sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Nota Pública - CEF-CAU/RS

COLEGIADO DOS COORDENADORES DE CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO DO RS


O Colegiado de Coordenadores de Curso de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul, instituído no âmbito do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/RS), reuniu-se no dia 27 de agosto de 2024 na sede do CAU/RS, em Porto Alegre, e debateu acerca do processo de proposta de alteração das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para os cursos de graduação em Arquitetura e Urbanismo.

O Colegiado de Coordenadores vem manifestar sua preocupação quanto aos aspectos alterados pelo texto substitutivo aprovado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) em 2 de agosto de 2024 e que divergem daqueles aprovados por unanimidade em dezembro de 2023. O Colegiado de Coordenadores não teve acesso ao texto na íntegra, mas tomou conhecimento pelas informações divulgadas na página oficial do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (https://caubr.gov.br/entidades-de-arquitetura-e-urbanismo-celebram-avanco-importante-nas-dcns)

As alterações do texto substitutivo possibilitam o ensino de 20% da carga horária total do curso na modalidade a distância e, ainda, estabelecem a relação de 1 (um) professor para cada 25 (vinte e cinco) alunos nos Ateliês de Projetos e de 1 (um) professor para 65 (sessenta e cinco) alunos nas disciplinas teóricas.

Cientes da responsabilidade da profissão do arquiteto e urbanista diante das questões da sociedade brasileira, o ensino de arquitetura e urbanismo foi construído e pautado com o propósito de formar profissionais e cidadãos com capacidade de enfrentar os problemas contemporâneos das cidades, de forma autoral, técnica, ética e responsável. O arquiteto e urbanista, na concepção e execução de espaços para as atividades humanas têm, no exercício do seu ofício, atribuições legais e responsabilidades técnicas.

No entendimento deste Colegiado, qualquer definição que venha a dissolver os fundamentos do ensino de arquitetura e urbanismo compromete a qualidade da formação profissional trazendo consequências negativas para a sociedade. No percurso dos anos, professores da área de arquitetura e urbanismo vem acompanhando e incorporando, de forma atenta e responsável, avanços tecnológicos no ensino, como o desenho digital, modelagem em três dimensões, modelos virtuais de construção e gerenciamento de obras e, mais recentemente, tecnologias de inteligência artificial. No entanto, não há nada que substitua a construção coletiva do conhecimento praticada nas salas de aula.

Nos ateliês de projeto, o estudante é o protagonista do seu aprendizado e, ainda que o método de projeto seja desenvolvido há muito tempo nos cursos de arquitetura, é considerado um modelo inovador nos processos de ensino e aprendizagem. O método prevê a definição do problema, pesquisa sobre a temática, estudo de condicionantes, levantamentos, visitas técnicas, debates coletivos, planejamento e projetos, em que cada estudante propõe uma solução de sua autoria. O professor conduz o ateliê, sendo um mediador, orientando coletivamente a turma e, individualmente, cada estudante. Essa didática só é viável e efetiva se o professor tiver condições e tempo para encaminhar cada estudante, estimulando suas habilidades e corrigindo dificuldades. O ateliê de projeto é o lugar onde o estudante integra os conhecimentos aprendidos em outras disciplinas do curso.

Sendo um curso vinculado às ciências sociais aplicadas, nas disciplinas teóricas, a promoção do debate também é estimulada, ocorrendo, além disso, atividades de extensão, trabalhos de campo e laboratoriais. A interação entre professor e alunos e as atividades só podem ocorrer com qualidade e segurança dentro de limites razoáveis de proporção professor/aluno. Ao contrário, o aumento arbitrário e excessivo do número de alunos na sala de aula e demais espaços educacionais promove o distanciamento entre professor e estudante. A natureza do curso de arquitetura e urbanismo não se pauta na transmissão de conteúdo meramente expositivo, sem reflexão crítica, análise técnica e capacidade de argumentação.

Diante desse contexto, defendemos o ensino presencial e o texto original da proposta de alteração das DCNs, aprovada em dezembro de 2023, que previa como máximo a relação professor/aluno de 1/15 para conteúdos práticos e ateliês e, 1/45 para aulas teóricas.

Finalizamos nosso parecer com o seguinte questionamento: a quem interessa superlotar salas de aulas removendo o lastro da formação de profissionais de tamanha relevância social?

Nos colocamos à disposição para dialogar em conjunto com entidades e com o MEC, com a intenção de promover avanços na educação e na formação das futuras gerações de arquitetos e urbanistas.

Porto Alegre, 27 de agosto de 2024
Colegiado de Coordenadores de Curso de AU – RS

https://caurs.gov.br/qualidade-do-ensino-de-arquitetura-e-urbanismo-em-risco/

domingo, 12 de maio de 2024

Pela qualidade do ensino presencial

 Na última sexta-feira, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/RS) realizou a 155ª Reunião Plenária Ordinária. Nesta edição, um dos destaques na pauta do dia foi a aprovação da nota pública em nome da qualidade do ensino presencial. A leitura aos conselheiros presentes foi realizada pelo coordenador da Comissão de Ensino e Formação, Paulo Ricardo Bregatto.

“O CAU/RS, em defesa da sociedade, tem combatido com rigor a mercantilização e a consequente precarização do ensino de Arquitetura e Urbanismo, reconhecendo a modalidade do ensino presencial como a única forma de garantir a qualidade da formação, considerando as especificidades e complexidades que constituem os saberes necessários para o exercício pleno da profissão. Neste sentido, o Conselho vem alertar a sociedade sobre os riscos de uma formação incompleta, a partir de nota pública, que evidencia o nosso compromisso com a informação e com a qualidade do ensino e da formação”, afirma o coordenador da Comissão de Ensino e Formação, Paulo Ricardo Bregatto.

Leia a nota na íntegra:

 

Nota pública em favor da qualidade do ensino e aprendizagem, para graduação em Arquitetura e Urbanismo, na modalidade presencial

A Comissão de Ensino e Formação do CAU/RS, no uso das suas atribuições e em defesa da sociedade, torna público o seu compromisso de zelar pela qualidade do ensino e da formação dos novos profissionais da Arquitetura e Urbanismo e de reafirmar a sua posição de defender a modalidade do Ensino Presencial.

A partir das campanhas informativas no rádio, televisão e mídias sociais, o CAU/RS tem enfrentado com convicção os avanços de quaisquer práticas que venham a contribuir com a precarização da qualidade do ensino e da formação. Cremos que a origem dos processos que chegam ao CAU/RS, por denúncia ou fiscalização de ofício, podem estar relacionadas à falta de qualidade na formação. Neste sentido, o CAU/RS, a partir do trabalho da Comissão de Ensino e Formação, mantém estreita relação com as Instituições de Ensino Superior (IES), na forma do Fórum dos Coordenadores e Seminários de Ensino e Formação, com o propósito de orientá-las sobre as ações capazes de contribuir para efetiva formação de qualidade.

O curso de Arquitetura e Urbanismo, além da sólida formação nos saberes relacionados à teoria, história e crítica, tem grande ênfase nas atividades práticas, onde o Ateliê Presencial (edificações, urbanismo, paisagismo, maquete e expressão gráfica) torna-se seu principal laboratório de ensino e aprendizagem. O Ateliê é o espaço democrático, assistido e compartilhado, onde a construção do conhecimento, a partir da reflexão imediata sobre a ação do fazer, faz convergir para o desafio do projeto os demais saberes integrantes da matriz curricular. É neste laboratório presencial de ensino e aprendizagem que se dá a resolução dos problemas reais, lançados como desafio aos alunos e assistidos pelo professor, tal como preconiza a pedagogia ativa e a sala de aula viva. Esta prática, saudada pela pedagogia contemporânea, não é nova e encontra registros históricos nos primórdios da formação dos arquitetos e urbanistas.

Também, o projeto político que tem caracterizado as cinco gestões do CAU/RS, referência em suas teses e ações para outros CAU/UF, tem obtido êxito e apoio das entidades de classe, profissionais do mercado, professores e estudantes, no sentido de seguir em frente com a luta contra a precarização do Ensino e Formação, em todas as suas frentes de batalha e em todas as suas formas de pressão e manifestações, sejam elas técnicas, jurídicas, acadêmicas e financeiras.

No caso específico da formação de profissionais arquitetas e arquitetos e urbanistas a modalidade presencial demonstrou-se a melhor forma de atender às exigências de uma formação generalista consistente, em teoria e prática, historicamente construída a partir de apresentações dialogadas, ateliês de criação, laboratórios, levantamentos exploratórios, visitas in loco, viagens de estudo, movimentos de pesquisa e atividades de extensão, assim como exigem as vigentes Diretrizes Curriculares Nacionais em Arquitetura e Urbanismo.

Com suas ações e campanhas publicitárias contra a precarização do ensino e da formação, o CAU/RS almeja orientar estudantes que, no sonho de se tornarem profissionais, se matriculam em instituições – sem saber, na maioria das vezes – que oferecem uma formação precária e muito aquém daquilo que é exigido pela profissão, entrando no mercado de trabalho sem condições de se estabelecerem como profissionais e com poucas oportunidades de atuarem no mercado de trabalho, considerando a complexidade dos temas abordados pela Arquitetura e Urbanismo.

Neste aspecto, em especial, as ações do CAU/RS vêm em favor dos(as) estudantes, alertando aos riscos de uma formação precarizada e propondo políticas de inclusão nas instituições Públicas e Privadas presenciais para que se possa garantir um ensino de qualidade e uma formação integral para todos.

Nos encontramos num momento muito importante, às vésperas da homologação das novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os cursos de Arquitetura e Urbanismo, aprovadas por unanimidade pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), que revisam e ampliam a DCN atual (CNE/CES nº 2, de 17 de junho de 2010) e definem que a modalidade presencial é o modelo mais eficaz para manutenção da qualidade do ensino. Como aponta o Artigo 33 e o parágrafo 10 abaixo, extraídos da nova DCN:

Art. 33. O Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo terá carga horária mínima e referencial
de 3.600 (três mil e seiscentas) horas dedicadas exclusivamente aos componentes curriculares
definidos nestas DCNs, integralização mínima em 5 (cinco) anos, edeve ser oferecido na modalidade
presencial, tendo em vista as caracterís7cas da profissão e a natureza do saber da Arquitetura, do
Urbanismo e da Arquitetura da Paisagem, que demandam como fundamental a vivência das relações
interpessoais, e cuja produção inadequada pode apresentar risco à vida e à saúde dos usuários.

§ 10. Nenhum conteúdo curricular pode ser ministrado à distância.

O CAU/RS tem defendido a presencialidade como única modalidade capaz de assegurar os padrões e os indicadores de qualidade, construídos consensualmente, ao longo do tempo, entre as entidades de classe nas inúmeras reuniões de trabalho, seminários de ensino e formação, manifestos públicos, campanhas publicitárias, enfrentamentos jurídicos em curso e posicionamentos técnicos referentes ao tema.

O documento mais contundente em defesa da Modalidade Presencial para os cursos de Arquitetura e Urbanismo é justamente o Parecer do Conselho Nacional de Educação (Parecer CNE/CES nº 952/2023), de 06 de dezembro de 2023, que em suas páginas iniciais, discorre com maestria e precisão sobre os conteúdos que expressam a luta histórica da categoria em prol da qualidade de ensino.

O CAU/RS continua comprometido em não medir esforços para trabalhar juntamente com os demais CAU/UFs, com o CAU/BR e com o MEC, no sentido de criar o ambiente propício para dar segurança e celeridade para a homologação das novas DCN, que nos garantirá a presencialidade na formação das novas gerações de profissionais de Arquitetura e Urbanismo, entre outras conquistas, e a desejada e construída qualidade de ensino.


Publicado no site do CAU/RS em 06/05/2024.

https://caurs.gov.br/pela-qualidade-do-ensino-presencial/ 

 

sexta-feira, 8 de março de 2024

As mulheres da minha geração

As Mulheres da minha geração abriram suas pétalas rebeldes, não de rosas, camélias, orquídeas ou outras ervas, de salõezinhos tristes, de casinhas burguesas, de velhos costumes.

Mas de ervas peregrinas entre ventos, porque as Mulheres da minha geração floriram nas ruas, nas fábricas, viraram fiadeiras de sonhos, no sindicato, organizaram o amor segundo seus sábios critérios.

Quer dizer, disseram as Mulheres da minha geração, a cada qual segundo sua necessidade e capacidade de resposta, como na luta golpe a golpe, no amor beijo a beijo.

Porque as Mulheres da minha geração beberam com vontade o vinho dos vivos, acudiram a todas as chamadas e foram dignidade na derrota. Porque as Mulheres da minha geração nos marcaram com o fogo indelével de suas unhas a verdade universal dos seus direitos.

Conheceram o cárcere e os golpes, habitaram em mil pátrias e em nenhuma, choraram os seus mortos e os meus como se fossem seus, deram calor ao frio e ao cansaço desejo, à água sabor e ao fogo orientaram pelo rumo certo, dançaram o melhor do vinho e beberam as melhores melodias.

Porque As Mulheres da minha geração, nos ensinaram que a vida não se oferece aos sorvos, companheiros, mas de golpe, até o fundo das consequências.

Foram estudantes, mineiras, sindicalistas, operárias, artesãs, atrizes, guerrilheiras, até mães e parceiras nos momentos livres da Resistência, porque as Mulheres da minha geração só respeitaram os limites que superavam todas as fronteiras.

Internacionalistas do carinho, brigadistas do amor, comissárias do dizer te amo, milicianas das carícias, entre batalha e batalha as Mulheres da minha geração deram tudo e disseram que isso era apenas o suficiente.

Seus cabelos grisalhos não são grisalhos, mas uma forma de ser para a tarefa que as espera, as rugas que aparecem em seus rostos dizem: tenho rido, tenho chorado e voltaria a fazê-lo.

As Mulheres da minha geração ganharam alguns quilos de razões que se grudam nos seus corpos, movimentam-se um pouco mais lentas, cansadas de esperar-nos nas metas. Escrevem cartas que incendeiam as memórias, lembram aromas proscritos e cantam, inventam a cada dia as palavras e com elas nos empurram, nomeiam as coisas e mobíliam o mundo.

Escrevem verdades na areia para oferecê-las ao mar, nos convocam e nos parem sobre a mesa posta. Elas dizem pão, trabalho, justiça e liberdade, e a prudência se transforma em vergonha.

As Mulheres da minha geração são como as barricadas, protegem e animam, dão confiança e suavizam o gume da ira.

As Mulheres da minha geração são como um punho fechado que resguardam com violência a ternura do mundo.

As Mulheres de minha geração não gritam porque elas derrotaram o silêncio.

Se alguma coisa nos marca são elas. Elas: a fé de volta, o valor oculto num panfleto, o beijo clandestino, o retorno a todos os direitos, um tango na serena solidão do aeroporto, um poema de Gelman escrito num guardanapo, Benedetti compartilhado no universo de um guarda-chuva, os nomes dos amigos guardados com ramos de alfazema, as cartas que fazem beijar ao carteiro, as mãos que sustentam os retratos dos meus mortos, os elementos simples dos dias que apavoram ao tirano, a complexa arquitetura dos sonhos dos teus netos.

São tudo e tudo sustentam porque tudo vem com seus passos e chega até nós e nos surpreende. Não há solidão onde elas mirem, nem esquecimento enquanto elas cantem. Intelectuais do instinto, instinto da razão, prova de força para o forte e amorosa vitamina do fraco.

Assim são elas, as únicas irrepetíveis, imprescindíveis, sofridas, golpeadas, renegadas, mas invictas Mulheres da minha geração.

Autor: Luís Sepúlveda