sexta-feira, 8 de março de 2024

As mulheres da minha geração

Achei bem legal este texto. Então resolvi enviar para vocês, mulheres da minha geração!

As Mulheres da minha geração

As Mulheres da minha geração abriram suas pétalas rebeldes, não de rosas, camélias, orquídeas ou outras ervas, de salõezinhos tristes, de casinhas burguesas, de velhos costumes.

Mas de ervas peregrinas entre ventos, porque as Mulheres da minha geração floriram nas ruas, nas fábricas, viraram fiadeiras de sonhos, no sindicato, organizaram o amor segundo seus sábios critérios.

Quer dizer, disseram as Mulheres da minha geração, a cada qual segundo sua necessidade e capacidade de resposta, como na luta golpe a golpe, no amor beijo a beijo.

Porque as Mulheres da minha geração beberam com vontade o vinho dos vivos, acudiram a todas as chamadas e foram dignidade na derrota. Porque as Mulheres da minha geração nos marcaram com o fogo indelével de suas unhas a verdade universal dos seus direitos.

Conheceram o cárcere e os golpes, habitaram em mil pátrias e em nenhuma, choraram os seus mortos e os meus como se fossem seus, deram calor ao frio e ao cansaço desejo, à água sabor e ao fogo orientaram pelo rumo certo, dançaram o melhor do vinho e beberam as melhores melodias.

Porque As Mulheres da minha geração, nos ensinaram que a vida não se oferece aos sorvos, companheiros, mas de golpe, até o fundo das consequências.

Foram estudantes, mineiras, sindicalistas, operárias, artesãs, atrizes, guerrilheiras, até mães e parceiras nos momentos livres da Resistência, porque as Mulheres da minha geração só respeitaram os limites que superavam todas as fronteiras.

Internacionalistas do carinho, brigadistas do amor, comissárias do dizer te amo, milicianas das carícias, entre batalha e batalha as Mulheres da minha geração deram tudo e disseram que isso era apenas o suficiente.

Seus cabelos grisalhos não são grisalhos, mas uma forma de ser para a tarefa que as espera, as rugas que aparecem em seus rostos dizem: tenho rido, tenho chorado e voltaria a fazê-lo.

As Mulheres da minha geração ganharam alguns quilos de razões que se grudam nos seus corpos, movimentam-se um pouco mais lentas, cansadas de esperar-nos nas metas. Escrevem cartas que incendeiam as memórias, lembram aromas proscritos e cantam, inventam a cada dia as palavras e com elas nos empurram, nomeiam as coisas e mobíliam o mundo.

Escrevem verdades na areia para oferecê-las ao mar, nos convocam e nos parem sobre a mesa posta. Elas dizem pão, trabalho, justiça e liberdade, e a prudência se transforma em vergonha.

As Mulheres da minha geração são como as barricadas, protegem e animam, dão confiança e suavizam o gume da ira.

As Mulheres da minha geração são como um punho fechado que resguardam com violência a ternura do mundo.

As Mulheres de minha geração não gritam porque elas derrotaram o silêncio.

Se alguma coisa nos marca são elas. Elas: a fé de volta, o valor oculto num panfleto, o beijo clandestino, o retorno a todos os direitos, um tango na serena solidão do aeroporto, um poema de Gelman escrito num guardanapo, Benedetti compartilhado no universo de um guarda-chuva, os nomes dos amigos guardados com ramos de alfazema, as cartas que fazem beijar ao carteiro, as mãos que sustentam os retratos dos meus mortos, os elementos simples dos dias que apavoram ao tirano, a complexa arquitetura dos sonhos dos teus netos.

São tudo e tudo sustentam porque tudo vem com seus passos e chega até nós e nos surpreende. Não há solidão onde elas mirem, nem esquecimento enquanto elas cantem. Intelectuais do instinto, instinto da razão, prova de força para o forte e amorosa vitamina do fraco.

Assim são elas, as únicas irrepetíveis, imprescindíveis, sofridas, golpeadas, renegadas, mas invictas Mulheres da minha geração.

Autor: Luís Sepúlveda

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

DCN - Arquitetura e Urbanismo

Colegas,

Nesta semana, dia 6 de dezembro, recebemos a ótima notícia da aprovação por unanimidade no CNE - Conselho Nacional de Educação das novas DCNs - Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Arquitetura e Urbanismo do País. E ontem, 07 de dezembro, a assinatura do Ministro da Educação. Isto é motivo de muitas alegrias para o CAU/RS e CAUs de todo o Brasil.

O CAU/RS é uma autarquia cujas funções são orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício profissional. Isto torna-se necessário para proteger a sociedade do exercício profissional sem qualidade e sem os atributos legais para a sua prática. A origem destes problemas, entre outros, pode estar na falta de qualidade da formação nas IES.

Por isso os CAUs mantêm permanente as CEFs (comissões de ensino e formação), para tratar das questões relacionadas ao ensino e a formação na graduação. São funções da CEF, estreitar as relações do conselho com as IES (instituições de Ensino Superior), para orientá-las e estimulá-las a tratarem as questões acadêmicas como um processo que se reflete diretamente na atividade profissional e na sociedade.

É papel do MEC fiscalizar as ações das IES. O CAU/RS tem como tese que este papel fiscalizador pode ser elaborado de forma conjunta entre o MEC, comissões de especialistas, entidades e o conselho, pois as IES ficam, em média, 5 anos com os estudantes, e os CAUs 50 anos.

Atualmente somos mais de 60 cursos de arquitetura e urbanismo no nosso Estado (mais de 830 no Brasil). No ano 2000 o Brasil possuía 45 cursos públicos e 130 privados. 20 anos depois os cursos públicos totalizavam 70 e os privados 650.

Um salto exponencial perigoso e precarizante movido pelos interesses do mercado financeiro. A concorrência entre as IES privadas, na busca de competitividade econômica, ocasionou revisões curriculares que, na verdade, se caracterizaram na maioria das vezes por reduções de cargas-horárias dos cursos. 

Estas reduções chegaram ao mínimo previsto em lei de 3.600h, mas incluíram nelas, saberes de outras áreas do conhecimento, reduzindo os componentes curriculares específicos da profissão.

Como sabemos, educação e mercantilização não podem andar juntas.

Aluno não é cliente. 

Vaga para estudar não é mercadoria.

Para tal, o CAU/RS construiu, a partir do debate, algumas teses importantes:

1 - EaD não é modalidade de ensino,
2 - EaD como ferramenta de informação complementar é tolerável (fora da carga horária mínima dos cursos),
3 - EaD não pode entrar na carga horária das disciplinas que gerem atribuições profissionais,
4 - EaD não pode entrar em qualquer ateliê e atividades laboratoriais (topografia, materiais de construção, técnicas construtivas, maquete, desenho, edificações, urbanismo, paisagismo, etc.).
5 - TDE (trabalho discente efetivo), sem presencialidade e acompanhamento docente não pode ser computado na carga horária mínima dos cursos.

Propostas da CAU/RS:

Neste sentido, o CAU/RS tem sido protagonista na proposição e debate dos assuntos relacionados à educação, ensino e formação. Entre elas, cito:

1 - Trabalhar de forma colaborativa com a ABEA, FeNEA, Entidades, Instituições de Ensino Superior e suas respectivas coordenações de curso para a qualificação permanente e contínua do ensino e formação em Arquitetura e Urbanismo.

2 - Reforçar e ampliar as ações de defesa da qualidade do ensino de Arquitetura e Urbanismo, acompanhando os critérios para abertura de novos cursos e a aplicação indiscriminada de Ensino a Distância (EaD).

3 - Incentivar a extensão universitária e a ampliação dos Escritórios Modelos de Arquitetura e Urbanismo para a formação das futuras gerações de profissionais.

4 - Demonstrar a inviabilidade legal e ética da atividade das Empresas Juniores nos campos de atuação profissional da Arquitetura e Urbanismo e coibir suas atividades através da fiscalização.

5 - Incentivar as iniciativas de formação continuada e a residência técnica acadêmica em Arquitetura e Urbanismo como modelo de formação.

6 - Fomentar junto a entidades e IES a oferta de cursos, seminários, treinamentos e palestras, estimulando a participação de profissionais e estudantes, reforçando as atribuições, campos de atividades, práticas e princípios éticos da profissão.

7 - Valorizar a atividade docente estimulando a formação continuada, valorizando professores(as) com experiência profissional em projeto e obra, bem como metodologias e práticas inovadoras no ensino de Arquitetura e Urbanismo.

8 - Defender e atuar por políticas inclusivas de acesso ao Ensino Superior.

9 - Continuar atuante no debate e na proposição do novo documento contendo as novas diretrizes curriculares para os cursos de arquitetura e urbanismo, que garantam uma formação de qualidade.

Neste sentido, obtivemos uma vitória significativa nesta semana. A aprovação por unanimidade no CNE - Conselho Nacional de Educação e a assinatura do Ministro da Educação da nova DCNs - Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Arquitetura e Urbanismo do País. 

Desde o início do CAU temos trazido para o debate a preocupação com a precarização e mercantilização do ensino universitário no País, em especial, no ensino e formação da Arquitetura e Urbanismo. Nos últimos 6 anos, a partir de uma imersão no assunto, trouxemos como pauta para as reuniões e seminários da CEF-CAU/RS a necessária revisão da DCN vigente, justamente pela necessidade de atualização e por ela trazer no seu texto uma ampla e perigosa possibilidade interpretativa da aplicação dos componentes curriculares, muitos deles, perdidos na linha do tempo e nas desastrosas revisões curriculares dos cursos. 

Desde então, participamos ativamente CAU, IAB, ABEA, FENEA entre outras entidades, para a redação de um documento que reunisse nossas maiores aspirações de resgate e ganhos reais para a educação universitária e para a qualificação do ensino de Arquitetura e Urbanismo no país. Nossa primeira vitória, ainda em 2019, foi a aprovação deste documento no CONABEA de 2019, no Rio de Janeiro. 

Em consequência da pandemia do COVID-19 (2020/2021) sofremos um grande baque com as perdas humanas e com a paralização do processo de aprovação do projeto de lei da nova DCN. Neste período, fomos atropelados pelos rápidos avanços do Ead (Ensino à Distância) e o ERE (Ensino Remoto Emergencial). Fizemos, com recursos próprios, tudo o que podíamos fazer, mas com a certeza de que não estávamos fazendo o que deveríamos fazer. Mantivemos nossos estudantes intelectualmente ativos e em movimento, mas com uma limitação absurda de aprendizagem. Os efeitos desta precarização ainda estão sendo sentidos no ateliê, pela fragilidade da formação. 

Mesmo com estas barreiras e limitações o debate não paralisou. Continuamos firmes no nosso propósito de revisão da DCN. Aliás, fortalecidos pois a aplicação acrítica do EaD e do ERE rapidamente se mostrou completamente inviável para o ensino de Arquitetura e Urbanismo. O principal laboratório de Ensino e Aprendizagem é o Ateliê: espaço para onde convergem os diversos saberes e onde se faz a reflexão na ação do fazer o projeto. É onde a verdadeira pedagogia ativa se faz presente. É onde a sala de aula tradicional se transforma em sala de aula viva, se transforma em ateliê. É onde de forma presencial, assistida pelo professor e compartilhada entre os estudantes, se constrói o conhecimento e as competências necessárias para o exercício profissional. 

Além disto, o palco dos estudos no Curso de Arquitetura e Urbanismo é a cidade, com seus espaços públicos e privados com suas edificações recorrentes e excepcionais, com suas praças, parques e jardins, com sua mobilidade e com a vivência das pessoas. E isso não se viabiliza na sua plenitude pedagógica numa telinha de celular ou computador.

Também, o contato e o convívio no ateliê e no ambiente universitário são a peça chave para o entendimento da alma humana. E essa experiência é basilar para quem vai projetar e construir os novos espaços para as pessoas. 

Temos que comemorar! Mas a luta e a vigilância devem continuar, pois, mesmo sendo sólidas as nossas conquistas, é frágil a sua manutenção. É nosso compromisso fiscalizar a aplicação efetiva dos componentes curriculares na sua plenitude e de todo o conteúdo da nova DCN. As escolas terão 3 anos para sua aplicação e vão necessitar do apoio dos CAUs, num exercício coletivo e compartilhado para que possamos resgatar a qualidade de ensino perdida ao longo do tempo. 

Destaco aqui alguns aspectos importantes da nova DCN: 

- Arquitetura e Urbanismo são questões vitais de interesse público,- Arquitetura e Urbanismo constituem herança coletiva,

- Arquitetura e Urbanismo tem papel importante na saúde das populações,

- Arquitetura e Urbanismo constituem área de conhecimento próprio,

- Descrição clara e detalhada dos componentes curriculares,

- TFG no último ano ou semestre do curso, após integralização dos componentes curriculares,

- TFG tendo como objetivo avaliar as condições de qualificação do formando,

- TFG com 1 hora de orientação por aluno,

- Prazo mínimo de 5 anos para conclusão do curso,

- Carga horária mínima e referencial de 3.600h exclusivamente para os componentes curriculares,

- Modalidade presencial

- Atividades de Ateliê no mínimo com 40% da carga horária do curso,

- Proporção de 1 professor para cada 15 estudantes nos conteúdos práticos e de ateliê,

- Nenhum conteúdo curricular pode ser ministrado à distância,

- Definição das aulas em atividades práticas e atividades teóricas,

- Manter permanentemente programa de formação e desenvolvimento docente,

- Coordenação do curso exercida exclusivamente por docente arquiteto e urbanista,

- Docentes devem ter qualificação acadêmica e experiência profissional em suas áreas de atuação específicas, como requisito mínimo para ministrar os conteúdos,

- Definição clara dos espaços e equipamentos necessários para o processo de ensino e aprendizagem,

- As IES terão até 3 anos para implantação das DCNs.

Parabéns colegas pela luta que nos trouxe até aqui. Sigamos mobilizados, alertas e vigilantes. Não se trata de rigidez, trata-se de rigor na abordagem destes assuntos para proteger a sociedade contra a precarização do ensino e formação. Educação é coisa séria!

Arq. Paulo Ricardo BREGATTO

Conselheiro do Cau/RS

2012/2014 - 2018/2020 - 2024/2026

domingo, 20 de agosto de 2023

Formatura da PucRS


Turma querida, enfim, chegou o tão esperado dia da formatura. A solenidade de ontem estava linda. É sempre renovador da alma ver as novas gerações de profissionais fortalecendo as fileiras do nosso estimado ofício. Neste quesito, acredito na quantidade também: quantos mais arquitetos e urbanistas bem formados e qualificados, melhor para sociedade. Curtam muito o direito e o dever de serem os genuínos agentes destas transformações que caracterizam e viabilizam cada vez mais a nossa profissão.

Muito temos o que fazer! Muitos são os temas que precisam ser trabalhados com afinco e dedicação. Principalmente, os temas sociais capazes de diminuir a desigualdade em nosso país e devolver a dignidade da moradia, do trabalho, da saúde, da erradicação da fome, da segurança e da educação para o nosso povo carente destes direitos basilares.

Não esqueçam da "Função Social" do nosso ofício.

Foi lindo vê-los ontem radiantes com esta conquista. A primeira de muitas por vir. Que alegria caminhar com vocês nesta jornada. A caminhada está apenas começando. O longo degrau da formação acadêmica foi concluído ontem. Mas a escada tem muitos degraus! Acertem o passo e sigam sempre em frente. Busquem sempre serem "mármore polido, evitando serem pedra bruta".

Um abraço fraterno em cada um e em cada uma!


Colação de Grau: 19 de agosto de 2023
Horário: 20h
Local: Salão de Atos da PUCRS

DISCURSO DO PARANINFO

Componentes da mesa,
Familiares e amigos,
Minhas queridas e meus queridos colegas.
 
Desde já, o meu agradecimento pelo convite para ser o paraninfo desta turma. Que bela homenagem vocês me fazem, permitindo que eu use esta tribuna, com a nobre missão de conduzi-los da vida acadêmica para a vida profissional. Recebo sempre com muito carinho esta tarefa, pois ela está entre as maiores distinções que um professor pode receber em sua carreira acadêmica, justamente por vir dos seus futuros colegas de ofício.
 
Divido esta homenagem e alegria com os professores do curso que, com suas experiências profissionais e posturas comprometidas com a qualidade e com as demandas reais da nossa profissão, tem dado grandes contribuições para o ensino de arquitetura e urbanismo e para o reconhecimento de nossa escola, como uma das melhores do Estado (66 no RS e 827 no Brasil).
 
Turma querida, tenham a certeza do orgulho que sinto por suas trajetórias e por vê-los radiantes! Reconheci no olhar de cada um, em especial ao longo deste último semestre, o desejo da superação e o respeito pela nossa profissão. Respeito, expresso na tenacidade e dedicação com que buscaram fazer sempre o melhor. 

Ao fazerem isto fortaleceram as nossas convicções sobre os necessários avanços na revisão e formatação do ensino superior, mais identificado com o mundo do trabalho, com as demandas da sociedade, com as novas tecnologias, materiais e sistemas construtivos, com a economia dos meios, com o baixo impacto de nossas obras no meio-ambiente e na paisagem e com as qualidades que os jovens profissionais do século XXI devem possuir.
 
O paraninfo é o professor que ministra a última lição e o amigo que oferece o primeiro conselho! Então, vamos lá!

Começo exaltando o quanto crescemos como grupo e aprendemos uns com os outros nesta jornada. Esta consciência de equipe nos deu a coragem e a segurança para seguirmos em frente, superando os desafios, buscando o crescimento dos seus trabalhos e o amadurecimento de suas posturas, cada vez menos estudantes, para se tornarem cada vez mais profissionais. A evolução baseia-se no conceito da ajuda mútua e do compartilhamento, portanto, no fazer diário do nosso ofício, vocês devem continuar assim, se ajudando mutuamente. Seremos sempre mais fortes como grupo.
 
Na sequência, convido-os a ficarem atentos às novas demandas da sociedade, pois ela necessita muito do nosso trabalho. Ainda vemos as cidades crescendo desordenadamente, sem o criterioso planejamento, com prioridades questionáveis, com novas edificações e espaços públicos e privados desprovidos de qualidade funcional, estética e técnica. Também, o nosso patrimônio natural, ambiental, histórico, artístico e cultural, possuidor de grandes valores e belezas, agoniza pela falta de reconhecimento e pela falta de proteção, preservação, investimentos e capacidade de gestão.
 
Como consequência disto, o debate sobre a qualidade e sobre o impacto do que produzimos deve continuar com mais vigor. Muita construção e pouca arquitetura e urbanismo! Debatemos muito este tema ao longo do curso e temos que continuar a debatê-lo no dia-a-dia dos seus escritórios.
 
Colegas, isto não é uma tarefa fácil por tudo o que o nosso ofício significa e representa!
 
Lembrem-se sempre, que a arquitetura é arte, ciência e ofício. É arte, pois a partir da sua dimensão abstrata, ultrapassa seu papel de ser apenas abrigo utilitário, e passa a traduzir e divulgar os aspectos culturais e estéticos da sociedade e o espírito do seu tempo e lugar. É ciência, pois se vincula aos processos e métodos científicos de análise do comportamento humano, das suas necessidades mais elementares, da produção eficiente e sustentável do canteiro de obras, do controle do consumo energético, dos novos materiais e técnicas construtivas de baixo impacto ambiental e da reformulação e proposição dos novos espaços, palco da vida humana. E é ofício, pois a partir das nossas ações diárias, transformamos o mundo que nos cerca e vivemos dignamente com o fruto do nosso trabalho inovador e empreendedor.
 
Conscientes disso, não devemos fazer concessões quando o assunto é a qualidade do nosso trabalho, pois ao fazerem concessões, lá no final da linha, comprometerão a nossa prática profissional coletiva e fragilizarão a sociedade, ansiosa pela nossa visão transformadora de mundo.
 
Não esqueçam, também, que as conquistas normativas e de regulamentação do nosso ofício são recentes. Muitos são os ataques e as armadilhas de mercado que colocam em risco essa estabilidade. Portanto colegas, aí vai mais um conselho: devemos nos manter unidos, alertas e vigilantes, atuando na política profissional, participando ativamente das entidades de classe, entendendo, praticando, formulando, divulgando e promovendo os princípios éticos e os grandes temas do nosso ofício.
 
Para finalizar, convoco-os a refletirem criticamente sobre a necessidade urgente de praticarem a nossa profissão valorizando o conteúdo acima da imagem. A não se deixarem seduzir pelos superficiais apelos midiáticos da profissão. A reagirem duramente contra o aviltamento da prática profissional. A reconhecerem as diferenças entre valor e preço dos seus trabalhos. A terem como livro de cabeceira o nosso código de ética profissional. A concentrarem seus esforços nas demandas e necessidades reais dos seus clientes e a nunca abrirem mão das questões fundamentais da arquitetura e urbanismo, objeto das suas qualificadas formações.
 
Improviso: Ontem, na missa de formatura, ouvindo atentamente as belas palavras proferidas pelo Paraninfo Espiritual, Prof. Paulo Cesa, relembrando o diálogo com o Arquiteto renascentista Michelangelo Buonarroti, quando questionado sobre como conseguia fazer obras tão belas a partir de blocos de pedras brutas, ao que ele responde “estas formas já estavam lá, eu apenas retirei as camadas de rocha para revelá-las, libertá-las”. Ouvi aquilo e fui para casa pensando: Quem sou eu? Quem eu sou? Mármore lapidado ou pedra bruta? E me dei conta de que somos tanto um, quanto outro, pois essa é a magia do livre arbítrio que, diante das nossas decisões e, principalmente, das nossas ações nos torna mármore polido ou pedra bruta. Eis aí mais um conselho colegas: tomem sempre as melhores decisões, escolham sempre os melhores caminhos para que vocês possam ter a leveza e a beleza do mármore polido.
 
Dito isto meus queridos, resta-me apenas chamá-los para a vida profissional. Sejam sempre bons colegas, sejam solidários, sejam bons projetistas, sejam bons construtores pois, afinal de contas, projetamos e construímos porque acreditamos no futuro e não há nada que demonstre maior compromisso com o futuro do que o potencial proativo e transformador da nossa profissão.
 
Muito obrigado por esta homenagem!
Uma honra caminhar com vocês até aqui!
 
Paulo Ricardo BREGATTO
Salão de Atos da PUCRS
19/08/2023 – 20h

quinta-feira, 7 de julho de 2022

Tempo...


“Acho que uma das coisas mais sinistras da história da civilização ocidental é o famoso dito atribuído a Benjamim Franklin, ‘tempo é dinheiro’. Isso é uma monstruosidade. Tempo não é dinheiro. Tempo é o tecido da nossa vida, é esse minuto que está passando. Daqui a 10 minutos eu estou mais velho, daqui a 20 minutos eu estou mais próximo da morte. Portanto, eu tenho direito a esse tempo. Esse tempo pertence a meus afetos. É para amar a mulher que escolhi, para ser amado por ela. Para conviver com meus amigos, para ler Machado de Assis. Isso é o tempo. E justamente a luta pela instrução do trabalhador é a luta pela conquista do tempo como universo de realização própria. A luta pela justiça social começa por uma reivindicação do tempo: ‘eu quero aproveitar o meu tempo de forma que eu me humanize."

Antônio Cândido

Recebi, em boa hora, do meu querido amigo Prof. Marcos Pereira Diligenti. Consciência de classe é fundamental para o entendimento do mundo como está e para a reestruturação da sociedade buscando erradicar a desigualdade. Valeu Marquinhos! 

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

O Homem Lúcido

"O homem lúcido sabe que a vida é uma carga tamanha de acontecimentos e emoções, que ele nunca se entusiasma com ela, assim como não tema a morte.

O homem lúcido sabe que o viver e o morrer são o mesmo em matéria de valor, posto que a vida contém tantos sofrimentos que a sua cessação não pode ser considerada um mal.

O homem lúcido sabe que ele é o equilibrista na corda bamba da existência. Ele sabe que, por opção ou acidente, é possível cair no abismo a qualquer momento, interrompendo a sessão do circo.

Pode, também, o homem lúcido optar pela vida. Aí, então, ele esgotará todas as suas possibilidades.

Ele passeará por seu campo aberto e por suas vielas floridas. Ele saberá ver a beleza em tudo.

Ele terá amantes, amigos, ideais. Urdirá planos e os realizará. Resistirá aos infortúnios e até às doenças. E, se atingido por algum desses emissários, saberá suportá-los com coragem e com mansidão.

E morrerá, o homem lúcido, de causas naturais e em idade avançada, cercado por seus filhos e pelos seus netos que seguirão a sua magnífica aventura. pairará, então, sobre a memória do homem lúcido uma aura de bondade. Dir-se-á: aquele amou muito. Aquele fez bem às pessoas.

A justa lei máxima da natureza obriga que a quantidade de acontecimentos maus na vida de um homem se iguale sempre à quantidade de acontecimentos favoráveis.

O homem lúcido, que optou pela vida, com o consentimento dos Deuses, tem o poder magno de alterar esta lei. Na sua vida, os acontecimentos favoráveis serão sempre a maioria.

Porque essa é uma cortesia que a natureza faz com os homens lúcidos."

Recebi este texto da minha querida amiga e colega Cassandra Coradin, como resultado das nossas ótimas conversas e reflexões sobre a vida e sobre a profissão. O texto é uma livre tradução, parte do Tratado Sobre a Lucidez, escrito no século VI a.C, na Caldeia – parte sul e mais fértil da Mesopotâmia, entre os rios Eufrates e Tigre.