sexta-feira, 30 de maio de 2014

Atribuição de Arquiteto e Urbanista


"Arquitetura é atribuição de arquiteto".
Eduardo Kneese de Mello

Entre as várias dúvidas que são externadas pelos alunos, principalmente os que iniciam o curso de Arquitetura e Urbanismo, a que mais se destaca pela recorrência diz respeito às áreas de atuação dos profissionais arquitetos e urbanistas. A dúvida faz sentido, principalmente, considerando que durante muitos anos nosso exercício profissional se confundiu com as práticas de outras profissões similares regulamentadas. Neste sentido, cabe a especulação de que a dúvida dos alunos, ampliada à escala da sociedade, assume patamares expressivos e alarmantes nos exigindo um trabalho urgente e continuado de divulgação profissional.

Afinal o que faz um arquiteto e urbanista?

Responder esta questão passa obrigatoriamente por uma análise preliminar das atribuições profissionais descritas e regulamentadas pela lei e pelas matrizes curriculares dos cursos de arquitetura e urbanismo do nosso país, pois mesmo tratando de assuntos complementares – as escolas que formam e as leis que regulamentam – a justa ausência desta linearidade lógica pode estar na origem de tanta dúvida, uma vez que formação acadêmica e atribuição profissional são ações distintas que só passam a fazer sentido quando versam sobre o mesmo conteúdo.

Adquirir, apenas por força de lei, os direitos legais para exercer um ofício, principalmente, quando dissociado de uma adequada e precisa formação acadêmica capaz de preparar o profissional para as especificidades deste ofício, invariavelmente, trás grandes prejuízos para a sociedade, seja pela falta de qualidade e habitabilidade das edificações, pela falta de cuidado com o meio ambiente natural e edificado, pelo descaso com o patrimônio histórico artístico e cultural, pela falta de planejamento da cidade e da paisagem ou pelos custos exagerados causados pela falta de um planejamento adequado.

Neste sentido, cabe destacar que os arquitetos e urbanistas durante décadas assistiram várias das atividades técnicas que historicamente sempre foram reconhecidas como de sua alçada profissional – projeto arquitetônico, urbanístico e paisagístico, e aquelas do âmbito do patrimônio histórico – sendo indevidamente exercidas por outros profissionais sem a adequada formação acadêmica que os preparasse, qualificasse e credenciasse para a função.

Essa situação que muito preocupou e aglutinou por tantos anos profissionais engajados com o desejo de mudar teve sua origem com a instituição do primeiro marco regulatório das profissões tecnológicas, a partir do Decreto Federal nº 23.569, de 11 de dezembro de 1933. Naquela época, as atividades, atribuições e campos de atuação dos arquitetos estiveram compartilhados com várias e amplas áreas de sombreamento com os de outros profissionais regulamentados.

A Lei nº 5.194, de 24 de dezembro de 1966, pouco alterou de forma significativa este sombreamento e seus previsíveis prejuízos para o exercício profissional dos arquitetos e urbanistas. Ao contrário disto, incluiu outras profissões muito menos similares aquelas já existentes, e tratou de forma genérica as atividades, atribuições e campos de atuação de cada uma delas, permitindo que permanecessem grandes áreas de sombreamento entre os campos de atuação da arquitetura e urbanismo e os das outras profissões existentes no sistema.

Foi somente com o advento da Lei nº 12.378, de 2010, que se apresentaram em plenitude as condições para a efetiva individualização da Arquitetura e Urbanismo e para sua diferenciação em relação às demais profissões regulamentadas. Esta lei estabeleceu, em seu art. 2º, quais as atividades e atribuições dos arquitetos e urbanistas e, no parágrafo único deste artigo, quais os campos de atuação a que estas se aplicam.

Em seu art. 3º a lei delegou ao CAU/BR o dever de especificar as áreas de atuação privativas dos arquitetos e urbanistas e as áreas de atuação compartilhadas com outras profissões regulamentadas, destacando no parágrafo 2º do mesmo artigo que serão consideradas privativas de profissional especializado aquelas áreas de atuação nas quais a ausência ou insuficiência de formação profissional venha a expor o usuário do serviço prestado a qualquer tipo de dano ou de risco à sua segurança ou saúde ou ao meio ambiente (de acordo com a resolução N° 51, DE 12 DE JULHO DE 2013).

Nesta resolução, as atividades, atribuições e campos de atuação privativos dos arquitetos e urbanistas e aqueles compartilhados com outras profissões regulamentadas foram especificados em estrita observância ao que determina a Lei nº 12.378, de 2010, confirmando o caráter uniprofissional da Arquitetura e Urbanismo, de formação generalista, e tomando como referência as diretrizes curriculares nacionais dos cursos de graduação desta profissão.

A lei diz que são atribuições profissionais do arquiteto e urbanista: supervisão, coordenação, gestão e orientação técnica; coleta de dados, estudo, planejamento, projeto e especificação; estudo de viabilidade técnica e ambiental; assistência técnica, assessoria e consultoria; direção de obras e de serviço técnico; vistoria, perícia, avaliação, monitoramento, laudo, parecer técnico, auditoria e arbitragem; desempenho de cargo e função técnica; treinamento, ensino, pesquisa e extensão universitária; desenvolvimento, análise, experimentação, ensaio, padronização, mensuração e controle de qualidade; elaboração de orçamento; produção e divulgação técnica especializada e execução, fiscalização e condução de obra, instalação e serviço técnico.

A seguir, de forma sintética e agrupada, estão listadas as áreas de atuação especificadas como privativas dos arquitetos e urbanistas:

ARQUITETURA E URBANISMO

Projeto arquitetônico de edificação ou de reforma de edificação; projeto arquitetônico de monumento; coordenação e compatibilização de projeto arquitetônico com projetos complementares; relatório técnico de arquitetura referente a memorial descritivo, caderno de especificações e de encargos e avaliação pós-ocupação; desempenho de cargo ou função técnica concernente à elaboração ou análise de projeto arquitetônico; ensino de teoria, história e projeto de arquitetura em cursos de graduação; coordenação de curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo; projeto urbanístico; projeto urbanístico para fins de regularização fundiária; projeto de parcelamento do solo mediante loteamento; projeto de sistema viário urbano; coordenação e compatibilização de projeto de urbanismo com projetos complementares; relatório técnico urbanístico referente a memorial descritivo e caderno de especificações e de encargos; desempenho de cargo ou função técnica concernente à elaboração ou análise de projeto urbanístico e ensino de teoria, história e projeto de urbanismo em cursos de graduação.

ARQUITETURA DE INTERIORES

Projeto de arquitetura de interiores; coordenação e compatibilização de projeto de arquitetura de interiores com projetos complementares; relatório técnico de arquitetura de interiores referente a memorial descritivo, caderno de especificações e de encargos e avaliação pós-ocupação; desempenho de cargo ou função técnica concernente à elaboração ou análise de projeto de arquitetura de interiores e ensino de projeto de arquitetura de interiores.

ARQUITETURA PAISAGÍSTICA

Projeto de arquitetura paisagística; projeto de recuperação paisagística; coordenação e compatibilização de projeto de arquitetura paisagística ou de recuperação paisagística com projetos complementares; cadastro do como construído (as built) de obra ou serviço técnico resultante de projeto de arquitetura paisagística; desempenho de cargo ou função técnica concernente a elaboração ou análise de projeto de arquitetura paisagística e ensino de teoria e de projeto de arquitetura paisagística.

PATRIMÔNIO HISTÓRICO CULTURAL E ARTÍSTICO

Projeto e execução de intervenção no patrimônio histórico cultural e artístico, arquitetônico, urbanístico, paisagístico, monumentos, práticas de projeto e soluções tecnológicas para reutilização, reabilitação, reconstrução, preservação, conservação, restauro e valorização de edificações, conjuntos e cidades; coordenação da compatibilização de projeto de preservação do patrimônio histórico cultural e artístico com projetos complementares; direção, condução, gerenciamento, supervisão e fiscalização de obra ou serviço técnico referente à preservação do patrimônio histórico cultural e artístico; inventário, vistoria, perícia, avaliação, monitoramento, laudo e parecer técnico, auditoria e arbitragem em obra ou serviço técnico referente à preservação do patrimônio histórico cultural e artístico; desempenho de cargo ou função técnica referente à preservação do patrimônio histórico cultural e artístico e ensino de teoria, técnica e projeto de preservação do patrimônio histórico cultural e artístico.

PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL

Coordenação de equipe multidisciplinar de planejamento concernente a plano ou traçado de cidade, plano diretor, plano de requalificação urbana, plano setorial urbano, plano de intervenção local, plano de habitação de interesse social, plano de regularização fundiária e de elaboração de estudo de impacto de vizinhança.

CONFORTO AMBIENTAL

Projeto de arquitetura da iluminação do edifício e do espaço urbano; projeto de acessibilidade e ergonomia da edificação e projeto de acessibilidade e ergonomia do espaço urbano.

As demais áreas de atuação dos arquitetos e urbanistas constantes do art. 2° da Lei n° 12.378, de 2010, que não sejam as privativas acima descritas, constituem áreas de atuação compartilhadas entre os profissionais da Arquitetura e Urbanismo e os de outras profissões regulamentadas.

Não obstante às áreas acima detalhadas, é possível encontrar com muita frequência os arquitetos e urbanistas atuando em outras atividades, tais como, desenho de mobiliário, cenografia, projeto gráfico corporativo e editorial, projeto de produto, gestão de aspectos bioclimáticos, consultoria na área de certificação Leed, projeto de sinalização, luminotécnica, ventilação e ar condicionado, entre outras.

Cabe ainda destacar que nosso ofício pode ser exercido em alguns setores distintos e complementares. O arquiteto e urbanista pode atuar no setor privado como profissional liberal ou sócio-diretor de empresa, como funcionário de outras empresas também do setor privado, na esfera municipal, estadual e federal como funcionário público e nas universidades atuando como pesquisador ou docente.

A arquitetura é arte, ciência e ofício. Arte na medida em que ultrapassa seu papel de abrigo, quando supera a esfera prática e começa a dizer algo sobre o mundo e sobre os aspectos culturais de uma civilização. É ciência na medida em que se vincula aos processos e métodos científicos de proposição e análise do comportamento humano e das suas necessidades mais elementares, da produção eficiente no canteiro de obras, dos novos materiais e das novas técnicas construtivas de baixo impacto ambiental. E é ofício, principalmente, pois a partir das nossas ações concretas diárias, transformamos o mundo que nos cerca e vivemos dignamente com o fruto ético do nosso trabalho.

Como podemos ver, fazer arquitetura e urbanismo é comprometer-se com quase todos os assuntos: política, sociedade, cultura, história, negócios, teoria, religião, família, educação, entre outros, pois os frutos do nosso trabalho representam ideais sociais e afirmações políticas, são ícones culturais e são evidências da própria memória.

Íntegra do artigo publicado na Revista Espaço do IAB-RS
Número 01 - Abril de 2014 - Página 51