quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Lego

De todos os brinquedos que eu não tive - seja por falta de grana do meu velho ou pelo fato destes brinquedos não existirem na minha infância - o que mais me diverte nos dias de hoje são os bloquinhos da Lego. Deixem eu explicar melhor: meu filho, o Pedrinho, tem várias caixas deste brinquedo. O mais legal de tudo isto é que eu não precisei comprar um único bloquinho (que não são nada baratos!!)!! Ele herdou todos do seu primo Guga, hoje com 19 anos, que guardou sabiamente todos os mais variados tipos deste brinquedo e os deu de presente para o Pedro no Natal de 2007.

Lembro do Guga, quando pequeno, concentrado nos desafios de cada conjunto, tendo em sua volta um universo de bloquinhos coloridos - entre outras tantas pecinhas especiais - de acordo com cada tema. Não foram poucas as vezes em que me vi envolvido com ele nesta alegre brincadeira. É incrível a qualidade de fabricação e a precisão deste brinquedo. Assim como é incrível, também, as várias combinações que podemos construir com poucos bloquinhos.

É um desafio de inteligência, criatividade e paciência que envolve até - ou principalmente - os adultos. Lembro da minha alegria - e a do Pedrinho também - quando montamos junto um grande e complexo helicóptero. Claro que com a ajuda dos manuais de construção muito bem elaborados. Diante da qualidade deste brinquedo, conseguimos entender o seu grande sucesso.

Então, este texto vai em comemoração aos 51 anos de vida desta criação, desde a sua patente em 1958.
Breve histórico

A LEGO foi fundada em 1932 pelo carpinteiro dinamarquês Ole Kirk Christiansen, na pequena vila de Billund, na Dinamarca, onde fabricava carrinhos de madeira artesanais para seu filho Godtfred Kirk. Seu filho começou a trabalhar no negócio com apenas 12 anos. Na parede da empresa foi pintada uma frase com os dizeres: “Only The Best is Good Enough”, usada atualmente para definir a empresa.


Em 1934, a empresa, então com seis funcionários, adota nome LEGO, formado a partir das iniciais da frase dinamarquesa “LEg GOdt” que significa Play Well (Bem Jogado). Passou a fazer brinquedos desmontáveis até criar, em 1942, as primeiras pecinhas de plástico para encaixar.

Em 1947 começou a produzir brinquedos de plásticos através de uma máquina modeladora. Dois anos mais tarde a empresa produzia mais de 200 diferentes tipos de brinquedos, feitos de madeiras e plástico, incluindo os blocos de montar que conhecemos hoje em dia. Os blocos de montar ganham novo nome “LEGO Bricks” em 1953.


Em 1958 o sistema de montagem e encaixe dos blocos é patenteado e o novo sistema de montagem criava inúmeras possibilidades de formas. A fábrica de brinquedos de madeira é destruída por um incêndio em 1960, e a empresa resolve dedicar-se somente a produção de brinquedos de plástico.

Em 1964 a empresa introduz as instruções de montagem em suas embalagens, auxiliando as inúmeras possibilidades de montagem de cada linha do produto por parte do consumidor. Em 1976 o bloco duplo de montar (Duplo Brick) é inventado e patenteado pela empresa, voltado para as crianças mais jovens. Nessa época existiam 218 diferentes kits de montar, com variações de cor, vendendo quase 19 milhões de kits por ano. No ano seguinte é inaugurado o LEGOLAND Billund, uma espécie de parque temático da marca, que em seu primeiro ano recebeu 625.000 visitantes.

Em 1973 a empresa adota um único logo, inclusive para todas as linhas de produto. Nesse mesmo ano é lançada a linha de navios e mobiliários para casa. O slogan “With LEGO you can do more” foi lançado em 1975. Nessa década foram introduzidas várias linhas de LEGO, possibilitando inúmeras combinações, inclusive para crianças mais velhas.


A década de 80 começou com a inauguração do departamento de produtos educacionais, conhecido como Lego Dacta em 1989. Em 1982 ocorreu o lançamento do DUPLO Mosaic e Tecnic I, marcando o início dos produtos voltados para o mercado escolar. Na década de 90 a LEGO se consolidou como a décima maior produtora de brinquedos do mundo e primeira da Europa.

Em 1992, o maior castelo de LEGO foi montado ao vivo na televisão sueca, era composto por 400.000 peças. Em 1996 a empresa lança seu Site na Internet, entrando de vez na era da informática. Em 1999 inaugura o terceiro LEGOLAND na cidade de Carlsbad, Califórnia. A primeira loja própria da marca foi inaugurada em 2002 na cidade de Colônia na Alemanha, seguida das lojas nas cidades de Londres e Moscow. Em 2003 a empresa introduziu o novo slogan da marca “Play On”. A empresa é controlada pela família Christiansen até os dias de hoje.

Curiosidades


- A marca, quarta maior produtora de brinquedos do planeta, está presente fisicamente em 33 países, contando com 4 parques Legoland nas cidades de Billbund (Dinamarca), Windsor (Inglaterra), Carlsbad (Estados Unidos) e Gützburg (Alemanha), além de 5 fábricas (Dinamarca, Suíça, República Checa, Coréia do Sul e Estados Unidos).

- Ao longo dos seus mais de 60 anos de história, a empresa produziu mais de 320 bilhões de peças de LEGO, o equivalente a 52 peças por habitante do planeta.

- A cada 7 segundos um kit LEGO é vendido ao redor do mundo, isto equivale a 20 bilhões de peças produzidas anualmente, cerca de 2,3 milhões por hora.

- Existem 2.400 formatos diferentes de tijolos LEGO®.

- LEGO® é vendido em 130 países e mais de 400 milhões de crianças já brincaram com ele.

- São fabricados por ano 306 milhões de pneus para os carros e tratores LEGO®.

- Os tijolos são tão versáteis que a LEGO® calcula que apenas 6 tijolos de 2 x 4 podem ser arrumados em 915.103.765 maneiras diferentes.

- Os tijolos LEGO® estão disponíveis em 53 cores diferentes.

- Já foram produzidos 400 bilhões de tijolos LEGO® desde 1949.

- Os tijolos LEGO® vendidos em um ano dariam a volta ao mundo 5 vezes e 40 bilhões de tijolos empilhados chegariam a lua.

- Uma busca hoje no Google, retorna 70.300.000 resultados de LEGO®.

- LEGO® é muito mais do que um brinquedo, suas peças são usadas da pré-escola até a universidade para ensinar de tudo, de matemática e ciências até princípios de engenharia e tecnologia.

- LEGO® Star Wars é a linha mais bem sucedida de toda a história da LEGO®.

domingo, 25 de janeiro de 2009

Tramandaí

Ainda não estou totalmente em férias. Algumas poucas reuniões de trabalho ainda exigirão a minha presença em Porto Alegre nesta próxima semana. Mesmo assim, antecipar alguns compromissos na semana que passou está me permitindo estar aqui. Estou em Tramandaí!! Minha família tem um apartamento aqui desde muito tempo. Fica na Av. Emancipação, na famosa Galeria do Comércio. O lugar é bem legal para quem gosta de agitação plena. Não é o meu caso. Qualquer atividade que aconteça nas calçadas desta avenida reverbera dentro da nossa sala de estar, mesmo não estando localizado no pavimento térreo. Ainda assim, todos os verões, religiosamente venho para cá fazer uma espécie de aquecimento para as férias. Gosto desta praia. Gosto de muitos lugares daqui. Não sou pescador mas sempre vou até a Plataforma de Pesca - a vista da praia estando ali em cima é bem legal -, gosto também daquela prainha de águas rasas que se forma protegida nos molhes do Rio Tramandaí, da lagoa, dos passeios de barco pelas lagoas, entre outros lugares. O Nordestão sempre faz com a gente uma espécie de batalha moral para ver quem resite mais, se é o desejo de se sentir na praia ou a visão estranha dos quarda sóis voando pela beira da praia. Perdemos sempre para a ventania. Mas não deixamos de vir. Pura teimosia que só encontra explicação em alguns aspectos da tradição gaúcha.

Chegamos na sexta-feira, próximo das 22h, depois de uma viagem daquelas onde a estrada mais parecia um colar de sinaleiras luminosas vermelhas. Várias vezes o trânsito simplesmente parou e nas proximidades dos pedágios longas filas se formavam. Neste final de semana os dias foram de pouco sol e muito vento. Mas muito vento mesmo!! Daqueles dias onde os guardas sóis permanecem fechados, mesmo quando um sol teimoso se faz presente. No sábado o dia se alternou entre períodos de sol e períodos nublados. E vento. No domingo o dia foi todo de sol!! E vento.

A Narinha voltou para Porto Alegre, pois ainda tem esta semana cheia no seu trabalho. Ela entre em férias somente no próximo final de semana. O Pedrinho já está em férias, então resolvi ficar mais uns dias por aqui. Para alegria dos avós, que vibraram diante da notícia da nossa permanência - quer dizer, não sei se da nossa permanência ou da permanência do Pedrinho!! Acho que vamos retornar na quarta-feira. Ou antes, se a ventania não parar ou se começar a chover!! O Pedrinho tem brincado muito ao longo destes dias!! Ele acorda, toma seu sagrado café da manhã - herança da mãe - e inicia sua jornada de grandes brincadeiras: leitura, desenhos, pintura, filminhos na tv, praia, soninho após o almoço, sorvetinho, praia, passeios, uffaaa, para então deitar para dormir. É contagiante ver a alegria dele para lá e para cá, fazendo amigos na beira da praia e construindo castelos de areia. Então, fiquei lembrando de quando eu era criança. E somente fazendo isto pude entender como é que ele conseguia ficar tanto tempo dentro daquela água gelada!! E com vento!!

Quando anoitece, vamos passear na Av. Emancipação. Tem tantas atividades legais que uma única noite não é suficiente para ver todas elas. Ainda não fui na Feira do Livro com o tempo que sempre gosto de ter para revirar os balaios em busca de alguma oferta legal. Quero ver se vou amanhã. E tem também a singela pescaria de lambarí na ponte. Coisas para preencher a semana. Todas as noites levamos o Pedrinho para um parquinho de diversões que tem aqui perto das plataformas de pesca do rio. Ele tem direito a 5 ingressos para andar onde quiser. O auto choque tem sido o preferido dele. Que bom, pois prefiro andar neste brinquedo do que ter que ficar andando na xícara maluca, no carrossel ou noutros brinquedos que me deixam com aquele inevitavel sentimento de que eu não deveria estar ali!

Coisas de quem está na praia. Curtindo um mar com águas nem tão clarinhas assim e muito geladas. E claro, já ia me esquecendo, com muito vento!!

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

A lógica da beleza

Certas formas capturam nosso olhar e mexem com nossos sentidos bem mais do que outras, e isso tem uma razão muito precisa e, ao mesmo tempo, encantadora como nos diz o arquiteto húngaro György Doczi no livro ‘O Poder dos Limites’ (ed. Mercuryo).

“Quando examinamos profundamente o padrão de uma flor, uma concha ou o balanço de um pêndulo, descobrimos aí a perfeição, uma ordenação incrível, que desperta em nós o maravilhoso que experimentávamos quando crianças. Algo infinitamente maior do que nós se revela e percebemos que o ilimitado emerge dos limites, dos padrões bem definidos”.

Por volta do final do século 12, o matemático italiano Leonardo Pisani, também chamado Fibonacci, depois de muitos cálculos e da observação da natureza, chegou a uma fórmula numérica provando que do retângulo perfeito derivam um quadrado e um outro retângulo perfeito, que, por sua vez, remetem a outro retângulo e a um quadrado perfeito e assim por diante.Com a repetição dessas formas geométricas – triângulos, retângulos, círculos – em proporções harmoniosas, cria-se uma série de espirais, que são a essência da vida com o nos assegura o arquiteto Roberto Pompéia, professor da Universidade de Campinas (Unicamp) e estudioso das formas geométricas na natureza.

“Não existe vida sem a espiral. Ela é a transição, a transformação. Se não houvesse o movimento espiralado, as flores não se abririam, as galáxias não existiriam”.

E ele tem razão: o embrião humano é uma espiral – e vai se virando dentro do útero num movimento espiralado até nascer, assim como um broto de samambaia. Um caracol ou um bichinho minúsculo chamado náutilo, que nasce grudado a um grão de areia no fundo do mar, vão construindo suas casinhas na medida em que crescem. A seqüência dessas câmaras é uma espiral e, portanto, tem a proporção áurea.

Outros exemplos da natureza? As formações dos cristais de rocha e de gelo, a estrela do mar, a rosa, a petúnia, o jasmim-estrela, a teia de aranha, os rabos dos cavalos marinhos, os furacões! Tudo está organizado segundo os números e as fórmulas matemáticas, dizia Pitágoras, matemático grego do século 6 a.C.

“O homem tem dentro de si, no código genético, um determinado padrão também em forma de espiral. Somando-se a ele sua cultura, seus agregados sociais, suas divergências, seu modo de entristecer-se, sua maneira de amar e de enlevar-se, você perceberá, como resultado, uma organização e uma harmonia”. Luis Barco, professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

O que faz o artista na pintura, na escultura é ler a natureza em toda a sua plenitude.

“As grandes idéias são intuitivas. Depois vem um teórico, por exemplo, o matemático Fibonacci, e explica. Mas uma coisa é certa: quando uma relação é harmônica, ela agrada aos olhos. E terá sido criada – ou recriada com base na observação! – por um intelectual ou por um jardineiro”, diz o professor Luis Barco.

A mesma proporção áurea é usada pelos artistas e arquitetos desde a antigüidade. É ela que cria a harmonia entre os traços de um rosto ou entre os elementos de um quadro. Por que a Monalisa é tão atraente? Porque seus olhos, sua boca, suas mãos, seu vestido obedecem a essas regras matemáticas, dominadas com perfeição pelo pintor italiano Leonardo da Vinci (século 16). Por que ir à Grécia é tão fascinante? Por que lá estão edifícios de rara beleza construídos com base no casamento sublime das formas geométricas.

E, pensando bem, isso não vale só para as formas, mas para tudo nesta vida. Afinal, respeitar e integrar as diferenças entre as pessoas, por exemplo, cria muita harmonia. Mais um motivo para prestar atenção nessa organização maravilhosa que rodeia todos nós e perceber a beleza de cada coisa, de cada instante.

Ainda nas palavras do arquiteto Doczi:

“A proporção áurea tem o poder de criar harmonia porque une diferentes partes, de tal forma que cada uma mantém sua identidade e ao mesmo tempo se integra ao todo. Ela nos mostra que as limitações não são apenas restritivas mas também criativas”.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Paul Jackson Pollock

Ontem vi novamente - e recomendo - aquele super filme sobre a vida e a obra do pintor Jacson Pollock, com o ator Ed Harris que, além de ser extremamente parecido com o pintor, sempre expressou uma obsessão pelo artista. Tanto que até aprendeu a imitar sua técnica singular, o "action painting", em que o pintor usa os pincéis não para aplicar a tinta, mas, sim, para jogá-la sobre a tela. Esta verdadeira fixação pela vida e pela obra do pintor resultou no filme Pollock (Estados Unidos, 2000). Nele Harris, de 50 anos, desempenha com notável segurança as funções de produtor, diretor e protagonista. E, como sempre, mostra-se exímio em encarnar personagens que mantêm sua energia intensa abaixo da superfície.

São retratados com fidelidade neste filme, também, a pintora Lee Krasner (representada pela atriz Marcia Gay Harden, que ganhou merecidamente o Oscar pelo papel). Lee, uma nova-iorquina muito despachada, percebeu de imediato que estava diante de um talento incomum. Apaixonada por Pollock – talvez mais pelo artista que pelo homem –, tomou as rédeas do relacionamento e da carreira. Foi por sua influência que Pollock ganhou um mecenas: Peggy Guggenheim, a milionária sobrinha do fundador do Museu Guggenheim. Peggy (interpretada com efervescência por Amy Madigan, mulher de Harris) adorava pintores. Casou-se com um – o surrealista Max Ernst – e usou seu dinheiro para lançar a carreira de vários outros, entre os quais Pollock. Pollock, o filme, é mais uma constatação do que uma tentativa de decifrar o enigma que é o artista. E nisso reside sua força.

Pollock foi um importande pintor dos Estados Unidos da América e referência no movimento do expressionismo abstrato. Nasceu em Cody, Wyoming, Estados Unidos da América, no dia 28 de Janeiro de 1912. Cresceu na Califórnia e no Arizona. Veio a falecer em 11 de Agosto de 1956. Em 1930 mudou-se para Nova York e estudou no Art Students League com o pintor regionalista Thomas Hart Benton.

Deu seus primeiros passos inserido na tradição da pintura realista, mas, depois de entrar em contato com a arte abstrata da vanguarda européia, elaborou os próprios meios de expressão. A partir de 1946, renunciou completamente aos elementos figurativos em seus quadros. Suas obras caracterizam-se por redes de linhas coloridas entrelaçadas que, pela transparência, desviam a atenção para o fundo do quadro (Catedral, 1974; Ritmo Outonal e Névoa Azul-Lavanda, 1950). Em suas últimas obras, realizadas nos anos de 1950 até sua morte por acidente, aprecia-se certa redução de colorido, o que é interpretado como reflexo de seus problemas psíquicos relacionados com o alcoolismo.

Em 1937 começou seu tratamento contra o alcoolismo e sofreu de esgotamento nervoso em 1938. Até 1941 trata-se com dois psicanalistas junguianos, que usam suas pinturas nas sessões de terapia. A partir de 1943 torna-se um dos iniciadores do movimento expressionista abstrato, com seu estilo caracterizado por grandes pinceladas aleatórias.

São dessa época as obras The Totem, Lesson I e The Blue Unconscious. Após 1947 inova utilizando tintas de alumínio e esmalte comercial em seus quadros. Em 1951 e 1952 pinta quase que exclusivamente em branco e preto, como se vê em Number Twenty-Three (1951) Echo (1952) e Number Seven (1952). Na época do desastre de carro que o mata, em Nova York, seu trabalho exerce grande influência sobre seus contemporâneos norte-americanos e europeus.

O expressionismo abstrato foi um movimento artístico com origem nos Estados Unidos da América, muito popular no pós-guerra. Ele foi o primeiro movimento especificamente americano a atingir influência mundial e também o que colocou Nova Iorque no centro do mundo artístico - posição previamente exercida por Paris, na França. O movimento ganhou este nome por combinar a intensidade emocional do expressionismo alemão com a estética antifigurativa das Escolas abstratas da Europa, como o Futurismo, o Bauhaus e o Cubismo Sintético. O termo foi usado pela primeira vez para designar o movimento americano em 1946 pelo crítico Robert Coates. Os pintores mais conhecidos do expressionismo abstrato são Arshile Gorky, Jackson Pollock, Philip Guston, Willem de Kooning, Clyfford Still e Wassily Kandinsky.

Polêmico, irrequieto, perturbador, diferente, entre outros, são apenas alguns qualificativos que se pode atribuir a ele, cuja vida tumultuada acabou marcando profundamente a história da arte moderna. Entre a pintura e o jazz, Pollock viveu emoções que o levaram da depressão ao êxtase e terminaram por transformá-lo em um alcoólatra.

De uma família com vários artistas, Pollock diferenciou-se imediatamente pelos seus métodos. Suas telas, imensas, eram pintadas antes de serem estiradas. Isso permitia que o artista praticamente caminhasse sobre a tela, fazendo parte dela durante o processo de pintar. Também essa pintura era diferente. Deixava a tinta escorrer de latas furadas ou as espalhava-as de outra forma, usando pedaços de madeira, ferramentas, escovas de dente, espátulas e outros processos, abandonando definitivamente o pincel.

Começou seus estudos em Los Angeles e depois mudou-se para Nova Iorque. Desenvolveu uma técnica de pintura, criada por Max Ernst, o 'dripping' (gotejamento), na qual respingava a tinta sobre suas imensas telas. Os pingos escorriam formando traços harmoniosos e pareciam entrelaçar-se na superfície da tela. O quadro "One" de 1950 é um típicop exemplo dessa técnica. Pintava com a tela colocada no chão para sentir-se dentro do quadro. Partia do zero, do pingo de tinta que deixa cair na tela e, a partir disto, elaborava uma obra de arte.

O fato de permitir que a tinta manchasse a tela à partir de latas furadas não faz com que a pintura de Pollock seja fruto da casualidade.

"Quero expressar meus sentimentos mais do que ilustrá-los... Eu posso controlar o fluir da tinta; não há acaso, assim como não há começo nem fim".

Depois de enfrentar a recessão na década de 30, o pintor viu os Estados Unidos serem invadidos por artistas europeus fugindo da guerra. Encontrou muitas dificuldades para vender os seus quadros nesse período tumultuado e acabou criando uma dependência do álcool que terminaria por matá-lo tempos depois.

Mesmo em dificuldade, Pollock nunca deixou de ser um inovador: misturava areia e vidro moído na tinta para obter efeitos especiais. É considerado um dos mais importantes personagens da pintura pós-guerra e sua morte trágica e imprevista o tornou famoso em todo o mundo. Já o era, antes de morrer.

Adolescente com problemas escolares, desde cedo se envolveu com o álcool e jamais conseguiu libertar-se dele. Fez tratamento psiquiátrico algumas vezes, mas sempre retornava ao vício. Na década de 40 conheceu Lee Krasner, pintora abstrata muito talentosa, com quem se casou e que o apresentou a pessoas importantes no mundo da arte. Lee abandonou praticamente sua carreira para dedicar-se a Pollock, ajudando-o na luta contra o álcool. Por causa dele foram morar em um local afastado, procurando criar melhores condições nessa luta. Apesar de todo o esforço, o artista sempre retornava a bebida. A separação acabou acontecendo e foi mais um motivo depressivo para o artista.

Lee Krasner foi quem realmente impulsionou a carreira de Pollock, tanto pelo apoio emocional, como pelas apresentações no mundo da arte. Graças a ela, o artista conseguiu rendimentos para dedicar-se inteiramente a pintura. Em 1949, a revista Life, com mais de 5.000.000 de exemplares de circulação, o colocou como uma personalidade em destaque. Subitamente, a agenda tornou-se cheia e os problemas financeiros desapareceram. Foi por sua influência que Pollock ganhou um mecenas: Peggy Guggenheim, a milionária sobrinha do fundador do Museu Guggenheim. Peggy adorava pintores. Casou-se com um – o surrealista Max Ernst – e usou seu dinheiro para lançar a carreira de vários outros, entre os quais Pollock.

Lee também era talentosa, mas pôs seu trabalho de lado para incentivar o marido. Agüentava suas explosões, atenuava as afrontas a que ele submetia os amigos e, cansada de seu alcoolismo, obrigou-o a isolar-se com ela no campo. Foi por causa de Lee também que Pollock passou quase três anos sóbrio, no final dos anos 40. É dessa fase que datam suas melhores obras, e foi nela que Pollock aprimorou o "action painting".

Tudo poderia parecer bem, mas Pollock jamais aceitou a separação da ex-mulher. Tinha uma jovem amante muito bonita, mas vivia depressivamente, até a morte súbita no trágico acidente.

A arte de Pollock combina a simplicidade com a pintura pura e suas obras de maiores dimensões possuem características monumentais. Com Pollock, há o auge da pintura de ação (action painting). A tensão ético-religiosa por ele vivida o impele aos pintores da Revolução Mexicana. Sua esfera da arte é o inconsciente: seus signos são um prolongamento do seu interior. Apesar de ter seu trabalho reconhecido e com exposições por vários países do mundo, Pollock nunca saiu dos Estados Unidos.

Sua pintura demonstra a assimilação de motivos de Pablo Picasso e Joan Miró, assim como do muralista mexicano José Clemente Orozco. As influências que agiram sobre Pollock são muitas e variadas. Sobre ele já se disse, antes ainda do apogeu de sua carreira, que:

"O pintor mais poderoso da América contemporânea e o único que promete ser um dos grandes é gótico, mórbido e extremo discípulo do cubismo de Picasso e do pós-cubismo de Miró, com toques de Kandinsky e de inspiração surrealista. Chama-se Jackson Pollock".

Faltou nessa frase citar a influência dos muralistas mexicanos e dos conceitos psiquiátricos que aprendeu durante os tratamentos de desintoxicação, os quais, declaradamente, reconhece como fatores que mudaram o seu pensamento.

O seu nome é um marco na pintura pós-guerra não só americana, mas em todo o mundo. Sem dúvida alguma, ainda é um dos pintores americanos mais influentes dos tempos atuais. As suas pinturas perdem força quando olhadas através de fotografias, o que acontece muito freqüentemente com alguns pintores. Às vezes acontece exatamente o contrário, mas não é o caso.

O primeiro vislumbre da fama para o artista veio através de fotografias dele trabalhando, da forma enérgica dos seus gestos no ato de pintar. Há uma certa dramaticidade nessas fotos que realmente impressiona.

"Quando estou a pintar não tenho consciência do que faço. Só depois de uma espécie de 'período de familiarização' é que vejo o que estive a fazer".

Talvez tenha sido assim também com a vida real, com os seus movimentos do dia-a-dia. O gênio nos enche de admiração e nos deixa um grande legado. O homem nos passa a impressão de que, fora a arte, a vida foi uma grande tentativa que não deu certo. Embora não possamos julgar se isso de fato tem alguma verdade, é essa a emoção que nos passa.

Pollock era um sujeito tão atormentado que, para ele, nem comprar pão e leite no armazém da esquina era uma tarefa livre de angústia. Tinha ainda péssimos modos, era de um egoísmo insondável e, quando entornava uns copos a mais, tornava-se agressivo e abusivo.

Na contra-mão disto era, também, um artista extraordinário. Não só se tornou o maior expoente do movimento batizado de Expressionismo Abstrato – a arma com que os americanos roubaram dos europeus a primazia nas artes plásticas, nos anos 40 e 50 –, como talvez seja o mais fabuloso pintor nascido nos Estados Unidos.

Pollock dizia que pintava paisagens – mas as suas paisagens interiores. "Eu sou a natureza", declarou certa feita. Até hoje, claro, não falta quem diga que qualquer criança pode jogar tinta na tela e chamar isso de arte. O vigor da obra de Pollock, contudo, desmente tais simplificações.

Em 1951, enquanto protagonizava um célebre documentário, ele cismou que tinha sucumbido aos aspectos mais atléticos de sua arte. Acreditando-se afinal um farsante, voltou a beber e entrou na etapa final de sua autodestruição.
Aos 44 anos, em Cody, em agosto de 1956, quando voltava dirigindo embriagado de uma festa, morreu em um acidente de carro. Ele simplesmente chocou-se com uma árvore. Há quem sugira que, propositalmente, provocou o acidente. Nunca saberemos com certeza.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Dia de sábado

Vinicius de Moraes

Porque hoje é sábado, comprei um violão para minha filha Susana, a fim de que ela aprenda dó maior e cante um dia, ao pé do leito de morte de seu pai, a valsa "Lágrimas de Dor", de Pixinguinha – e seu pai possa assim cerrar para sempre os olhos entre prantos e galgar a eternidade ajudado pela mão negra e fraterna do grande valsista...

Porque hoje é Sábado, desejarei ser de novo jovem e tremer, como outrora, à idéia de encontrar a mulher casada, de pés de açucena; desejarei ser jovem e olhar, como outrora, meus bíceps fortes diante do espelho...

Porque hoje é Sábado, desejarei estar num trem indo de Oxford para Londres, e à passagem da estação de Reading lembrar-me de Oscar Wilde, a escrever na prisão que o homem mata tudo o que ele ama...

Porque hoje é Sábado, desejarei estar de novo num botequim do Leblon, com meu amigo Rubem Braga, ambos negros de sol e com os cabelos, ai, sem brancores; desejarei ser de novo moreno de sol e de amores, eu e meu amigo Rubem Braga, pelas calçadas luminosas da praia atlântica, a pele salgada de mar e de saliva de mulher, ai...

Porque hoje é Sábado, desejarei receber uma carta súbita, contendo sobre uma folha de papel de linho azul a marca em batom de uns grossos lábios femininos, e ver carimbado no timbre o nome Florença...

Porque hoje é Sábado, desejarei que a lua nasça em castidade, e que eu a olhe no céu por longos momentos, e que ela me olhe também com seus grandes olhos brancos cheios de segredo…

Porque hoje é Sábado, desejarei escrever novamente o poema sobre o dia de hoje, sentindo a antiga perplexidade diante da palavra escrita em poesia e como dantes, levantar-me com medo da coisa escrita e ir olhar-me ao espelho para ver se eu era eu mesmo...

Porque hoje é Sábado, desejarei ouvir cantar minha mãe em velhas canções perdidas, quando a tarde deixava um alto silêncio na casa vazia de tudo que não fosse sua voz infantil...

Porque hoje é Sábado, desejarei ser fiel, ser para sempre fiel; ser com o corpo, com o espírito, com o coração fiel à amiga, àquela que me traz no seu regaço desde as origens do tempo e que, com mãos de pluma, limpa de preocupações e angústia a minha fronte imensa e tormentosa...

Setembro de 1953


Para uma menina com uma flor
José Olympio Editora
17a edição

Rio de Janeiro - 1988
Páginas 75 e 76

Operários em construção

Vinicius de Moraes

Às vezes, enquanto trabalho em casa, na minha máquina, e busco no abstrato da paisagem urbana a forma do que quero dizer, acabo esquecendo de tudo para fixar minha atenção sobre os operários que terminam o edifício em frente.

Chegaram agora à fase em que só falta pintar as esquadrias e dar caiação final no primeiro andar. Venho, há meses, observando-os trabalhar, erguer a sólida estrutura de oito pisos, com três apartamentos por andar. Vi-os situar as fundações, levantar o cipoal de aço e cimento que era como o esqueleto do prédio. Vi-os colocar-lhe os soalhos, enquadrar-lhe as portas e janelas, revesti-los de sua epiderme intensa de tijolos refratários.

Fui espectador emocionado de suas perigosas passagens para a prancha móvel, à guisa de elevador, sobre a área mínima da qual suspendiam-se para rebocar e caiar os grandes muros externos laterais da construção paciente e imóvel. Juro que ouvia tambores surdos, como antes do número de sensação ao trapézio volante de um circo, cada vez que um daqueles homens cor de cimento fazia arriscadíssima passagem da janela para a prancha estreita presa a roldanas colocadas no alto do edifício.

Admirei-os em suas displicentes poses escultóricas, mãos na cintura sobre a tábua balouçante, indiferentes à sucção do abismo aberto em espirais de morte sob seus pés. A um vi fazer pipi lá para baixo, num perfeito à-vontade, provocando-me necessidade idêntica, ai de mim, fruto de uma reação do meu vago-simpático (pois que sofro de vertigem das alturas).

À noite, ouvi-os cantar, no barracão que levantaram no pátio dos fundos, enquanto o fogo de sua cozinha rústica crepitava no escuro e seus violões ponteavam bordões dolentes. Apreciei-os brincar e brigar, passarem-se objetos jogando-os com incrivel precisão, discutir problemas de construção e lances de futebol e receber empregadas da vizinhança com as quais se internavam prédio adentro: e que alegres voltavam desses rápidos seqüestros!

Agora a estrutura se erige - mais um apartamento na colmeia em torno - e os operários esticam seu labor na preguiça dos retoques finais. Ergueram o prédio. Cumpriram seu dever. Criaram com suas mãos o plano de um arquiteto. Deram vida ao espaço. E em verdade eu vos digo que é justo o lazer que ora se permitem, pois multiplicaram uma só unidade residencial em muitas, capazes de abrigar as alegrias, tristezas, amores e lutas de outros tantos homens. E, fazendo-o, fizeram trabalho de homem.

Setembro de 1953


Para uma menina com uma flor
José Olympio Editora
17a edição

Rio de Janeiro - 1988
Páginas 71 e 72

Sentido da Primavera

Vinicius de Moraes

Ao acordar, naquele dia preliminar da Primavera, senti imediatamente que alguma coisa tinha acontecido de muito fundamental na ordem do mundo. Eu, homem de despertar difícil, pulei da cama tão bem-disposto e leve que, por um momento, assustei-me com a sensação indizível que sentia. Ao pegar o copo habitual para a minha água matutina, notei que se achava cheio de uma substância volátil, penetrada de uma linda cor violeta. E não sei por que bebi do copo vazio, estranguladamente, o ar da Primavera, de gosto azul e fragrância fria, com um peso específico de sonho.

Durante alguns minutos nada me aconteceu. Tomei meu café, fumei um cigarro e dei uma olhada nas coisas. Mas de repente senti que em mim a matéria começava a se transformar. Palpitações violentas confrangeram-me o coração e eu mal conseguia respirar. Vi minha filhinha Susana distorcer-se à minha frente como ante um espelho côncavo e logo em seguida penetrou-me um cheiro tão monumental que pensei se me tivesse enlouquecido a imaginação. Era um cheiro de menininha, um cheiro que eu conhecia bem, próprio de minha filha, mistura de talco, suorzinho, lavanda, xixi, sabonete, leite e sono; mas desta vez com uma tal arnplitude que eu podia perfeitamente distinguir cada um dos subcheiros da sua composição. No talco, por exemplo, senti um cheiro de polvilho que não o abona, talco tão caro! e senti também que no leite havia um cheiro de água, o que só vem corroborar a certeza geral de que o leite, nesta cidade do Rio de Janeiro, anda sendo fartamente batizado.

Depois senti milhões de cheiros. Não os descreverei todos para não ferir, com o desagrado de alguns, os ouvidos – diria melhor: os narizes – do leitor mais delicado. Como todo o mundo sabe, a praia do Leblon não cheira a rosas – e caiba-me aqui mais uma vez chamar a atenção das autoridades competentes para o crime que é despejarem os esgotos naquelas águas onde se banha o que de mais inocente há no bairro: a criançada rica, remediada e pobre das ruas pavimentadas e da praia do Pinto. Enfim, estou a fugir do meu assunto, mas valha-me a referência para registrar um cheiro enorme que senti na ocasião: um cheiro de miséria, que só poderia porvir da dita praia do Pinto, lugar, como todo mundo sabe, onde se comprime, em barracões infectos, a mais negra, sórdida e desamparada indigência da zona.

Mas até já ia me esquecendo: senti um cheiro de nazismo, súbito. Ora – direis – como é esse tal cheiro de nazismo? Reconheço a dificuldade de descrevê-lo em toda a sua complexidade, mas penso que era um cheiro branco, inodoro, perfeitamente ortodoxo no entanto, com laivos de salsicha, chope e cachorro policial, um cheiro de radiotelegrafia e talvez de cemitério. Não podia, porém, precisar de onde ele vinha, querendo me parecer, sem haver nisso qualquer insinuação, que chegava da rua Visconde de Pirajá, possivelmente, de algum café ou bar, desses onde se reúnem os nazistas conhecidos e desconhecidos que continuam a se aporrinhar mutuamente em grupos, pelos bebedouros de importação germânica que ainda existem nesta cidade hospitaleira.

Tudo isso constituía um fenômeno muito curioso. Os cheiros mais estranhos, os mais perversos, os mais doces, os do amor, os da solidão, perseguiam-me como outros tantos espíritos da Primavera. Um cheiro dolorosíssimo de morte chegou-me ao mesmo tempo que um odor de nascimento. Soube que alguém morria e nascia naquele instante particular do mundo e senti o cheiro da minha vaidade de me saber dono de um tão grande privilégio. Curioso também: só não consegui sentir bem, em meio àquela sinfonia de cheiros, o aroma das coisas obviamente cheirosas como as flores e as mulheres em geral. O perfume do mar, por exemplo, eu o sentia em toda a sua frescura, verde, salso, infinito, e também o cheiro da areia que por sua vez cheirava a nuvem. Cheiro horrível era o de uma mosca que naquela ocasião voejava à minha volta: bicho imundo! Tive que fugir para a varanda, onde senti o vigoroso cheiro da madeira dos troncos, um rubicundo cheiro de sol e... ah, esses gatos miseráveis! Um dia ainda passo fogo num!

Ao sentir um cheiro de cachaça pensei comigo que meu amigo... (não, não o desmoralizarei) devia estar por perto: e efetivamente, pouco depois chegava ele com um queijo de Minas debaixo do braço, cujo cheiro me deu vertigens. Mas eu acho o cheiro de queijo tão bom (contra, bem sei, a opinião de quase todo mundo, que, estou certo, irá rir de mim) que seria capaz de usá-lo no lenço, quando, naturalmente, não houvesse ninguém por perto. Aliás, poderia usar no lenço também cheiro de graxa ou gasolina, cheiro de torrefação de café ou mesmo cheiro de padaria de madrugada, quando o pão é feito.

Tantos cheiros, tantos... O cheiro do teu riso, minha adorada, de tua boca quente e sem malícia. O cheiro de tua pureza, coisa inefável, parecendo sândalo ou alfazema. O cheiro da tua devoção de cada instante, cheirando a alecrim ou mato verde, o cheiro da tua emoção constante, como o da terra viva molhada de chuva...

E depois senti um cheiro sobrenatural, um gigantesco cheiro de sobrenatural, um cheiro de éter, um cheiro de cristal transparente em vibração, um cheiro de luz antiga, ainda fria dos eternos espaços por onde passara em seu caminho para a Terra. A Primavera cheirava toda para mim, só para mim, desnudada, a dançar na manhã azul perfeita, embriagante, toda olhos claros e sorrisos, a abrir com beijos de brisa a boca infantil das corolas nascituras. E dentro da Primavera senti um cheiro mágico de Paz.

Novembro de 1944


Para uma menina com uma flor
José Olympio Editora
17a edição
Rio de Janeiro - 1988
Páginas 30, 31, 32 e 33

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

16 de janeiro de 2010

Pelo que entendi a partir do belo discurso do Arq. Cleber, orador da turma de formando do curso de arquitetura e urbanismo da Ulbra, já temos compromisso festivo agendado para esta data e, também, para todos os demais terceiros sábados de janeiro de cada ano. Que legal!! Podem contar comigo!!

Meus queridos afilhados, a formatura de sábado estava ótima. Como lhes disse no meu discurso, para mim foi uma grande emoção ser o paraninfo desta turma e, portanto, estar ali junto de vocês, no mesmo auditório e no mesmo lugar onde foi a minha formatura, passados 20 longos anos!! Mais uma vez, muitíssimo obrigado pelo honroso convite para ser o padrinho desta turma. Emoções, como esta, guardamos para sempre no coração e nos alimentamos dela diante do cansaço das nossas jornadas acadêmicas ainda por vir!!

Valeu mesmo!!

Na sequência desta postagem coloco na íntegra o texto do meu discurso proferido no sábado!
Para vocês um super abraço fraternal e os votos de muito sucesso nesta próxima jornada!!
Contem sempre comigo e com a nossa escola!!

Discurso do Paraninfo
17 de janeiro de 2009
Auditório 220
Prédio 1
Campus Canoas

Componentes da mesa já citados.
Familiares e amigos aqui presentes.
Meus queridos colegas arquitetos e urbanistas:

Não conheço maior distinção acadêmica do que esta que vocês agora me proporcionam, me escolhendo para fazer uso desta importante tribuna para proferir as palavras de despedida, neste momento em que vocês finalizam uma etapa importante de suas vidas, trocando os desafios universitários pelas grandes demandas da vida profissional, me delegando esta honraria de ser o padrinho desta turma de novos profissionais da arquitetura e do urbanismo.

Minha alegria é dupla: primeiro, pelo grande carinho que tenho por esta turma, muito especial para mim, onde tive o privilégio de participar de inesquecíveis discussões arquitetônicas e, segundo, pela oportunidade de reviver fatos e emoções ainda tão presentes na minha memória.

Olhando-os daqui de onde estou, e vendo a alegria estampada em cada rosto, sinto e sei exatamente o que se passa dentro dos seus corações e mentes neste momento, pois há exatos 20 anos estive aqui neste auditório, sentado neste mesmo lugar que hoje vocês aí estão, pois como todos sabem, sou filho, também, desta casa. Aqui tenho estado, independente das grandes dificuldades, a serviço da nossa profissão, já ao longo de 26 anos - 6 como aluno e 20 como professor.

É incrível como, na lida diária, referenciados pelos acontecimentos, demandas e solicitações pontuais da vida, não percebemos a passagem do tempo. Ainda lembro do rosto de cada um dos meus colegas. Das brincadeiras nos corredores, dos dias e noites em claro na execução dos nossos sonhos e ideais transformados em grandes projetos. Lembro-me dos seus sonhos e dos seus grandes talentos, da vontade de vencer e transformar este mundo desigual...
Fico, então, me perguntando para onde foram os velhos e inseparáveis companheiros?
Olho em minha volta e vejo tanta coisa ainda por fazer!!! Muitos sonhos e pessoas ficaram pelo caminho... É engraçado como se propagam os sentimentos verdadeiros, mesmo com a distância e com a ação do tempo, eles não morrem... Não que vivam das lembranças ou dos fatos do passado. O passado é somente uma referência temporal. Se ainda sentimos uns aos outros, então ainda estamos no presente.

Mesmo quando a vida segue o seu rumo...

Sei que este honroso convite foi originado por aqueles sentimentos mútuos de simpatia, companheirismo, respeito e amizade, sempre tão presentes durante os anos que convivemos juntos nas disciplinas que cursamos, onde sempre movidos pelo sentimento de alegria e curiosidade sobre o mundo a nossa volta, buscávamos entender melhor, pela ótica do nosso ofício, o comportamento humano diante dos mais diversos espaços, assim como, buscávamos, também, participar sempre ativos da definição dos novos rumos para o ensino de arquitetura e o fortalecimento, sempre necessário, dos princípios da ética para o desenvolvimento da nossa profissão.

Não foram anos fáceis, eu bem sei!!

Quantas vezes, diante das dificuldades aparentemente insolúveis, nos debruçamos sobre os nossos medos, angústias e nos perguntamos se estávamos no rumo certo... Dúvidas, muitas fragilidades e aquele sentimento desconfortável de querer saber o que teríamos encontrado se tivéssemos escolhido um outro caminho...

Deste lugar que vocês se encontram e que sentaram ainda aspirantes, daqui alguns instantes, ao término desta cerimônia, se erguerão arquitetos e urbanistas e serão, portanto, os mais dignos herdeiros das valiosas qualidades e honrosas tradições do nosso ofício e, também, da grande tarefa de fortalecer, com o fruto do vosso trabalho, a cultura local e nacional de maneira ética e honesta, sempre tendo em vista as necessidades da sociedade em que vivemos.
Nosso desafio não é fácil!!

Nossa arquitetura, num passado recente, alcançou sucesso e expressão mundiais justamente por apresentar aspectos plásticos e técnicos originais e inovadores, genuinamente brasileiros. Assim como no passado, ainda hoje, as maiores expressões mundiais da arquitetura e do urbanismo, demonstram interesse por nossos feitos e vem beber em nossa fonte.

Como arquitetos e urbanistas temos que ser incansáveis para investigar e conhecer as origens dos nossos valores artísticos e culturais e, nutridos destas origens e do avanço técnico do mundo contemporâneo, contribuir para a criação de soluções arquitetônicas originais que continuem a nos distinguir universalmente. Além disto, meus arquitetos, temos que ter em mente que estas conquistas, acima de tudo, não devem nos afastar do conhecimento da realidade social e econômica do país em que vivemos, onde as grandes concentrações monetárias ainda nos caracterizam como um país de grande desigualdade social.

A crise energética internacional e o desequilíbrio mundial do meio ambiente assumem patamares preocupantes, exigindo dos arquitetos e urbanistas atitudes inovadoras e sustentáveis. O mercado de trabalho atual, com suas inumeráveis oportunidades, mas, também, com suas perigosas armadilhas, carece urgentemente de nova formatação, assim como, outras tantas oportunidades de trabalho, ainda adormecidas aguardando por nós, necessitam ser lapidadas com afinco, inovação e empreendedorismo.

Para tal, o fortalecimento ético da nossa categoria passa, também, e isto é importante que se diga, pelo vosso necessário trabalho na política profissional, revisando e divulgando os princípios da moral e da ética, tantas vezes, deixados de lado na concorrência imposta pela urgência das decisões.

A ética é uma característica inerente a toda ação humana e, por esta razão, é um elemento vital na produção da realidade social.
Todo homem possui um senso ético, uma espécie de "consciência moral", estando constantemente avaliando e julgando suas ações para saber se são boas ou más, certas ou erradas, justas ou injustas. Existem sempre comportamentos humanos classificáveis sob a ótica do certo e errado, do bem e do mal. Embora relacionadas com o agir individual, essas classificações sempre têm relação com as matrizes culturais que prevalecem em determinadas sociedades e contextos históricos.

Portanto, a ética está relacionada à opção, ao desejo de realizar a vida, mantendo com os outros relações justas e aceitáveis e está fundamentada nas idéias de bem e virtude, enquanto valores perseguidos por todo ser humano e cujo alcance se traduz numa existência plena e feliz.

Meus arquitetos, estas constatações do mundo como está, com muitos valores éticos e morais esquecidos, transformados e sucateados, não nos devem levar ao comodismo de quem acha que nada pode ser feito, mas a estimular cada vez mais a nossa atividade criativa e reformista. O progresso de uma nação e o fortalecimento dos valores éticos de uma profissão, não são frutos do acaso, mas do resultado dos esforços corajosos e constantes dos seus filhos. Seremos amanhã, o somatório dos nossos esforços conjuntos de ontem e de hoje.

Trata-se, portanto, meus caros colegas, de encontrar um caminho que, em parte, nos afaste das posições confortáveis e acadêmicas, que muitas vezes temos assumido, para nos colocar como precursores deste processo de construção de um mundo melhor, pela ótica da nossa profissão.

Neste momento em que vocês estão prestes a sair da nossa escola para enfrentar a vida profissional, torna-se necessário reconhecer que o futuro de cada um de vocês se funde com o futuro da sociedade em que estamos todos inseridos. A alegria, a felicidade, o sucesso, a segurança e a paz que, individualmente, queremos ter será sempre aquela que conseguirmos construir para todos.

Desejo-lhes nesta próxima jornada que hoje se inicia muito sucesso, mas acima de tudo muita coragem, pois a coragem nos dá a base sólida para sabermos superar todas estas dificuldades.

Coragem para durar e aguentar, coragem para viver, coragem para suportar, para combater, para enfrentar, para resistir, para perseverar. A coragem não se refere apenas ao futuro, ao medo ou à ameaça. Refere-se, também, ao presente, e sempre está ligada à vontade, muito mais do que à esperança. Afinal, só esperamos o que não depende de nós, só queremos o que depende de nós. É por isto que a esperança, ao meu ver, só é uma virtude para aqueles que aguardam imóveis a chegada de tudo, ao passo que a coragem é uma virtude para qualquer um. A coragem não é um saber, mas uma decisão. Não é uma opinião, mas um ato.

Mais uma vez muito obrigado por este convite!!! Tomarei, para sempre, esta honrosa distinção como um grande incentivo para o meu trabalho diário dentro do ateliê. Para mim, foi um grande privilégio e uma honra imensurável conduzi-los até aqui!!

Muito sucesso nesta próxima jornada!
Contem sempre com esta escola!!
Muito obrigado!!!

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

O gênio e o monstro

Sucesso, tragédia e escândalo marcaram a vida e a obra de Frank Lloyd Wright, um dos maiores arquitetos americanos (na sua visão, o maior arquiteto de todos os tempos).

Em meados dos anos 30, aos 66 anos, quando seus rivais o consideravam um velho ultrapassado, o arquiteto americano Frank Lloyd Wright conseguiu uma pequena encomenda. Dono de uma cadeia de lojas de departamentos, o empresário Edgar J. Kaufmann chamou-o para projetar uma casa de campo no interior da Pensilvânia. Em meio a um bosque que escondia uma cachoeira paradisíaca, Wright produziu junto com seus assistentes uma planta topográfica com a localização exata de cada rocha e árvore do lugar. Nascia ali a Casa Fallingwater (Cascata), a mais célebre residência modernista do planeta.

Com esse projeto, Wright começaria a reverter a opinião negativa de seus críticos. Naquele tempo, com idade suficiente para se aposentar, ele iniciava a fase mais criativa de sua carreira. Hoje, varios anos depois de sua morte, não resta a menor dúvida de que Frank Lloyd Wright é o maior arquiteto americano — e um dos maiores de toda a história da arquitetura.

Autor de projetos monumentais, criou obras-primas, como o Museu Guggenheim de Nova York, sua casa-estúdio Taliesin, no Estado do Wisconsin, além da própria Fallingwater. Com a arrogância própria dos gênios, ele adorava autopromover-se. Certa vez, ouviu de um amigo o elogio de que ele era um dos melhores arquitetos do país. "Por que apenas um dos melhores? E por que apenas dos Estados Unidos?", respondeu. Outro comentário seu a respeito da mesma coisa: "Desafio qualquer um a apontar um aspecto da arquitetura modernista que não tenha sido criado por mim".

No verão de 1935, porém, a futura Fallingwater parecia condenada a jamais sair do papel. Durante alguns meses após sua visita ao terreno onde a casa deveria ser erguida, Wright simplesmente ignorou o projeto. Meses depois, o cliente ligou querendo ver a planta. Mesmo sem ter feito um único rabisco, o arquiteto não se abalou. "Apareça. Sua casa está pronta", disse, desligando o telefone. Só então Wright decidiu debruçar-se sobre a prancheta. Assistido por uma silenciosa platéia formada por seus alunos e assistentes, trabalhou febrilmente. Durante mais de duas horas, parecia que suas idéias iam sendo desenhadas como num passe de mágica. Mas é certo que ele já vinha pensando naquele projeto havia algum tempo.

"Wright desenhou o 1º andar da casa", lembra seu ex-aluno, o arquiteto Edgar Tafel. "Em seguida, desenhou o 2º e apontou as varandas, dizendo: 'Teremos uma ponte de onde Kaufmann e a esposa, Liliane, sairão dos quartos para fazer um piquenique'." Pouco depois chegou Kaufmann, recebido com entusiasmo por Wright. "Que bom revê-lo, Kaufmann. Estávamos mesmo o aguardando!" Em cada um de seus detalhes, a Fallingwater tinha sido desenhada em menos de três horas. Seu projeto era uma espécie de manifesto da "arquitetura orgânica" de Wright, um estilo que a um só tempo defendia o predomínio da técnica sobre a natureza tanto quanto a comunhão das pessoas com o meio ambiente. Mas, ao projetar a casa, Wright tinha ultrapassado seu próprio limite, impondo-se uma situação de extrema pressão emocional. Isso era algo que ele se infligia desde a juventude — e que voltaria a fazer repetidamente até morrer.

Apesar da grandeza da obra de Frank Lloyd Wright, há algo de imperdoável nele. Longa, dramática, trágica e inspirada, sua vida é um paradoxo. Um balanço preciso dessa existência deve levar em conta as encrencas nas quais ele se meteu em todos os lugares por onde andou. Tal como uma escultura, que depois de pronta origina um amontoado de pedregulhos descartados pelo artista, um prédio terminado também deixa muito entulho de sobra. Entretanto, o verdadeiro artista sempre aprecia o que é deixado para trás, talvez como parte do processo criativo. Ao final, a "sucata" fala mais alto. Pois Frank Lloyd Wright deixou uma enorme sujeira a sua volta.


Meryle Secrest, a maior biógrafa de Wright, até hoje se assombra e se deixa seduzir pelas contradições dele. "É impossível olhar para Wright sem se impressionar com a dimensão de seus feitos", diz. "No caso dele, estamos diante de um gênio, alguém raro de ver na vida real. Por outro lado, quando se considera o cidadão Wright, temos alguém à mercê de suas emoções, apenas um ser humano", conclui ela. Os mais chegados — a família, os amigos e os colegas de trabalho — pagaram caro para conviver com ele. Wright padecia de um narcisismo exacerbado. Tinha uma ambição desmedida, além de permanente falta de habilidade para viver de acordo com suas posses. Para começar, abandonou a primeira mulher e os filhos sem o menor escrúpulo. Profissionalmente, faturou de forma indevida o crédito de um projeto feito por seu mentor, Louis Sullivan. Muitas vezes pediu dinheiro emprestado, mas raramente honrou suas dívidas.

"Tive de escolher entre a arrogância honesta e a humildade hipócrita. Fiquei com a arrogância", costumava dizer. Jamais um arquiteto americano experimentou tanta notoriedade. Sua vida foi uma montanha-russa pavimentada pelo sucesso e fama, pelo aviltamento e exílio e, finalmente, pela humilhação pública e tragédia. Ele era controvertido, falastrão e, acima de tudo, imprevisível — um símbolo do exagero numa época de decoro e honradez, justamente quando os Estados Unidos tentavam reerguer-se da Grande Depressão, a maior crise econômica de sua História, nos anos 30.

Quem sobreviveu a Wright acredita que ele sempre tentava esquivar-se, voluntariamente ou não, da possibilidade de ter uma vida normal. Do sentimento de privacidade, presente na mais humilde de suas casas, até a grandeza dos espaços públicos, ele sempre tentou chegar a uma manifestação física de suas idéias — idéias que tratam tanto do nosso lugar no mundo quanto da melhor localização para os armários embutidos. É um ideário que pode soar ingênuo, mas que o impulsionou durante 75 anos.

Apaixonada e sinceramente, ele criou de casas arrojadas para a classe média abastada a apartamentos destinados às camadas populares. De cada pessoa que encontrava, Wright exigia que visse suas novidades arquitetônicas. Ele queria que seus interlocutores percebessem como uma casa "funcionava", repensando a função do lar, da família e do automóvel num mundo moderno cada vez mais complicado. Durante seus mais de setenta anos de carreira, Wright também ergueu bancos e escritórios, centros de lazer e igrejas, postos de gasolina, uma sinagoga e até uma cervejaria integrada a um jardim. Ele nunca estava satisfeito. Passou a vida pesquisando o que acreditava ser seu jeito pessoal de construir, buscando um estilo genuinamente americano, independente dos modelos importados da Europa.

O estilo Frank Lloyd Wright é inconfundível e paradoxal, como o próprio arquiteto. Suas casas são ao mesmo tempo monumentais e intimistas. Ao entrar no Guggenheim pela primeira vez, o museu nova-iorquino parece menor do que aparenta de fora, mais pessoal e familiar. Mas, depois de alguns minutos sozinho em sua rampa, o visitante fica maravilhado com a infinita complexidade do prédio, que logo em seguida parece novamente pequeno e previsível. De fato, um prédio de Wright é sempre único. É um convite para pensar a respeito de questões como formas, cores, escadarias, proporções, janelas, quartos, camas e paredes, segundo uma nova perspectiva. E esse prédio jamais sai da memória de quem o conheceu.

Na arquitetura residencial, Wright também revolucionou a definição até então vigente do que seria um lar, eliminando as paredes do 1º andar das casas que ergueu nos subúrbios de Chicago. Para elas, criou espaços que pareciam não ter fronteiras, virando pelo avesso a estrutura de uma típica casa americana. Eliminou ainda os pórticos frontais, ocultando as entradas e construindo jardins privados no fundo do terreno, forçando as famílias que ali viviam a se voltar para si mesmas. Freqüentemente, desenhou a mobília e os artigos de uso doméstico: mesas de jantar com austeras cadeiras de espaldar alto, vasos e candelabros e até mesmo o roupão de banho dos hóspedes.

A vida pessoal de Wright, no entanto, não era nada saudável. Apesar de ter tido uma mãe afetuosa, que não se cansou de mimá-lo e encorajá-lo, ele cresceu traumatizado pelo claudicante casamento dos pais, que acabou em divórcio. Frank Lloyd Wright jamais voltou a falar com o pai, a quem culpava pela separação. Aos 20 anos, quando já era um arquiteto promissor em Chicago, ele parecia determinado a evitar o exemplo de infelicidade dos pais. Em vão. Com a intenção de ser um modelo acabado da gentileza e da respeitabilidade da classe média americana, casou-se com Catherine Tobin, "Kitty", uma bela garota de 18 anos, filha de próspera família sulista. Em alguns anos de casados, eles teriam seis filhos — quatro meninos e duas meninas —, enquanto Wright prosperava construindo nos subúrbios de Chicago.

Mas, pouco antes de completar vinte anos de casamento, Wright se tornou irremediavelmente irritadiço, numa época em que ele e Kitty já viviam cada um de seu lado. Ele odiava até mesmo ser chamado de "papai" pelos filhos. "Tive um sentimento paternal por todos os meus prédios, mas jamais senti isso por nenhum de meus filhos", confessou. Finalmente, em 1909, ele fugiu para a Europa com Mamah Cheney, o grande amor de sua vida. Casada com um amigo e cliente dele, Mamah era sua amante havia vários anos. Kitty e as crianças ficaram péssimas, mas ele não se abalou. "Parti em busca do desconhecido, para testar minha fé na liberdade, como já havia provado minha fé no trabalho", disse ele.

Tudo o que Wright deixou para trás, como lembrou seu filho David, foram dívidas. A família inteira sofreu danos emocionais. Kitty passaria o resto de seus dias sonhando com o momento em que Wright voltaria para ela, o que nunca aconteceu. Os amantes fugiram para a Europa, detonando um escândalo público. Vários jornais americanos publicaram editoriais condenando a dupla. Por causa do escarcéu, ao voltar para os Estados Unidos, ele teve de transferir sua base de operações, em Chicago, para o Estado de Wisconsin, sua terra natal, mais ao norte.

No interior do Wisconsin, o vilarejo de Spring Green se aninha em meio às colinas verdejantes. Em 1911, Wright, então com 44 anos, começou a construir a alguns quilômetros da cidadezinha uma casa que se espalhava por uma bela encosta acima do Rio Wisconsin. Junto de Mamah, que já obtivera o divórcio, ele batizou a obra de Taliesin, uma palavra galesa que significa "cume brilhante".

A construção seria sua obra-prima pessoal, seu lar e quartel-general por quase meio século. Seus muros e chaminés foram feitos de pedra calcária extraída a poucas milhas dali; as paredes internas e externas, revestidas com uma argamassa feita a partir da areia tirada do leito do Wisconsin. O madeirame da casa tem a mesma cor dos troncos da mata vizinha. "Gostaria de ser parte integrante de meu adorado Wisconsin. Minha casa é parte da montanha sobre a qual se ergue", escreveu Wright. Para ele, Taliesin era a encarnação perfeita de sua "arquitetura orgânica".

Golpe de machado — Wright e Mamah viveram ali por três anos. Ela se dedicava à literatura, enquanto ele lutava para reerguer sua carreira. Para fazer o serviço doméstico, Wright contratou um índio chamado Julian Carlton, que servia como mordomo e caseiro, enquanto a mulher de Carlton cozinhava para os Wright. Um dia, aborrecida com os empregados, Mamah resolveu demiti-los, dando o aviso prévio. A última tarefa dos caseiros seria um almoço de sábado, dia em que Wright estava em Chicago a trabalho. Carlton serviu o almoço, com seu uniforme branco. Pediu e obteve permissão da patroa para limpar alguns tapetes com gasolina antes de partir. Ao sair da casa, porém, em vez de despejar o líquido sobre os tapetes, ele o derramou sobre todas as portas e janelas de Taliesin. Depois de trancá-las, Carlton ateou fogo em tudo. Num segundo, a casa estava em chamas. Quem, em desespero, tentava escapar do incêndio era golpeado na cabeça por ele. Do lado de fora, armado com um machado, Carlton estraçalhou o crânio de Mamah e de um dos filhos do primeiro casamento dela. Das nove pessoas que estavam dentro da casa, sete foram mortas. Em seu luto, Wright impediu que os agentes funerários tocassem no corpo de sua amada. Seu carpinteiro foi encarregado de fazer o caixão. Wright também vetou qualquer espécie de cerimônia convencional. O ataúde de Mamah foi colocado numa carroça coberta com flores. "Preferia estar no lugar dela", limitou-se a dizer, pouco antes do enterro.

Depois da tragédia, o arquiteto encontrou refúgio na reconstrução de Taliesin. Em 1924, Wright conheceria a segunda mulher mais importante de sua vida, Olgivanna Ivanovna Milanoff Hinzenberg, uma dançarina nascida no Leste Europeu. Enquanto embarcava nessa nova paixão, ele se separava de mais uma mulher, Miriam Noel, uma viúva ricaça que tinha caído de amores por ele. Depois do casamento, Miriam, que a princípio o chamava de "o senhor dos meus sonhos despertos", tornou-se uma pessoa violenta, instável e viciada em morfina. Wright rompeu com Miriam — e Olgivanna mudou-se para Taliesin. Logo engravidou, dando a ele mais uma filha, Iovanna Wright.

Olgivanna foi essencial para o sucesso posterior do arquiteto. Em 1932, aos 65 anos, ele mantinha um ritmo intenso de trabalho. Na verdade, seu período mais criativo apenas começara. Seu problema principal, na época, era sobreviver. A crise econômica devastava o país, e poucas empresas se mostravam dispostas a contratar um arquiteto famoso pelo temperamento irascível e por sempre estourar o orçamento de seus projetos.

Foi então que Olgivanna sugeriu que Wright lançasse uma escola, atraindo jovens estudantes admiradores de sua obra — gente disposta a pagar 650 dólares ao ano para ficar junto do grande arquiteto. Seria a Comunidade Taliesin. Além de lições teóricas, o currículo incluía quatro horas de trabalho braçal, a ser cumprido nos campos e jardins, no reparo das construções e até mesmo na cozinha. Olgivanna supervisionava tudo, chegando até mesmo a se intrometer na vida sexual dos alunos. A escola incluía também palestras esotéricas de Wright. Ele e Olgivanna eram discípulos do místico greco-armênio George Ivanovitch Gurdjieff, que fazia sucesso entre a intelectualidade postulando que os seres humanos passavam a vida alienados de si próprios e, portanto, sujeitos às leis "naturais".

Depois da construção de Fallingwater, e do êxito da comunidade, Wright começou a receber uma grande leva de encomendas. Em 1936, foi encarregado de construir o Edifício da Ceras Johnson, em Racine, no Wisconsin. Herbert Johnson, o presidente da empresa, queria uma nova sede para a companhia. Nesse trabalho, Wright introduziu duas inovações: 69 quilômetros de tubos de vidro Pyrex para serem usados como clarabóia e colunas esguias sustentando o imenso telhado de vidro.

Na conclusão da obra, porém, os fiscais de edificações de Racine insistiram que as colunas de Wright não conseguiriam sustentar o telhado. Insultado, o arquiteto fez uma demonstração pública da exatidão de seu cálculo, provando que elas poderiam suportar uma carga dez vezes mais pesada do que a prevista no projeto. Ele estava certo: o telhado ainda resiste. Mais de sessenta anos depois de sua construção, constantemente utilizada por dezenas de funcionários, a grande sala de trabalho ainda reverbera com o silêncio atemporal que inunda as catedrais. As colunas do prédio, em forma de lírio, são verdadeiras maravilhas do mundo moderno, adquirindo contornos mágicos ao contato com a luz natural filtrada pelo vidro — "uma clareira no meio de um pinheiral", de acordo com Wright.

A seguir, ele construiu uma segunda Taliesin no Deserto do Arizona, perto de Phoenix, para onde transferiria a comunidade durante o inverno. Nos vinte anos seguintes, Wright e seus assistentes fizeram mais de 350 projetos, todos provocativos e controversos, com a inconfundível marca de Frank Lloyd Wright.

Em 1943, ele obteve seu projeto mais importante: um museu nova-iorquino para abrigar a imensa coleção de obras de arte moderna amealhada pelo rei do cobre, Solomon R. Guggenheim. Era sua primeira grande encomenda em Nova York, cidade que ele passou a vida desdenhando. "É um lugar ideal para bancos e prostitutas. Uma penitenciária para a alma", dizia. Mas era fácil notar que, aos 76 anos, em plena Quinta Avenida, gesticulando com sua bengala, Wright estava feliz ao renegar tudo o que havia dito.

Já os artistas e arquitetos não ficaram nada entusiasmados com o projeto do Guggenheim, que teria a forma de uma espiral. Num traçado que o seduzia há anos, o interior do museu se abriria numa rampa contínua. Os visitantes deveriam começar o percurso pelo alto, descendo até o nível do solo. Um de seu críticos o chamou de "Frank Lloyd Wrong", num trocadilho com as palavras inglesas "right" (certo) e "wrong" (errado). Vinte e um renomados artistas da época, incluindo os pintores Willem De Kooning e Robert Motherwell, se opuseram ao traçado, alegando que seria impossível exibir suas obras adequadamente num museu de paredes curvas. Wright se defendeu com mais um auto-elogio, afirmando que os pintores produziriam uma arte mais refinada se suas obras fossem expostas naquele prédio.

Na primavera de 1959, com o Guggenheim quase terminado, Wright estava supervisionando os detalhes finais da ampliação de seu estúdio no Arizona quando começou a se queixar de dores no estômago. Levado para um hospital em Phoenix, foi operado para remover uma obstrução abdominal. A cirurgia correu bem, mas poucos dias mais tarde Wright morreu calmamente enquanto dormia. Tinha 91 anos. Seus discípulos colocaram o caixão num caminhão e dirigiram durante 28 horas até o Wisconsin. Em Taliesin, o corpo foi colocado numa carroça coberta de flores, como no enterro de Mamah Cheney, sendo sepultado a apenas alguns metros dela. Frank Lloyd Wright viveu de forma heróica e conturbada. Legou ao mundo uma obra colossal, o testemunho de um gênio moderno.

Condensado de artigo de Ken Burns, originalmente publicado pela revista americana Vanity Fair.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Pequeno tratado das grandes virtudes

André Comte-Sponville

Preâmbulo

Se a virtude pode ser ensinada, como creio, é mais pelo exemplo do que pelos livros. Então, para que um tratado das virtudes? Para isto, talvez: tentar compreender o que deveríamos fazer, ou ser, ou viver, e medir com isso, pelo menos intelectualmente, o caminho que daí nos separa. Tarefa modesta, tarefa insuficiente, mas necessária. Os filósofos são alunos (só os sábios são mestres), e alunos precisam de livros; é por isso que eles às vezes escrevem livros, quando os que têm à mão não os satisfazem ou sufocam. Ora, que livro é mais urgente, para cada um de nós, do que um tratado de moral? E o que é mais digno de interesse, na moral, do que as virtudes? Assim como Spinoza, não creio haver utilidade em denunciar os vícios, o mal, o pecado. Para que sempre acusar, sempre denunciar? É a moral dos tristes, e uma triste moral. Quanto ao bem, ele só existe na pluralidade irredutível das boas ações, que excedem todos os livros, e das boas disposições, também elas plurais, mas sem dúvida menos numerosas, que a tradição designa pelo nome de virtudes, isto é (este é o sentido em grego da palavra arete, que os latinos traduziram por virtus), de excelências.
Pequeno tratado das grandes virtudes
André Comte-Sponville
Ed. Martins Fontes
São Paulo, 1999
Tradução de Eduardo Brandão

O que é uma virtude? É uma força que age, ou que pode agir. Assim a virtude de uma planta e de um remédio, que é tratar, de uma faca, que é cortar, ou de um homem, que é querer e agir humanamente. Esses exemplos, que vêm dos gregos, dizem suficientemente o essencial: virtude é poder, mas poder específico. A virtude do heléboro não é a da cicuta, a virtude da faca não é a da enxada, a virtude do homem não é a do tigre ou da cobra. A virtude de um ser é o que constitui seu valor, em outras palavras, sua excelência própria: a boa faca é a que corta bem, o bom remédio é o que cura bem, o bom veneno é o que mata bem...

Note o leitor que, nesse primeiro sentido, que é o mais geral, as virtudes são independentes do uso que delas se faz, como do fim a que visam ou servem. A faca não tem menos virtude na mão do assassino do que na do cozinheiro, nem a planta que salva mais virtude do que a que envenena. Não, claro, que esse sentido seja privado de todo e qualquer alcance normativo: qualquer que seja a mão e na maioria dos usos, a melhor faca será a que melhor corta. Sua capacidade específica também comanda sua excelência própria. Mas essa normatividade permanece objetiva ou moralmente indiferente. À faca basta cumprir sua função, sem a julgar, e é nisso, certamente, que sua virtude não é a nossa. Uma faca excelente nas mãos de um homem mau não é menos excelente por isso. Virtude é poder, e o poder basta à virtude.

Mas ao homem não. Mas à moral não. Se todo ser possui seu poder específico, em que excele ou pode exceler (assim, uma faca excelente, um remédio excelente...), perguntemo-nos qual é a excelência própria do homem. Aristóteles respondia que é o que o distingue dos animais, ou seja, a vida racional. Mas a razão não basta: também é necessário o desejo, a educação, o hábito, a memória... O desejo de um homem não é o de um cavalo, nem os desejos de um homem educado são os de um selvagem ou de um ignorante. Toda virtude é, pois, histórica, como toda a humanidade, e ambas, no homem virtuoso, sempre coincidem: a virtude de um homem é o que o faz humano, ou antes, é o poder específico que tem o homem de afirmar sua excelência própria, isto é, sua humanidade (no sentido normativo da palavra). Humano, nunca humano demais... A virtude é uma maneira de ser, explicava Aristóteles, mas adquirida e duradoura, é o que somos (logo o que podemos fazer), porque assim nos tornamos. Mas como, sem os outros homens? A virtude ocorre, assim, no cruzamento da hominização (como fato biológico) e da humanização (como exigência cultural); é nossa maneira de ser e de agir humanamente, isto é (já que a humanidade, nesse sentido, é um valor), nossa capacidade de agir bem. “Não há nada mais belo e mais legítimo do que o homem agir bem e devidamente”, dizia Montaigne. É a própria virtude.

Isso, que os gregos nos ensinaram, que Montaigne nos ensinou, também pode ser lido em Spinoza: “Por virtude e poder entendo a mesma coisa, isto é, a virtude, enquanto se refere ao homem, é a própria essência ou a natureza do homem enquanto ele tem o poder de fazer certas coisas que se podem conhecer apenas pelas leis de sua natureza”; ou, eu acrescentaria, de sua história (mas esta, para Spinoza, faz parte daquela). Virtude, no sentido geral, é poder; no sentido particular, poder humano ou poder de humanidade. É o que também chamamos as virtudes morais, que fazem um homem parecer mais humano ou mais excelente, como dizia Montaigne, do que outro, e sem as quais, como dizia Spinoza, seríamos a justo título qualificados de inumanos. Isso supõe um desejo de humanidade, desejo evidentemente histórico (não há virtude natural), sem o qual qualquer moral seria impossível. Trata-se de não ser indigno do que a humanidade fez de si, e de nós.

A virtude, repete-se desde Aristóteles, é uma disposição adquirida de fazer o bem. É preciso dizer mais, porém: ela é o próprio bem, em espírito e em verdade. Não o Bem absoluto, não o Bem em si, que bastaria conhecer ou aplicar. O bem não é para se contemplar, é para se fazer. Assim é a virtude: é o esforço para se portar bem, que define o bem nesse próprio esforço. Isso levanta certo número de problemas teóricos, que tratei em outra parte. Este livro pretende ser, inteiro, de moral prática, isto é, de moral. A virtude ou, antes, as virtudes (pois há várias, visto que não se poderia reduzir todas elas a uma só, nem se contentar com uma delas) são nossos valores morais, se quiserem, mas encarnados, tanto quanto quisermos, mas vividos, mas em ato. Sempre singulares, como cada um de nós, sempre plurais, como as fraquezas que elas combatem ou corrigem. São essas virtudes que tomei aqui como objeto. Se bem que minha intenção não fosse evocar todas elas, nem esgotar qualquer uma delas. Quis apenas indicar, para as que me pareciam as mais importantes, o que elas são, ou o que deveriam ser, e o que as torna sempre necessárias e sempre difíceis. Daí esse tratado, de que o título bem indica a ambição, quanto a seu objeto, e os limites, quanto a seu conteúdo.

Como procedi? Perguntei-me quais eram as disposições de coração, natureza ou caráter cuja presença, num indivíduo, aumentava a estima moral que eu tinha por ele e cuja ausência, ao contrário, a diminuía. Isso proporcionou uma lista de cerca de trinta virtudes. Eliminei as que poderiam ser redundantes em relação a alguma outra (por exemplo, bondade e generosidade, ou honestidade e justiça) e, em geral, todas as que não me pareceu indispensável tratar. Restaram dezoito, isto é, muito mais do que eu pensara de início, mas não consegui suprimir mais. Tive, por isso, de ser mais breve em relação a cada uma, e essa necessidade, que fazia parte de meu projeto, não cessou de governar sua realização. Este livro se dirige ao grande público. Os filósofos profissionais podem lê-lo, contanto que não busquem nele nem erudição, nem exaustividade.

O fato de este conjunto começar pela polidez, que ainda não é moral, e terminar pelo amor, que não o é mais, obviamente é deliberado. Quanto ao resto, a ordem escolhida, sem ser absolutamente contingente, deve mais a uma espécie de intuição ou exigência, ora pedagógica, ora ética ou estética, do que a alguma vontade dedutiva ou hierarquizante. Um tratado das virtudes, sobretudo pequeno como este, não é um sistema da moral, é moral aplicada, mais do que teórica, e viva, na medida do possível, mais do que especulativa. Mas o que há de mais importante na moral do que a aplicação e a vida?

Citei muito, como sempre, e demais. É que eu queria fazer uma obra útil, mais do que elegante. A mesma razão me obrigava a dar todas as referências, ainda que para tanto tivesse de multiplicar as notas de rodapé. Ninguém é obrigado a lê-las – aliás, a princípio é melhor mesmo não se preocupar com elas. São feitas não para a leitura, mas para o estudo, não para os leitores, mas para os estudantes, quaisquer que sejam sua idade e sua profissão. Quanto ao fundamento, não quis fingir inventar o que a tradição me oferecia, quando eu não fazia mais que retomá-lo. Não que eu não tenha dito nada de meu neste livro, ao contrário! Mas só possuímos o que recebemos e transformamos, o que nos tornamos, graças a outros ou contra eles. Um tratado das virtudes não poderia, sem cair no ridículo, procurar a originalidade ou a novidade. De resto, há mais coragem e mais mérito em confrontar-se com os mestres, no terreno deles, do que em fugir de qualquer comparação por não sei que vontade de ineditismo. Há dois mil e quinhentos anos, para não dizer mais, os melhores espíritos refletem sobre as virtudes; quis apenas continuar seus esforços, a meu modo, com meus meios e apoiando-me neles tanto quanto necessário.

Alguns julgarão essa empresa presunçosa ou ingênua. A segunda crítica é, para mim, um elogio. Quanto à primeira, temo que seja um contra-senso. Escrever sobre as virtudes seria, antes, para quem se arrisca a fazê-lo, uma perpétua ferida narcísica, porque sempre remete, e vivamente, à própria mediocridade. Toda virtude é um ápice, entre dois vícios, uma cumeada entre dois abismos: assim a coragem, entre covardia e temeridade, a dignidade, entre complacência e egoísmo, ou a doçura, entre cólera e apatia... Mas quem pode viver sempre no ápice? Pensar as virtudes é medir a distância que nos separa delas. Pensar sua excelência é pensar nossas insuficiências ou nossa miséria. É um primeiro passo, e talvez o único que se possa exigir de um livro. O resto é para ser vivido, e como um livro poderia substituir o viver? Isso não significa que ele seja sempre inútil, ou moralmente sem alcance. A reflexão sobre as virtudes não torna ninguém virtuoso; em todo caso é evidente que não poderia bastar para tanto. Todavia há às vezes uma virtude que ela desenvolve: a humildade, tanto intelectual, diante da riqueza da matéria e da tradição, quanto propriamente moral, diante da evidência de que essas virtudes nos fazem falta, quase todas, quase sempre, e de que, entretanto, não poderíamos nos resignar à sua ausência nem nos isentar de sua fraqueza, que é a nossa.

Este tratado das virtudes só será útil para os que não as têm, e isso, que lhe dá um público vastíssimo, deve desculpar o autor por ser ousado – não apesar de sua indignidade, mas por causa dela – empreendê-lo. O prazer que tive, e que foi intenso, pareceu-me uma justificativa suficiente. Quanto ao prazer dos leitores, ele só poderá vir, se vier, por acréscimo: já não é trabalho, mas graça. A eles, pois, minha gratidão.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Agora foi...

Antes tarde do que nunca!!!

Estou lhes enviando o boletim contendo as considerações e análises críticas feitas pelos colegas que avaliaram seus trabalhos (eu, prof. orientador e Prof. Gladimir na área de sistemas estruturais) referentes ao Atelier 1 - Ulbra. O propósito deste documento é oportunizar que vcs tenham um ponto de partida para as necessárias reflexões e revisões dos respectivos trabalhos.


Lembro-lhes que o próximo semestre inicia com um seminário (3 dias) de apresentação dos estudos preliminares revisados, portanto, solicito que todos façam uma leitura detalhada e uma análise criteriosa dos seus trabalhos e dos itens apontados no boletim para esta atividade!!

Espero que todos estejam super bem e que as férias estejam lhes proporcionando o devido e merecido descanso!!

Um forte abraço e boas férias!!

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

The elements

Euclides

Sabemos todos que o livro mais publicado e badalado em todo o mundo ocidental é a Bíblia, mas tenho certeza que a grande maioria dos leitores se sentiria um tanto desconfortável diante da pergunta: e o segundo lugar nesta lista? De que assunto trata? E tenho certeza, também, que todos ficariam muito surpresos em saber que esta obra, escrita a mais de dois mil anos, versa sobre Matemática.

Várias histórias rondam o nome de Euclides, cuja obra é muito mais conhecida e estudada do que propriamente a sua vida. Muito pouco se sabe sobre a sua vida e personalidade, pois existem poucos registros históricos fidedignos sobre sua vida. Nem se sabe, ao certo, a data do seu nascimento. O pouco que sabemos dele é extraído dos comentários de Proclus (410-485), um autor que viveu mais de 700 anos depois de Euclides. Mesmo Proclus tem dificuldade em determinar a época em que Euclides viveu.

Inclusive, alguns autores chegam a levantar a hipótese de que ele não tenha existido, tal qual Pitágoras e Homero, tratando-se, pois, de um nome inventado para expressar e representar o pensamento de um grupo de outros autores da época. Esta hipótese é levantada a partir dos estudos minuciosos dos textos atribuídos a ele, cujas estruturas de sintaxe e estilos são bastante diferentes.

Outros autores, no entanto, acham esta tese improvável uma vez que no século 3 d.C., um alexandrino chamado Pappus afirma que Apolônio – outro grande nome da geometria do século 3 a.C. – teria estudado com um aluno de Euclides.

Para retornar ao contraditório temos ainda o fato de que Arquimedes (287 – 212 a.C.), que trabalhou em Alexandria supostamente após Euclides, usou resultados extraídos da obra The elements sem, no entanto citar a obra como referência bibliográfica. Como podemos ver, estes fatos aguardam ansiosamente outros dados ainda não descobertos.

Intitulado “Pai da Geometria” e pioneiro no estudo da ótica, Euclides viveu em Alexandria entre os anos 325 – 265 aC., no Egito, e foi o mais talentoso e influente matemático de sua época. Era mais jovem do que Platão (é provável que tenha estudado com algum aluno seu) e Aristóteles, mas era mais velho do que Arquimedes. Possuía vínculos estreitos com a antiga Biblioteca de Alexandria (provavelmente liderando um grupo de pesquisa em matemática), que tinha como o principal objetivo preservar e divulgar a cultura nacional.

Embora seja provável que tenha sido educado em Atenas, ele ensinou no Museum de Alexandria, um instituto de pesquisa que enfatizava a ciência e a literatura. Euclides registrou, coletou e ampliou a matemática do mundo antigo. Foi um dos matemáticos mais influentes de todos os tempos e um autor prolífico.

Euclides é mais conhecido por seu trabalho no campo da geometria apresentado na obra clássica intitulada The elements. Esse livro lançou a base para a geometria e em geral para a matemática axiomática. Durante várias gerações, a obra foi usada como manual para o ensino de geometria devido ao rigor matemático com que tratava o assunto. Nela encontramos a noção de que todos os fatos devem ser provados dedutivamente como afirmações de teoremas e proposições. O raciocínio pode depender apenas das suposições feitas inicialmente (isto é, as definições e axiomas) e dos teoremas e proposições relevantes anteriormente estabelecidos.

The elements é uma obra subdividida em 13 livros e tem início com definições e axiomas, incluindo o famoso postulado paralelo, que afirma que apenas uma linha reta pode ser traçada de um para outro ponto qualquer. Esse postulado é um componente definitivo para a geometria euclidiana. Os livros foram traduzidos para diversos idiomas e utilizados como textos sobre matemática por mais de dois mil anos.

Os elementos de Euclides não tratam apenas de geometria, mas também de teoria dos números e álgebra elementar (álgebra geométrica). O livro se compõe de quatrocentos e sessenta e cinco proposições distribuídas em 13 livros (ou capítulos), dos quais os seis primeiros são sobre geometria plana elementar, os três seguintes sobre teoria dos números, o décimo livro sobre incomensuráveis e os três últimos tratam sobre geometria no espaço.

Além dessa obra, Euclides escreveu outros livros sobre geometria, incluindo a teoria das cônicas, e sobre astronomia, óptica e música. Infelizmente muitas dessas obras encontram-se perdidas. Entre as obras que sobreviveram até hoje temos: Os elementos, Os dados, Divisão de figuras, Os fenômenos e Óptica. Euclides deu seu nome a vários conceitos matemáticos, incluindo o algoritmo euclidiano. The elements representou uma compilação do matemático teórico mais importante da época e provavelmente continha a primeira obra e idéias de Pitágoras, Hipócrates, Platão, Aristóteles e Eudoxo. Sua realização principal, no entanto, é a noção do pensamento sistemático.

Assim, os Elementos de Euclides são praticamente tudo o que temos da Matemática grega que se desenvolveu desde seu início com Tales de Miletos, que viveu no século VI a.C., até o tempo de Euclides, um período de cerca de 250 anos. Não sabemos se Euclides escreveu The elements para uso no ensino, ou apenas para reunir o conhecimento matemático da época, pois naquele tempo não havia a preocupação pedagógica dos dias de hoje.

Na Matemática grega, antes e durante o período helenístico, não havia fórmulas como as que conhecemos hoje. Tudo era dado em termos de proporções e isso perdurou no ocidente por mais um milênio após o declínio da civilização helenística. Para exemplificar, enquanto para nós a área de um triângulo é - dada por uma fórmula - a metade do produto da base pela altura, para Euclides a área de um triângulo é a metade da área do paralelogramo que se obtém com a junção de dois triângulos iguais.

Galileu Galilei escreveu que a matemática é a linguagem da natureza. Neste caso, The elements são o seu alfabeto e vocabulário e as leis da física as suas regras gramaticais. De certa forma, a matemática é um instrumento de transcendência, onde o modo de transporte é a nossa própria razão, a nossa capacidade de pensar sobre as coisas e sobre o mundo à nossa volta. Sem dúvidas, o exemplo mais famoso desta noção de pensar o mundo à nossa volta seja a Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein, que usa a geometria não-euclidiana – aquela que vai além de Euclides – para descrever o efeito das massas e da energia sobre o tempo e a curvatura do espaço.

Descrito por Aristóteles, o Método Axiomático, foi uma das maneiras de construir uma teoria genuinamente científica. Euclides, por sua vez, adaptou os conhecimentos matemáticos da época para esta forma de raciocínio e, a partir disto e da demonstração dos fatos, fez surgir a base conceitual que serve há milênios de exemplo de Ciência. A partir dos axiomas e das definições – e fazendo uso das regras que manipulam fatos conhecidos -, torna-se possível alcançar um fato novo, uma vez que a cadeia de argumentos a partir dos axiomas é, em si, uma demonstração desse fato.

The elements foi a obra matemática mais expressiva a ser impressa, como podemos ver na apresentação da publicação feita em Veneza por Ratdolt em 1482, que diz que obras deste porte e conteúdo eram extremamente raras - devido a dificuldade de imprimir figuras - no vasto mercado editorial daquela época.

A partir daí, várias aplicações dos princípios apresentados por Euclides, apresentados em partes, passam a aparecer na obra de outros autores. Piero della Francesca, pintor italiano renascentista (1420 – 1492) fez uso dos teoremas sobre polígonos e poliedros para que seus discípulos pudessem calcular os elementos geométricos básicos das composições. Por volta de 1655, também, numa linha acadêmica e didática, Tacquet (França) e Barrow (Inglaterra), desenvolveram versões resumidas para as escolas originando, em conseqüência disto, vários livros didáticos de Geometria o que ampliou em muito o potencial de divulgação destas idéias.

Por fim, The elements nos apresenta a noção de geometrização mutante do pensamento, fato tão importante para a arquitetura. O espaço está em toda a parte, mas existem muitas maneiras de demonstrá-lo. O princípio que usamos para calcular a área de um campo de futebol, plano como uma folha de papel, não é o mesmo que utilizamos para determinar a rota de um navio numa superfície esférica. Isto pode ser muito abstrato, quando considera situações conjecturais pela simples curiosidade de procurar as implicações de alguns poucos axiomas iniciais, mas pode, por outro lado, ser a linguagem apropriada para descrever tudo aquilo que está diante de nós, em alguma das muitas facetas da Ciência contemporânea.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Antes tarde do que nunca...

Nunca vi uma frase se encaixar tão bem em várias situações - inclusive distintas - do que esta: Antes tarde do que nunca!! Pois é, acabo de terminar o tradicional Boletim de Avaliação dos trabalhos do Atelier 2. Antes tarde do que nunca!!

Como sempre faço ao final de cada painel de apresentação dos projetos e, principalmente, ao final de cada semestre, após a entrega definitiva dos trabalhos, escrevo um texto para cada aluno, na forma de ata de reunião, tecendo detalhadamente todas as considerações e análises críticas feitas pelos componentes da banca que avaliaram estes trabalhos, entre os quais eu me incluo.

Acho esta prática de fundamental importância dentro do processo acadêmico por várias razões. Ela oferece ao aluno um documento contendo os pontos do projeto que foram alvo das críticas mas agudas que servirá para balizar as ações de reflexão e revisão dos seus projetos. Outro fator importante é a tranquilidade e segurança que este documento dá ao aluno no momento da sua apresentação, pois, permite que o aluno se foque na discussão do projeto sem a preocupação de ter que ele próprio fazer, juntamente com a asua apresentação, as anotações dos itens comentados, o que poderia desviar a sua atenção da discussão corrente.

Este boletim é feito tanto para os alunos do Atelier 1, quanto para os alunos que não concluiram seus trabalhos no Atelier 2, pois serve como ponto de partida para as necessárias revisões, complementações e alterações que posteriormente serão apresentadas na disciplina subsequente. E, também, para os alunos do Atelier 2, que estão concluindo o curso, pois assume o papel de ser a memória explicativa das qualidades e/ou aspectos onde o projeto tem potencial de evolução.

Sempre penso que a nota final, sem uma explicitação dos critérios que levaram a sua constituição, torna-se muito abstrata e de difícil compreensão por parte dos alunos. Principalmente passados alguns dias da divulgação dos resultados, onde a lembrança dos elementos discutidos no painel já não é assim tão clara. Portanto, a planilha das notas finais, associada ao boletim de avaliação final atenuam as possíveis dúvidas que podem se instalar no pensamento dos alunos de final de curso e permitem que a quelquer momento ele possa retomar as revisões do seu projeto.

Então, está ai!! Boletins do Atelier 2 publicados e enviados por e-mail para os alunos!! Alguns e-mails retornaram, portanto, peço-lhes que entrem em contato comigo para eu enviar novamente.

Claro que a minha batalha ainda não terminou. Tem ainda todos os boletins de avaliação - e não são poucos - da turma de Atelier 1 que, com extrema razão, começa diariamente a me escrever e-mails perguntando, como quem não quer nada, quando sai a publicação dos seus pareceres!!

Priorizei a confecção dos boletins do Atelier 2, pois como sabemos, estes colegas já tem a sua formatura agora no próximo dia 17 de janeiro. Mas fiquem tranquilos. A partir de amanhã estarei focado na redação final destes pareceres. Isto mesmo: redação final, pois para quem achava que eu ainda não tinha feito nada e estava curtindo as belezas do litoral, muito se enganou, pois falta bem pouquinho agora!!

Super abraço!!