domingo, 20 de setembro de 2015

Apego

Autora: Robina Courtin
Tradução: Luís Oliveira

Primeiro de tudo, nós achamos que o amor e o apego significam a mesma coisa. Mas o caminho budista de compreender nossas emoções diz que o apego é nossa parte necessitada, neurótica e insatisfeita que anseia por alguém lá fora, acreditando que quando chegarmos a esse alguém, nós estaremos felizes.

O amor, por outro lado, refere-se a uma parte altruísta do nosso ser – uma conexão com os outros, desejo que eles sejam felizes, e deliciar-se com o seu bem-estar. Temos esses dois, é claro, mas é difícil ver a diferença. Eles são como leite e água misturados.

“Se há alguma alegria em nosso relacionamento, é por causa do amor. Se há raiva, mágoa, inveja e todo o resto, é o resultado do apego.”

Mas é tão difícil ver isso. O apego é uma palavra tão simples, mas é multifacetada. No nível mais fundamental é aquele sentimento de carência dentro de nós. Aquela crença que de alguma forma eu não sou o suficiente, eu não tenho o suficiente, e não importa o que eu faço ou o que eu tenho, nunca é suficiente. Então, é claro, porque estamos tão convencidos que isso é verdade, nós ansiamos por alguém lá fora, e quando encontramos esse alguém que aciona os nossos bons sentimentos, nós nos apegamos na ideia de tê-los para nós, convencidos que vão preencher nossas necessidades e nos fazer verdadeiramente felizes e contentes. Nós assumimos que eles são nossa posse, quase uma extensão de quem nós somos.

“No nível mais fundamental, o apego é esse sentimento de carência dentro de nós, aquela crença que de alguma forma eu não sou o suficiente.”

Esse apego é a fonte de todas as nossas emoções infelizes. Porque ele está desesperado para conseguir o que quer, no minuto em que não consegue – o momento em que ele não liga ou se chega em casa tarde, ou se olha para outra pessoa – o pânico surge e imediatamente se transforma em raiva e, em seguida, em ciúme ou baixa autoestima, ou em qualquer um de nossos velhos hábitos que costumamos manifestar. Na verdade, a raiva é a reação quando o apego não consegue o que quer. Todos esses pressupostos estão enraizados tão profundamente dentro de nós que acreditamos totalmente nessas histórias sem questioná-las. Mas precisamos questioná-las. E a única maneira que podemos fazer isso, é conhecendo nossas próprias mentes e sentimentos: em outras palavras, é preciso aprender a ser nossos próprios terapeutas.

O fato é que o apego, a raiva, o ciúme e qualquer outra emoção aflitiva não estão gravadas em pedra. Eles são velhos hábitos, e sabemos que podemos mudá-los. O primeiro passo é ter a certeza de que, conhecendo bem nossas próprias mentes, podemos aprender a distinguir as várias emoções dentro de nós e, gradualmente, aprender a mudá-las. O primeiro desafio envolve realmente acreditar que você pode fazer isso. E isso já é algo enorme. Sem essa confiança, estamos presos e empacados.

A próxima etapa é dar um passo para trás de toda a conversa sem fim em nossas mentes. Uma maneira muito simples de fazer isso é, apenas alguns minutos todas as manhãs, antes de começarmos o nosso dia, se sentar e focar em algo. A respiração é um bom começo. Não é nada de especial, não há nenhum truque e não é algo místico. É uma técnica psicológica prática. Com determinação você pode decidir ter atenção plena na respiração, em suas narinas enquanto você inspira e expira. No momento em que sua mente divagar, traga seu foco de volta para a respiração. O objetivo não é fazer os pensamentos irem embora, mas não se envolver com eles e aprender a deixá-los ir e vir.

O resultado desta técnica é uma mente focada. Isto pode levar tempo. Mas o benefício quase imediato será que, à medida que experimentamos dar um passo para trás de todas as histórias em nossa cabeça, nós começaremos a ser objetivos sobre essas histórias e lentamente começamos a desvendar, desconstruir e, eventualmente, mudá-las. Diz-se que um dos sinais que estamos indo bem nesta prática é ter a impressão que estamos cada vez pior! Mas nós não estamos. Estamos começando a ouvir as histórias de forma mais clara, ai então é que podemos começar a mudá-las.

Robina Courtin

É professora do dharma transmitindo seus ensinamentos de forma dinâmica e franca. Desde a sua ordenação no final de 1970 tem trabalhado em tempo integral com a “Fundação pela Preservação da Tradição Mahayana” de Lama Thubten Yeshe e Lama Zopa Rinpoche. Ela atuou como diretora editorial da Wisdom Publications, editora da Mandala Magazine e diretora-executiva do Liberation Prison Project. Viaja para ensinar o dharma ao redor do mundo. Sua vida e trabalho com os presos foi destaque nos documentários Chasing Buddha e Key to Freedom. Ela é descrita como engraçada, dinâmica, carinhosa, amável e ultrajante, com sua fala frequentemente pontilhada com palavras fortes. Tudo isso, falando a mil por hora, provando que você não necessariamente tem que ser sereno e quieto para ser budista.

http://www.budavirtual.com.br/e-possivel-amar-sem-apego-robina-courtin/

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