segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Ciclo Projeto & Obra

Instituto de Arquitetos do Brasil - RS



ANTES DE MAIS NADA CONSTRUÇÃO

Definir o que seja Arquitetura na atualidade, em um mundo complexo e sujeito a mudanças tão aceleradas, não é tarefa fácil. Entretanto, há um notável consenso sobre a definição dada pelo Arquiteto e Urbanista Lúcio Costa (1902-1998):

"Arquitetura é antes de mais nada construção, mas, construção concebida com o propósito primordial de ordenar e organizar o espaço para determinada finalidade e visando a determinada intenção. E nesse processo fundamental de ordenar e expressar-se ela se revela igualmente arte plástica, porquanto nos inumeráveis problemas com que se defronta o arquiteto desde a germinação do projeto até a conclusão efetiva da obra, há sempre, para cada caso específico, certa margem final de opção entre os limites - máximo e mínimo - determinados pelo cálculo, preconizados pela técnica, condicionados pelo meio, reclamados pela função ou impostos pelo programa, - cabendo então ao sentimento individual do arquiteto, no que ele tem de artista, portanto, escolher na escala dos valores contidos entre dois valores extremos, a forma plástica apropriada a cada pormenor em função da unidade última da obra idealizada."

COSTA, Lúcio (1902-1998). Considerações sobre arte contemporânea (1940). In: Lúcio Costa, Registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995. 608p.il.

Neste sentido, a divulgação e difusão de nossa produção são fundamentais para a compreensão da Arquitetura na atualidade. O Ciclo Projeto & Obra foi estruturado a partir de uma seleção pública de trabalhos, da qual participei como membro da comissão de seleção junto com outros colegas. Foram selecionados quase 50 projetos e obras realizados nos últimos 5 anos por arquitetos e urbanistas gaúchos ou radicados no Rio Grande do Sul, para sua apresentação pública em datas reservadas no projeto cultural Quarta no IAB, do Departamento do IAB no Rio Grande do Sul. Os trabalhos selecionados reúnem uma significativa quantidade de projetos e obras de arquitetura e urbanismo de excelência que incentivam o debate aberto sobre a nossa produção atual e sobre os rumos da arquitetura gaúcha, e permite através deste catálogo e de outras publicações, a divulgação desta produção entre os profissionais e para toda a sociedade gaúcha.

A análise do conjunto dos trabalhos apresentados nos permite algumas conclusões acerca da nossa produção arquitetônica. A primeira, flagrante, é a qualidade dessa produção. Não apenas a qualidade dos projetos, mas também a competência do arquiteto construtor, executando no canteiro de obras seus desígnios. Como disse Lúcio Costa na citação acima, “arquitetura é antes de mais nada construção”, e o material reunido nesse catálogo permite identificar uma relação direta entre o projetista e o construtor da obra, coerente com a afirmação do mestre Lúcio. A segunda conclusão é a grande diversidade das áreas de atuação profissional, característica de nossa formação generalista, expressa na variedade dos trabalhos apresentados. Diversidade de áreas de atuação, de locais e origens dos arquitetos, de programas, de conceitos formais, de arranjos funcionais, de soluções técnicas e construtivas, de linguagens e estilos, de escalas de intervenção, todos com uma característica comum: a qualidade. Uma possível terceira conclusão é a disparidade entre os projetos e obras apresentados quando comparados com a grande maioria das construções e espaços de nossas cidades. É de fácil percepção, a partir da análise atenta e criteriosa dos projetos apresentados, a diferença entre esses trabalhos e as obras que nos são impostas diariamente pelo poder público ou pelo mercado imobiliário, ambos desatentos, para dizer o mínimo, aos atributos da qualidade formal e espacial, e da excelência da arquitetura e do urbanismo. As administrações públicas, enquanto seguirem priorizando o menor preço em suas licitações, seguirão condenando as nossas cidades e edifícios públicos à banalidade, sendo mal projetados, mal detalhados, mal orçados e, por consequência, mal construídos. E o mercado imobiliário, enquanto seguir acriticamente sendo comandado por profissionais de outras áreas e marqueteiros, igualmente seguirá nos impondo seus conceitos superficiais, vulgares e gananciosos.

A arquitetura é arte, ciência e ofício. Arte, na medida em que ultrapassa seu papel de abrigo, quando supera a esfera prática e começa a dizer algo sobre os aspectos culturais de uma civilização. É ciência, na medida em que se vincula aos processos e métodos científicos de proposição e análise do comportamento humano e das suas necessidades mais elementares, da produção eficiente e sustentável no canteiro de obras, do controle do consumo energético, dos novos materiais e técnicas construtivas de baixo impacto ambiental. E é ofício, principalmente, pois a partir das ações concretas diárias, os arquitetos e urbanistas criam e transformam as nossas cidades e vivem dignamente com o fruto do seu trabalho inovador e empreendedor.

Os trabalhos apresentados nos permitem concluir que os profissionais da área estão preparados para oferecer à sociedade as soluções que essa necessita. Precisamos estar mais presentes e atuantes não apenas na nossa profissão e em nossas entidades, mas também no convencimento da sociedade da nossa utilidade e competência.

Ciclo Projeto & Obra 2015/2016
Revista Espaço - Iab RS
Arquitetura, Urbanismo, Cidade, Cultura
Dezembro de 2016 - Edição Especial
Página 56

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