemos esperar somente por uma reforma da sociedade que venha deles. Apenas deles.

Sem ser pessimista, mas com uma boa dose de realismo, perderemos mais quatro anos, e depois mais quatro e mais quatro e mais quatro, independentemente de quem sejam os nossos governantes. Enquanto não houver uma reforma ética e moral do cidadão como célula mater da sociedade, enquanto não houver uma reflexão profunda e uma revisão de caráter e personalidade de cada um de nós, continuaremos tendo estas pessoas como os nossos representantes. De certa forma, como dizem os sociólogos, os nossos governantes são um recorte da sociedade. Um recorte daquilo que somos, de como agimos e de como pensamos. Neste sentido, penso que a tão sonhada mudança da sociedade virá apenas com a transformação das nossas ações éticas e morais. Um tijolo de cada vez. Fortalecendo as fundações do futuro que queremos para nós e para os nossos filhos, como as construções que conhecemos tão bem.

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